Pensar


Pessoalmente entendo que pensar requer algum nível de linguagem, mesmo que elementar, mesmo que não se traduza em fala, em escrita, ou em algum outro atributo exteriorizado ao pensamento, que sirva para uma comunicação externa ao nosso ser e ao nosso existir, o pensar requer algum princípio de linguagem nem que seja meramente conceitual.
 
Não pretendo com isto dizer ou afirmar que um complexo cerebral para funcionar plenamente necessite de alguma linguagem comunicativa, no sentido usual que a compreendemos. O cérebro é em primeira instância um órgão funcional, e atinge sua função mesmo sem nenhum critério de pensamento, mas o fato de pensar requer um adicional em sua funcionalidade natural. A reflexão é uma evolução recente no caminhar de nossa peregrinação sobre a terra. A comunicação vem logo a seguir em minha leitura desta nossa jornada. A reflexão talvez seja assim um estágio mais avançado ainda do que a capacidade de se comunicar, e o ato um pouco mais simples do pensar. O cérebro é funcional, mesmo sem estes três atributos.
 
O cérebro, em sua ação básica e natural, age de forma inconsciente sob o funcionar integrado de uma infinidade de processos imperceptíveis, que chamarei de processos zumbis, posto que operam totalmente desconectados de nossa compreensão consciente.
 
O cérebro age assim transparente ao nosso perceber, mas pensar implica na existência de um alvo do pensar e necessita também de alguma consciência e de algum controle introspectivo, assim ele necessita do “background” dos processos zumbis, e mais ainda necessita de um algo mais, algum tipo de linguagem natural, entretanto intenciona, para permitir discorrer mentalmente sobre qualquer assunto.  Não quero afirmar ser necessária uma linguagem formal, complexa, ou completa, ou mesmo parecida com a nossa, entretanto desejo apenas comentar que entendo ser necessário algum domínio de conceitos e de capacidades de correlacionar estes conceitos, necessitamos ainda de um mínimo de racionalidade e de alguns termos mentais de ação e de qualificação. Mesmo que as palavras em si não existam, os termos mentais que as compõem devem ser inteligíveis mesmo que não traduzíveis. Pode até mesmo ser que por debaixo de nossa linguagem tradicional resida algum vestígio de uma “protolinguagem” natural, que deu ao longo da evolução lugar a nossa capacidade de comunicação, racionalização e reflexão. Entendo que o pensar sem este suporte racional mínimo e sem algum pressuposto de linguagem, básica e incipiente que seja, não seria pensar, e sim algo como meramente observar, ou agir por instintos, ou mesmo por sistemas intencionais pré-programados, mas não seria pensar.
 
É evidente que os seres humanos possuem um elevado grau de processamentos automatizados, mas possuem também um bom nível de liberdade linguística para que possam racionalizar, se comunicar ou mesmo somente para discorrer e conseguir um estado de reflexão sobre si e sobre o mundo exterior. Tente você pensar sobre algo sem recorrer a utilização de algum nível de linguagem, por mais elementar que o seja, é impossível. Pensar necessita de algum suporte linguístico, por mais simples e básico que seja.
 
Não devemos confundir habilidade, ou inteligência natural, aquela que os nossos processos zumbis nos garantem, e que será tão mais útil e produtiva quanto mais processos zumbis tenhamos operando a margem de nossa consciência, com controle linguístico. Desta forma entendo que tão mais inteligentes seremos, quanto mais e mais processos zumbis, automáticos e sem necessidade de participação consciente alguma possuirmos no subsolo de nossa mente.
 
Um grande e brilhante desportista necessita agir em miseras frações de segundo, e assim não pode se dar ao luxo de perder tempo racionalizando sobre o que fazer, deve agir sem a intercessão do pensamento consciente, e tão melhor será quanto mais processos zumbis possua e quão melhor ajustados estes estejam a realidade de suas necessidades. Alguns poderão chamar de ação por instinto, mas independente do nome, são ações e tomadas de decisão automáticas, gerenciadas sem a intercessão da consciência. Isto vale para quase tudo que necessita de especialização, agilidade e rápida tomada de decisão, quanto menos pensarmos, ou quanto mais processos zumbis tenhamos, sendo iniciados imediatamente quando racionalizamos conscientemente uma necessidade, mais rápido chegaremos a um resultado, como se existissem vários processos paralelos, tentando resolver o problema, cada um ao seu estilo e competência, independente do controle consciente, e assim que o resultado apareça, este será levado a consciência para ação. Seremos “melhores” na resolução de problemas quanto mais tenhamos criado novas rotinas transparentes para nossa consciência.
 
A evolução nos permitiu uma ótima capacidade linguística, porem ao longo de nossa evolução houve tempo em que a não tínhamos, mas ela aos poucos surgiu. Eu pessoalmente sou aderente a uma linha de pensamento de que foi a combinação recursiva de linguagem/comunicação mais habilidades motoras que proveram o desenvolvimento evolutivo do volume de nosso cérebro. O aumento do cérebro permitia melhor linguagem/comunicação/habilidades, e uma melhor linguagem/comunicação/habilidades era uma pressão evolutiva por maiores e mais complexos sistemas cerebrais, assim como em uma batalha, sempre que um evoluía forçava o outro a evoluir e por alimentação positiva esta recursividade da pressão seletiva nos trouxe hoje ao estado de boa linguagem/comunicação/habilidades, e a um cérebro de auto poder computacional. Enfim o que quero dizer é que acredito muito que foi a necessidade da comunicação/linguagem/habilidades que forçou ao aumento de nosso cérebro e ambos se realimentavam positivamente em uma escalada de guerra e nesta continuidade melhoramos o poder do cérebro e de nossa comunicação. O aumento do poder computacional do cérebro nos possibilitou recentemente a capacidade de auto reflexão.
 
Algo parecido está neste momento acontecendo com muitos animais, não tão forte como nos humanos, posto que a evolução não sincronizou a fala e as habilidades motoras em todos os animais, uma vez que a evolução não possui projeto, ela depende muito da fatalidade do erro de cópia para possibilitar adaptações e a posterior a seleção natural destas adaptações. Alguns animais estão em processo mais adiantado, outros em processos ainda embrionário neste sentido, mas a evolução nunca para. Baseado neste raciocínio ouso acreditar que outros animais também possuam habilidades de pensar. Evidências tem aos poucos corroborado esta minha linha de pensamento.
 
Talvez golfinhos, elefantes e vários símios já possuam algum nível de pensamento mais estruturado, do que possa nossa vã crença nos faz perceber. Creio que o mesmo esteja ocorrendo com outros animais, mas ainda em menor escala evolutiva. Assim mantenho minha posição de que me parece impossível pensar sem alguma linguagem, mínima que seja, transparente que seja, natural, mesmo que estes pensamentos sejam inexprimíveis, e portanto além do nosso alcance de percepção. Sinceramente me custa crer que ainda existam pessoas que não abram mão para a oportunidade de que alguns animais são capazes de pensar, por mais primário que seja o seu pensar.
 

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 12/06/2012
Código do texto: T3719398
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