O que agora é pode já não mais ser



O que agora é pode já não mais ser.
O que agora tenho, posso já não mais ter.
O que agora vivo, já deixei um dia de viver e nunca mais o voltarei a viver; e se agora vivo, vivo diferente do agora e eternamente diferente daquele agora.
 
O tempo não passa e nem pode passar. O tempo não para e nem pode parar. O que realizo no eterno presente já não mais é o que experimentei, e o que experimento já não mais é o que vivo; simples, complexo e eterno mutável em um contínuo espaço-tempo realizável. Mesmo que o espaço ou o tempo não sejam contínuos, o que intimamente aceito, mais ainda se confirmaria meu pensar de que cada instante presente é único, sendo uma “imagem” dinâmica e viva, em plena realização, de um único “frame” de nosso eterno presente. Mesmo que o universo fosse eterno e infinito, sendo em contrapartida o meu passar por ele curto, isto implicaria em uma improbabilidade de que toda a energia e a matéria de um determinado “frame” do meu presente pudesse assumir o mesmo estado físico, fazendo de cada um deles um realizar único em si mesmo, se traduzindo em uma impossibilidade local que pudéssemos ter dois diferentes momentos presentes iguais, no curto espaço de nosso viver . Assim cada novo frame de meu presente é único e merece ser vivido e assimilado como o auge de meu existir, devo aproveitá-lo em essência, da melhor forma possível, para mim e para o bem do social, do coletivo e do universal.
 
Minhas respostas de agora já podem não mais ser as mesmas, muito menos minhas crenças e minha moralidade. Meus valores, meus princípios, meu existir, e assim “eu” mesmo, o complexo de minha mente e os muitos que sou agora, não mais serão os que serei tão logo termine esta simples sentença.
 
Tudo é dinâmico e complexo, tudo é relacional e dependente apesar de absoluto em si, muita coisa é determinada pelo que é e pelo que foi, mais ainda pelo tudo que era e pelo tudo que é, porem nunca e jamais serão direcionados pelo que talvez um dia venha a ser. Mesmo passivamente, interajo ativamente no agora para mudar ou redirecionar, alterando o fluxo do que é, pelo que passa a ser, e pelo que talvez venha a ser, alterando ininterruptamente o eterno e o contínuo novo agora.
 
Tudo passa, tudo muda, tudo age, tudo transforma e se transforma, tudo interage, e tudo reflete e é refletido, todo agora não mais é igual ao novo agora que nunca mais será experimentado. O que um dia foi nunca mais será, e o que um dia será nunca jamais foi.  Uma das poucas certezas neste assunto é que o que foi, já existiu, e o que será cabe apenas ao mundo do talvez, ao mundo do que pode ser, ou do que nunca poderá ser, ou mesmo ao mundo do que poderia ser e que jamais, talvez, venha a ser.
 
Posso planejar, me estruturar, posso mapear cada próximo passo e mesmo assim posso nunca chagar lá, e a culpa não ser absolutamente minha. É obvio que nem tudo pode acontecer, mas do subconjunto de possibilidades físicas viáveis uma única realidade se realizará, as possibilidades são tantas, e praticamente nenhuma delas será dependente somente de mim ou do que possa eu fazer.
 
O destino não existe, ou existe apenas enquanto o realizo, sendo assim um destino passivo e talhado pelo presente que se faz e que se foi, nunca direcionado ao presente que se descortina a cada momento ou ao presente que se fará, se fazendo. O destino assim é tão somente um sonho passado, ou por outro foco, é um sonho tão somente possível, não necessariamente impossível, talvez, mais flutua e se aplica onde não tenho domínio e onde ele próprio não possui configuração, e assim tanto eu quanto ele não nos podemos direcionar ou necessariamente realiza-lo. Por isto opto para viver, pela desesperança. Vivo o presente, sonho, pois sou humano, mas nada espero dos meus sonhos. Realizo o que posso, planejo conforme posso, porem nada espero, nada mais ambiciono do que não possa hoje realizar. Entendo a esperança crente, daquele que aguarda que algo externo possa realizar o que esperamos, ser o mais curto caminho para o desespero, o sofrimento e a infelicidade, posto que pode nunca se realizar e assim eu nunca encontraria a felicidade que está constantemente ao meu lado, com o que tenho e com o que no labor do dia a dia posso construir e  posso modificar. Posso assim, com este presente, gozar da felicidade de amar o que tenho e o que posso fazer.
 
Prefiro ser feliz agora. Prefiro ajudar os outros a serem felizes agora, prefiro a verdade do agora, a possibilidade do agora, do que a esperança de um amanhã que pode até mesmo nunca chegar.
 
Creio em uma única realização do meu viver, creio que sendo múltiplo tenho uma única oportunidade para realizar o meu viver, creio que minha passagem é breve e que posso apenas gozar meu existir no eterno momento presente que experimento. Nada espero do amanhã, nada espero do após morte, na verdade, apesar da certeza da morte, nem ela eu espero, para não me desfocar da realização do meu presente. Um dia ela virá, entretanto mesmo quando ela chegar, nem ela mesma eu a experimentarei, antes de morrer não a experimento, ela não me é nada, depois da morte não mais existirei para experimentá-la, ou melhor, nenhum dos eus que minha mente e o meu plástico cérebro constroem, não mais existirão para experimentar a realização da morte. Eu a realizarei, mas jamais a experimentarei. O momento único da realização da morte é cego, surdo e mudo para minha experimentação.  A morte é uma realização, em sofrimento, apenas e tão somente para os que aqui ficam e continuam a viver após a nossa morte, assim possuo apenas o presente, enquanto vivo, para criar laços de amor e afeto com outros irmãos, para tentar deixar exemplos bons para quem sabe, por mais algum tempo existir em lembrança na memória viva dos que aqui continuarão após me ir de vez, e que tenha conseguido marcar com amor, afeto, amizade, humanidade e ternura.
 
Com sorte, alguns exemplos deixados, algum texto escrito, algumas palavras de amor e a minha eterna busca por uma verdade natural, não aquela verdade que eu gostaria que ela fosse, ou não a verdade que me interessasse, que me confortaria, ou que se alinhasse aos meus temores e crenças, mas sim a verdade real, natural e pura, possam perdurar nas lembranças dos que amei e dos que me conheceram direta ou indiretamente. Desta forma, tudo isto depende somente do meu agora, o único momento experimentável e realizável, todo o resto é sonho, fraqueza, devaneio ou mera esperança.
 
Sou louco? Talvez! Mas com certeza já não sou mais o louco que acabei de ser, e já não sou mais o demente que agora sou.
 
Sou eu? Sempre! Mas sempre não sendo os eus que sou agora. Sempre sendo um eu transvertido de mim mesmo, renascido de mim mesmo e diferenciado de mim mesmo, sempre sendo um novo ser nos múltiplos eus que eternamente se transformam.

 
 
 
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 10/06/2012
Código do texto: T3716766
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