ENTARDECER NO ACRE
Estabeleci contato com a vida, a plena vida, aquela que reservei para meu viver. Não deixei a escuridão e o consequente temor se apossarem de mim justo porque absorto estava naquela alegria inesperada que, de súbito, inundou o meu ser. O sol desaparecia no horizonte lentamente, um lento esmaecer após um dia quente de verão, profusões de cores brilhantes se destacavam de tudo o que me cercava e começava o ato único do entardecer com nuvens, pássaros tardios que a seus ninhos retornam, o som distante de um clarim em contraponto com uma viola apaixonada, dedilhada em notas profundas e sutis, são estes os atores de meu sonho acordado. Quase podia escutar as preces dos astros em honra a seu Criador, e em meu coração relutante ardia a chama da fé no autor daquela tarde que adormecia. Eu quase me sentia como se estivesse flutuando no espaço, tocando as estrelas, garimpando brilhantes, imaginando que podia colhê-las, uma a uma, retiradas daquele céu que se tornava semelhante a um veludo negro. Confederados, os astros espalhados neste reduto de poesia e amor, confabulavam-se em escolher o melhor para oferecer ao Criador de tudo isto.
Estabeleci a confiança plena em mim mesmo através das idéias simples e verdadeiras. Naquela hora magistral em que Deus se manifestou em sua plenitude, compreendi que o ser sempre transcende a aparência, ele cresce, ele se agiganta. Assim, naquela hora solene do despertar da consciência daquela tarde mortiça e cedendo lugar ao brilho estelar da noite entrante, comecei a descobrir o ser que existe por trás de meu rosto que vai além da juventude ou da velhice, de acordo com a minha aceitação ou a minha recusa, as aparências superficiais deixam de existir, perdendo a importância que tanto eu a concedi. O Deus meu, da minha aceitação, a base do meu existir, mora dentro, em volta e através de mim, através de todas as coisas simplificadas, sem teorias ou comportamentos desiguais, tornando-se em última instância a realidade do meu viver, do meu existir, da morte que a cada instante me acomete para mais tarde, nascer novamente com mais força e mais determinação. Não quero mais cair como sempre cai distante desta força que me sustenta. Fui arrastado para fora do que me arruina, estou fora da dor moral. Depois desta minha decisão resolvi me perder na noite estrelada que se avizinhava. Diante da enormidade do espaço e da luminosidade entornada, senti-me pequeno, deixando minhas percepções serem absorvidas pela luz das estrelas e pela idéia de que tudo tinha a ver comigo. Fui absorvido pela sabedoria que é também luz, naquele escuro perfeito que se transformou em um imenso clarão.
Estabeleci em mim, em meu interior que nunca vou me cansar de olhar o mundo com outros olhos a não ser com o olhar do amor e compaixão, o olhar de Deus em meu viver, esbanjando criação, novas idéias, novos desejos e novas belezas, novas perspectivas em minha vida de tão pequeno vivente. Apossou-se em mim uma paz originada bem do fundo da alma. Desenvolvendo em mim a certeza de que sou um pequeno grão de areia, faço parte deste concerto que me encanta, sou lama como também sou estrela, faço parte deste universo imemorial. Aceitei o risco da mudança sem temer o desconhecido porque trago dentro de mim o autor de todos os desafios.
Estabeleci em mim que nunca mais irei abraçar o temor, a incerteza e o desamor, simplesmente quero me sentir distanciado do poder e dos direitos gerados pela desunião em meus relacionamentos. Agora compreendo que as minhas escolhas não foram mais fortes que os propósitos divino a mim destinados.
Um entardecer em Rio Branco, Acre