A Juventude do Novo Milênio na Encruzilhada e o Futuro da Humanidade
A Juventude do Novo Milênio na Encruzilhada e o Futuro da Humanidade
A geração de jovens que hoje ocupa as ruas, as praças, as reitorias e as redes sociais pode ser a última a fazer história.
No século XIX era a classe operária o sujeito da história. Os trabalhadores tomavam o céu de assalto e conquistavam a liberdade e a igualdade prometidas, mas nunca concretizadas na nova sociedade burguesa. O internacionalismo proletário nasceu das greves e revoluções operárias. O socialismo se alimentou da luta política do proletariado contra o capitalismo. A primeira onda de globalização das lutas começou com a construção das internacionais proletárias – da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), passando pela II Internacional e pela Internacional Comunista (Comintern) até a IV Internacional. O vocabulário político atual nasceu da Revolução Francesa e da luta da pequena burguesia, dos sans-culottes e dos camponeses contra a grande burguesia e a aristocracia e se ampliou e se enriqueceu com o movimento operário, a Revolução Russa e a Guerra Civil Espanhola.
No início do século XX, as mulheres fizeram história. Foram as operárias russas que começaram a Revolução de Fevereiro de 1917. As sufragistas ampliaram a cidadania na democracia liberal, garantindo a participação da mulher na política, a partir da conquista do voto feminino.
No pós-Segunda Guerra, a juventude cumpriu um papel político importante, mas mais relevante no Primeiro Mundo do que nos países periféricos. No Terceiro Mundo foram as nacionalidades oprimidas, as massas negras, árabes e asiáticas que se levantaram pela independência nacional, pelos direitos civis e políticos e contra o apartheid; grupos étnicos, nacionais e sociais marginalizados e oprimidos foram sujeitos da revolução social e política em curso naquele momento. No Bloco Socialista, a intelectualidade levantou-se ao lado dos estudantes contra a opressão stalinista. Foi na Europa e nos Estados Unidos que o protagonismo juvenil foi mais sentido.
A partir da década de 60, a geração dos chamados Baby Boomers irrompeu na cena política, sacudindo o mundo, embalados pelo Rock´n´Roll, transitando entre o radicalismo político e o misticismo e pacifismo hippies.
As Manifestações contra a Guerra do Vietnã, o Festival de Woodstock e o Maio de 68 Francês foram os fatos mais marcantes da primeira geração de jovens com uma identidade própria, muitas vezes superior a outras identidades existentes e possíveis como de etnia ou de classe, com um sentimento comum de pertencimento a um mesmo grupo social de caráter etário, social e cultural específico de sua época. Eles foram a vanguarda da revolução sexual, da revolução democrática e da revolução cultural. O rock criou um sentimento coletivo e uma identidade coletiva, uma soldagem cultural dos elementos sociais distintos mas que tinham em comum a sua idade e os novos costumes. Nascia a juventude enquanto grupo social específico e relativamente autônomo e, mais importante, como agente político.
Na América Latina, o fato mais importante, mais marcante da geração de jovens das décadas de 50 e 60 foi a Revolução Cubana. Uma revolução dirigida por jovens sonhadores e ousados e que desaguou nas águas do socialismo. A Revolução Cubana foi a maior vitória política dos jovens dessa geração. Um farol, um raio de esperança sobre um continente dominado pelo imperialismo, pelo conservadorismo e pela ignorância. E a revolução não hesitou: acabou com o analfabetismo. O seu exemplo serviu de inspiração para a resistência armada às ditaduras militares na América Latina e para o Tropicalismo que amou, se apaixonou pela revolução latino-americana, tanto quanto pelo antropofagismo de Oswald de Andrade.
