De volta à Terra de Ninguem
O deserto não existe mais e suas areias deram lugar a um belo campo florido, a trilha mal marcada tornou-se um perfeito caminho de pedras esculpidas, o calor desapareceu e o vento fresco tomou conta do cenário, a caminhada difícil agora são relaxantes passos descalços. Tudo mudou menos aquela casa de dois andares.
A porta ainda era a mesma, grande e pesada. A correntinha ainda amarrada ao meu pulso. Preparei-me para fazer força na tentativa de empurrar aquela grande porta, mas ela se abriu inteira ao mero toque dos meus dedos. Entrei sem medo, como da ultima vez.
Na grande sala pouco havia mudado, mas as coisas pareciam mais em ordem, a mobilha ainda era a mesma mas a arrumação era outra, dessa vez sentei-me em uma poltrona e me recostei, senti o material, era tudo muito bom. Ficaria horas ali deitado mas ainda havia muito da casa pra ver novamente.
Fui ver uma das coisas mais curiosas que avistei na minha ultima visita, o estranho altar, mas não encontrei nada lá alem da pedra mármore perfeitamente branca, imaculada, não haviam mais marcas ou velas, estava totalmente vazio.
Quando terminei de subir a escada para o segundo andar, todas as portas se abriram, os antigos quartos que abrigavam camas de solteiro agora se tornaram cômodos diversos, mas nenhum deles continuava quarto, uns pareciam salas de estudo, outros salas intimas, havia um quarto com decoração infantil, um berço e brinquedos de criança.
Entrei no quarto maior, este sim ainda era um quarto e lá estava a grande cama de casal, a arrumação também havia mudado, as cores eram vermelhas, coincidentemente minha cor favorita. O lençol e a colcha não estavam perfeitamente postos, era nítido que alguém havia se deitado sobre elas a pouco tempo. Me sentia estranhamente a vontade naquela casa desta vez, tomei a liberdade de puxar a colcha, fiquei surpreso ao ver roupas minhas ali dobradas.
As janelas se abriram ao me aproximar, o vento fresco alisou meu rosto. Sentei na cama e depois deitei, me cobri com a colcha confortável e então comecei a entender tudo.
A casa me dava passagem e vestígios de outras pessoas haviam desaparecido, a sensação de estar em casa e minhas roupas dobradas na cama, sinais de que eu deveria ficar ali, cuidar daquele lugar, morar lá, sinais de que eu havia passado a ser o dono daquela casa.
Olhei a correntinha no pulso, uma lembrança que peguei na minha ultima visita, a única coisa que ousei mover. Agora estava ali, deitado confortável numa cama que era minha, podendo mexer onde quisesse. Aí percebi que nunca havia deixado aquela casa, nunca havia retornado ao caminho no deserto, sempre estive lá, de um jeito ou de outro, morador daquela casa, zelador daquelas paredes.
Havia chamado aquele grande casa de terra de ninguém, talvez um dia havia sido, mas agora já não servia mais este nome, a terra tinha quem cuidasse, a terra tinha dono, a terra era minha.