Eu bailo, me segues.
Sempre curti dançar. Os pés se entrelaçando, o amor rolando, passos descompassados, com os quais fui fazendo diferente a cada beat do baião que se melodiava no meu paraíso artificial.
E eu era a ponteira daquela sapatilha, que era mundo, que tocava apenas minhas extremidades, mas que sublimava toda minha alma rija, dos dias de frio. Era a clave me abraçando; o Sol de rede de balanço.
Dizem que dançando, os tempos se somem; dizem que a cada abertura de pernas, o chamado à liberdade é muito maior e que, ao marcar o chão com o afro, estamos comendo, bebendo, usando as cores moçambicanas. Há quem pague para viajar. Eu, não. Eu viajo. Trilho minhas medalhas e uso meu amor às rodas. Não sair? Saio-me. Não beijar? Beijam-me. E danço.
Meu pé está na cabeça, meu beat, na cabeça. A cabeça nos pés, a cabeça nos braços, a cabeça no ritmo, a alma no todo. A alma no almar, a alma em ti. Ela que gira, salta, toca, solta, conta, vibra. O olho é o inquisidor, o espelho, a vida, o dance, o transe, o pulso, a atenção, que tenciona tudo quanto é nervo que possa acarinhar a célula, que, mecanicamente, me usa como engrenagem, como página; não como entre-linha ou entre-vista.
Não tenho o azar de ter corpo, não tenho o azar de cair em bueiros, de adoecer. Tenho perfume, batom, salto, alma, ritmo. Corro mais rápido que os desprivilegiados, voo nos braços de duas rodas, cruzo a pele e moro no quentinho dele. Eu tenho olhos, eu tenho pupilas, eu tenho o timbre do teu coração. Eu tenho a atriz em mim e o palco nos meus rodeantes aros. Eu deslizo na pista-vida. Do alto da minha ausência.