Na década de 70, o movimento punk conquistou a cena jovem no mundo. Bandas brotavam em cada garagem e a contracultura se transformava em arma contra a classe dominante, contra o Estado burguês, o sistema capitalista e a indústria cultural como nunca antes. Da atitude punk de Nova Iorque ao punk político da Inglaterra, a juventude se separava dos velhos, cética, desconfiada e irada com a sociedade sem perspectivas. O existencialismo já havia tomado o espírito dos jovens, dos artistas e dos intelectuais nos anos 40, 50 e 60 e fazia parte do caldo cultural da sociedade de consumo. Agora, o pessimismo se alastrava de forma mais veloz. Os jovens buscaram fazer eles mesmos, a ação direta, mas sem acreditar muito no futuro. As utopias cederam lugar às distopias. A visão de mundo projetada pelas grandes utopias foi substituída por perspectivas apocalípticas e pessimistas que se expressaram na política e na arte, com destaque para as músicas e para as obras de ficção científica, refletindo a desesperança e ceticismo de uma geração. E assim chegaram os anos 80, com as revoluções políticas e o individualismo caminhando juntos. As revoluções políticas antiburocráticas da Hungria e da Tchecoslováquia, na Insurreição Húngara e na Primavera de Praga, em 1956 e 1968, respectivamente, cederam lugar para as revoluções democrático-liberais da União Soviética e da América Latina. Morria o chamado socialismo real e a realidade do socialismo para muitos. O neoliberalismo era a nova ideologia burguesa e o programa econômico para a Nova Ordem Mundial. O rock´n´roll, que floresceu nos tempos de prosperidade, no Estado de Bem-Estar Social, e no período mais revolucionário da história da humanidade, dava o seu último sopro de vida com o grunge. Nos anos 90, o rock não era mais a alma da juventude e, portanto, faltava-lhe o discurso e o meio capaz de constituir uma identidade juvenil mais geral, que abarcasse jovens de diferentes classes sociais e grupos étnicos. Percebendo isso, conscientemente, maquiavelicamente, a classe dominante buscou moldar a nova geração prometendo o paraíso capitalista do consumo infinito para aqueles que estudassem bastante, trabalhassem bastante e não se rebelassem. Os anos 90 pareciam iniciar um longo presente, um presente contínuo.
A chamada Geração do Milênio ou Geração Y, dos nascidos entre 1980 e 2000, foi incentivada pelos pais a fazer dezenas de atividades e cursos. Foram consumidores compulsivos e voluntariosos na infância e se tornaram adolescentes e jovens adultos consumistas, hedonistas e fascinados por tecnologia. Mas a velocidade desse mundo pós-moderno também acelerou o processo de liberação dessa geração. A crise do neoliberalismo não tardou e a terra prometida revelou-se uma quimera. O índice de desemprego entre os jovens é elevado no mundo todo. A educação é precarizada e privatizada. A política se profissionalizou e se tornou o espaço de burocratas, cínicos carreiristas. A corrupção se tornou sistêmica. A violência se generalizou e se banalizou na sociedade e passou a ser praticada por múltiplos atores em larga escala. Esse mundo não tinha nada a oferecer àqueles que chegavam aos 15 e 20 anos no início do século XXI. Surge, então, o movimento antiglobalização, as manifestações contra a Guerra do Iraque e a campanha contra a ALCA. O tão propagandeado fim das revoluções esbarrou na realidade objetiva das coisas e revoluções e insurreições sacudiram a América Latina no início do século, na Argentina, no Equador, na Bolívia, no duplo poder da Revolução Equatoriana com o Parlamento dos Povos ou no México com a Comuna de Oaxaca. Nos anos 2010, 2011 e 2012, novas revoluções eclodiram em outros cantos do mundo. Novos cantos entoaram ao redor do globo. Se antes era o rock que unia a juventude, hoje é a internet que cumpre esse papel revolucionário. Na Tunísia, a revolução democrática começou com os blogueiros. No Egito, a juventude ocupou a Praça Tahrir, se organizando através das redes sociais. E se a ditadura chinesa conseguiu reprimir os estudantes da Praça da Paz Celestial em 1989, a ditadura egípcia não teve a mesma sorte. O presidente caiu e a juventude manteve viva a revolução. O método de ocupações de praças públicas se generalizou. A Revolução Egípcia iniciou a Revolução Mundial. Os jovens, trabalhadores e desempregados americanos ocuparam Wall Street. O Movimento Occupy Wall Street virou nacionalizou nos Estados Unidos e se mundializou depois disso. A juventude espanhola já havia se indignado. Os Indignados entravam na cena política exigindo Democracia Real. Eles se inspiraram na Revolução Egípcia e na Revolução Islandesa. Na Islândia, jovens e trabalhadores derrubaram o governo de direita, elegeram um governo de esquerda, decidiram pelo não pagamento da dívida com os bancos em referendo popular, nacionalizaram bancos, prenderam banqueiros e políticos responsáveis pela crise econômica e elegeram uma Assembleia Constituinte, debatendo os artigos da nova Constituição através da internet.
Uma nova política surgiu dos novos movimentos, da união dos novos movimentos com a esquerda tradicional e de dissidências da velha esquerda. Partidos piratas, partidos anticapitalistas, partidos de coalizões de esquerda radical, partidos de frentes de organizações revolucionárias são só alguns exemplos dessa nova política. Assim como surgiram os partidos verdes com as mudanças da década de 80 e nos anos anteriores ainda, como consequência dos novos movimentos e dos novos valores culturais que tomaram forma com as revoltas de 68, hoje essas organizações dissidentes e heréticas são uma resposta aos problemas concretos do nosso tempo. O Fórum Social Mundial também é uma expressão dessa nova cultura política, com um papel unificador e articulador dos distintos movimentos e países, embora hegemonizado pelo reformismo e pelas ONG´s. Grupos de hackers e ativistas anônimos que tem como símbolo a máscara do V de Vingança também fazem parte desse momento histórico e das concepções políticas e estéticas dessa geração.
