A Prece Apressa
Estranha atração ela exerce sobre mim. Acontece que aqueles olhos cor de mel se insinuam. Aquela pele cor de mel se insinua. Sim, nua. Obscena, extravagante. Cena extravagante – na cama, jogando uma das penas pro lado, como que procurando a melhor posição pra dormir; depois pra cima, fingindo fazer algum exercício; depois posicionando-se de quatro para ver se achava algum furinho no lençol...
Um rouxinol, com o canto daqueles cabelos negros sobre os ombros. O frescor do seu vestido, o odor que vem do seu corpo momentos antes de entrar na igreja para rezar. E ali ela se acalma. Os cânticos gregorianos a aclamam. Procura um banco ali pelo meio pra que não seja notada. Mas tenho-a anotada na página imaculada que não me sai da cabeça. Não ouso entrar na igreja. Fico lá da porta de madeira pesada adivinhando-a. E aí a atração é maior. Talvez pelas implicações que possam haver no sagrado, de que sempre desconfio. Estou no cio. Coisa feminina. E deve ser apenas atração física. Que teimam em dizer que nada tem a ver com amor. Mas por que entrar nessa discussão estéril? Tudo inicia com o físico. Quem sabe até mesmo muito do que consideramos espiritual. Estéril ela não é. Vai ter alguns filhos. E, se ela permitir, estarei ali, bem mãe e feminina para ajudar a cuidar deles. Sinto que ela se projeta sobre mim. Ou é mesmo a recíproca? Na verdade me amo, ou quero me amar. E é ela a solução para a concretização desse desejo. Estou pouco ligando que ele seja transverso, regresso ou o rótulo que desejarem.
Depois que ela sair da igreja, terei muito tempo para lhe dizer o que devo. Sei que não devo assustá-la. Mas sei também que posso ser uma possibilidade de realização que ela ainda desconhece. Mas que, achada talvez numa prece, e certamente sem pressa, tal realização esteja implícita.