UM OLHAR SOBRE O "VASO CHINÊS"

Muito se tem dito e escrito acerca do soneto. Uns o tem como “forma ultrapassada de composição”; outros, técnica e inspiradamente o cultivam nos seus diferentes estilos. Seja pela ignorância de uns, ou consciente saber de outros, o certo é que o soneto permanece de forma fascinantemente desafiadora, para os que buscam conjuntamente na mensagem e perfeição da forma, o ponto exato da criação poética.

Esta “perfeição", pedra de toque dos amados e incompreendidos parnasianos, foi alvo de ataques, e continua sendo o piti dos modernistas, defensores do verso livre, nos quais dizem haver a “mais completa forma de expressão”.

Nessa guerrinha mais por espaço e vantagem pessoal e pouca defesa ao que venha ser arte poética, todos os períodos literários foram sucedidos por movimentos contrários às suas estéticas e pensamentos. Ao rebuscamento barroco sucedeu o bucolismo arcádico, que antecedeu ao subjetivismo romântico e, a este, radicalmente opôs-se o realismo-naturalismo, tendo como vertente o parnasianismo, ao qual  se denomina expressão do realismo na poesia.

Foi aí que o clássico soneto alcançou popularidade entre nós, formando a célebre tríade parnasiana composta por Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira, cada qual defendendo, a seu modo, a “a arte pura, inimiga do artifício”, sobretudo de um sonetista: talento aliado à criatividade nascida da genial inspiração.

O soneto, então, notabilizando-se na estrutura dos quatorze versos divididos em dois quartetos e dois tercetos, popularizou-se; mas sem perder o encanto e o brilho da bem trabalhada obra de arte. Embora havendo outras formas, predominou o soneto alexandrino dodecassílabo, mas logo caindo na preferência dos nossos poetas o decassílabo, ambas as formas evidentemente com suas diversificações de ritmo e rima. O soneto enveredou pelo lirismo-amoroso, erótico às vezes, assim como pelos temas históricos, filosóficos ou puramente descritivos, de que é exemplo Alberto de Oliveira, a cujo VASO CHINÊS lanço um olhar:

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre o um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamordo,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?... de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura;


Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa
.


Diga-se um decassílabo em ritmo heróico (6ª e 10ª sílabas). No primeiro quarteto, o poeta expõe o objeto a que chamou de “estranho mimo” e, ao vê-lo, delimitou-lhe o espaço “entre o leque e o começo de um bordado”. As rimas alternadas (ABAB), ricas na distinção da classe gramatical, vio-o (verbo + pronome) com luzidio (adjetivo).

O segundo quarteto diz pertencer o vaso ao chinês  que o fizera e, nele, pondo o “coração doentio”. Aí reside a analogia “fino artista” do vaso com o poeta cujos versos, bem elaborados, compõem o soneto.

Os dois tercetos se completam na “singular figura” do artífice, cuja arte une técnica e perfeição na forma e conteúdo. A arte com que fora pintado o vaso chinês corresponde simbolicamente ao mesmo zelo com que o poeta artisticamente compõe o verso e dá acabamento a sua obra.

Acentuam-se os detalhes do descritivismo e a camada fônica em que se apoiam sonoridade e cor, mediante adjetivações:   “estranho”, “perfumado”,"luzidio", "enamorado", “rubras”, “sutil”, “lavrado”,” ardente”,” sombrio”...

Destaque para raridade das rimas “vendo-a” com “amêndoa”, tudo “por contraste" e semelhança em um “não sei quê” ao “estranho vaso”, como se ao ler o soneto, pode-se vê-lo como um "mimo"
 
Do soneto, quase sempre uniforme na estrutura, mas diversificado em estilo e conteúdo, tem-se de Olavo Bilac outro exemplo (que não é descritivo) a seguir:

SINFONIA

Meu coração, na incerta adolescência, outrora,
Delirava e sorria aos raios matutinos,
Num prelúdio incolor, como o allegro da aurora,
Em sistros e clarins, em pífanos e sinos.

Meu coração, depois, pela estrada sonora
Colhia a cada passo os amores e os hinos,
E ia de beijo a beijo em lasciva demora,
Num voluptuoso adágio em harpas e violinos
.
Hoje, meu coração, num scherzo de ânsia, arde
Em flautas e oboés, na inquietação da tarde,
E entre esperanças foge e entre saudades erra...

E, heróico, estalará num final, nos clamores
Dos arcos, dos metais, das cordas, dos tambores,
Para glorificar tudo que amou na terra.






LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 07/06/2012
Reeditado em 15/07/2012
Código do texto: T3711126
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