Uma geração é sempre muito mais do que como ela é retratada. Na verdade, cada grupo político e social disputa permanentemente a memória e a identidade de uma geração para tentar dar o tom, o sentido e definir o espírito de uma época para assim moldar o futuro à sua imagem e semelhança. Evidentemente, uma geração é multifacetada. Na geração do milênio há aqueles que buscam o sucesso acadêmico, tornar-se celebridades ou mesmo virar milionários antes dos trinta! Há também aqueles que levam uma vida simples, comum, tem suas famílias, seu trabalho, vão à igreja no domingo, assistem o futebol e a novela na TV. Há ainda aqueles que temem o futuro e que odeiam o diferente e se tornam fascistas, nazistas, racistas, homofóbicos e machistas violentos. Mas toda geração tem uma vanguarda que define a identidade do todo para o futuro e esses estão nas praças, sem dúvida. A vida presenteia aqueles que tem ousadia e coragem, não com riquezas, mas com a imortalidade. Por fim, temos aqueles que são lançados para o crime, para a marginalidade, um desperdício de potencial humano, que são cada vez mais jovens, infelizmente.
Não temos mais um ritmo musical ou uma expressão artística que crie identidade. A internet está sendo apropriada pelo mercado e vigiada pelo Estado de uma maneira que, em breve, não poderá mais cumprir o papel catalisador da revolta e da arte dos jovens e de sua própria identidade. Não há no horizonte uma linguagem ou meio capaz de cumprir essa função. Os jovens adultos tem poucos filhos, pretendem ter poucos filhos, não tem filhos ou não querem ter filhos. Olhando para o aspecto demográfico também, o número de jovens será menor nas próximas gerações. A juventude nunca teve um papel tão importante na vida política da sociedade. É o moderno sujeito social da revolução. Atua em conjunto com outros atores sociais, mas é a vanguarda de todos os processos. Na França, os jovens saíram às ruas contra a reforma da previdência, lutando junto e pelos velhos e por si mesmos. Também foram a vanguarda da luta contra a precarização do trabalho, quando o governo de direita francês tentou aprovar um projeto de primeiro emprego que era uma reforma trabalhista neoliberal disfarçada. A Grécia, a exceção desse processo global, conta com um importante protagonismo do proletariado, surpreendendo, no entanto, pelo papel destacado de jovens lideranças. A tendência é que o desenvolvimento da Revolução Grega contra a União Europeia, o FMI e os próprios capitalistas e a direita e extrema-direita grega unam ainda mais jovens e trabalhadores nas ruas. No Chile, são os jovens estudantes, havendo muitas lideranças femininas, a abalar o governo na luta pela educação pública. Mas se as organizações não se abrirem para os jovens dirigentes do movimento, se novas organizações não se afirmarem, a tendência é que essa energia se dissipe. E aí, nesses tempos de crise, a juventude que poderia fazer história, mudar o mundo, será uma geração perdida. Corremos o risco de vermos a última geração de jovens protagonista das mudanças políticas, sociais e culturais.
O crescimento do fascismo e as ações brutais do Estado Policial tentam quebrar a resistência popular e derrotar essa juventude rebelde, desmoralizando seus elementos de vanguarda e amedrontando os demais. O tempo da frente única antifascista é agora. O tempo das frentes únicas revolucionárias já chegou. Novas organizações e partidos tradicionais de esquerda devem ser aliados e unir os jovens que ocupam o seu lugar em todos esses movimentos políticos e sociais. O sentimento mais comum na vanguarda política dessa geração é o da unidade. É algo quase instintivo. É uma sensação de que sozinhos não podemos com o inimigo. É um bom sentimento, por ser o oposto do sectarismo e da arrogância. Os jovens que cresceram arrogantes, por serem a educação mais educada da história e aquela que mais foi mimada e incentivada, percebem a insignificância do indivíduo mais magnífico diante das forças históricas em ação, quando vários outros indivíduos agem, muitos de maneira mais decidida que você e a escolha mais sábia é forjar a união de todos que querem um futuro melhor, de mais liberdade e progresso. Infelizmente, essa mesma geração de jovens está muito longe dos postos de comando em toda parte nessa sociedade. O seu sentir ainda não é a ação efetiva dos movimentos existentes.
A história já está sendo feita. A história futura dependerá do destino da juventude dos anos 2000. A luta pela existência se dá no presente, mas não só pela vida presente, mas para a conquista do futuro e do passado também.