"Uma Imoralidade": A Perspectiva de Nietzsche Sobre a História da Moral
Friedrich Nietzsche (Röcken, 15 de Outubro de 1844 — Weimar, 25 de Agosto de 1900) é considerado por muitos como o maior filosofo da história, sobretudo pela contemporaneidade de seu pensamento. Pessoalmente eu sou suspeito em falar de Nietzsche, pois sou (declaradamente) admirador do conhecimento que ele produziu e pesquisador iniciante de sua obra. Friedrich era conhecedor da doutrina judaico-cristã (seu pai era pastor), e viveu o período histórico da idéia social de modernidade, do almejo pelo futuro – o século XIX. Paralelamente ao conhecimento da doutrina cristã e da modernidade, Nietzsche, quando ainda moço, encontrou a Filosofia, sendo influenciado por Arthur Schoupenhauer outros pensadores de sua época. Essa mistura de saberes fez o filosofo dizer de si: “Não sou um homem, sou uma dinamite”. E essa dinamite explodiu numa obra magnífica, o pensamento nietzschiano.
Um dos campos que sofreram o impacto do pensamento aguçado e extremamente crítico de Nietzsche foi o campo moral. Analisando a história da Filosofia não é difícil concluir que os pensadores antes de Nietzsche estavam mais preocupados em fundamentar a moral, e não em fazer uma análise crítica do real valor da moral. Friedrich rompe isso e expõe sistematicamente o seu pensamento.
Para Nietzsche um fenômeno considerado como bom ou mau (na esfera moral) não possui um sentido em si mesmo, e isoladamente não é nada em sua essência, ou seja, não é objetivamente bom e tampouco mau. O que ocorre é que o sujeito que faz uma interpretação do fenômeno lhe dá um sentido moral. Sendo assim, a moral é uma forma de interpretação de um fenômeno; interpretação que o sujeito faz. Mas não é só isso. Friedrich denúncia que esta interpretação nasce de um confronto de vontades antagônicas, de uma hierarquia dos instintos humanos. Como assim?
Nietzsche julga que quando observamos um determinado fenômeno e o interpretamos como bom ou mal fazemos, anteriormente e intrapsiquicamente, um confronto de vontades instintivas. Esse fenômeno que observamos poder ser tanto bom como mal, certo? Portanto, se o consideramos bom significa que essa interpretação de que o fenômeno é de fato algo bom foi, na verdade, a vontade instintiva boa que suplantou outra vontade instintiva, que poderia considerar aquele fenômeno como mal.
Nietzsche prossegue. Para ele, a vontade instintiva que vence é aquela que está mais de acordo com uma determinada finalidade, ou utilidade. Se é conveniente, de acordo com a finalidade ou utilidade, que este fenômeno seja considerado bom, assim o julgaremos, ou ao contrário, poderemos considerá-lo como mau. Essa seria, para Nietzsche, a lógica sem lógica humanidade e do seu juízo moral. Portanto para Friedrich não haveria um substrato nos fenômenos, e os valores morais que damos a eles nascem de uma interpretação hierarquizada da vontade dos nossos instintos. É uma moral que nasce de uma “imoralidade”. Mas a crítica de Nietzsche à moral não ficou só nisso, ele foi além.
Para o filosofo, a moral que vigora na Europa e no mundo ocidental é uma “moral de rebanho” pautada no modelo dos “escravos”, dos “fracos”, dos “oprimidos”. Esses termos não se referem a pessoas especificas, mas são tipologias usadas por Nietzsche para esclarecer que a moral dominante se apóia nesta base - o senso de “vitimização”. A moral dos “escravos” é uma espécie de reação a motivos externos; é uma moral de ressentimento. O “escravo” olha para fora de si e baseia seus valores morais na afirmação da desigualdade. O Escravo precisa do outro para se auto-afirmar. Quer que os outros comunguem do seu ideal de igualdade, fruto de sua fraqueza e limitação. Essa moral se opõe à moral dos “aristocratas”, dos “senhores”, dos “fortes”; outra tipologia usada por Nietzsche para explanar justamente o oposto à moral dos “fracos”. Os “fortes”, os “nobres” se voltam para si, para a sua interioridade; se afirmam sem precisar que a coletividade comungue do seu ideal; não necessitam que haja valores comuns para terem uma identidade em si e valores próprios. Essas duas espécies de bases se chocam tentando prevalecer. Um grita pela sua existência mediante a coletividade nos valores, enquanto o outro pela individualidade de existir e viver por si só. A moral dos “fracos” clama por uma “igualdade” e nega o indivíduo em nome da coletividade. A moral dos fracos diz: “vamos abrir mão de sermos naturais, de vivermos de acordo com nossos próprios juízos e instintos humanos em prol de uma convivência “harmoniosa” com a sociedade”.
Assim, para Friedrich, ao adotar essa moral, o indivíduo humano se torna servo, reprimido, subjugado, baixo, vulgar, sem potencial, estático. O indivíduo só expressa a sua vida dentro daquilo que é aceito e permitido socialmente, é a moral de rebanho. Renuncia-se a si mesmo em nome em nome de um “benefício” ao outro. Seria uma forma de expressar a máxima da doutrina Judaico-Cristã: “ama o próximo”. Nietzsche criticou, desta forma, os sistemas autoritários, mas também a tal Democracia, o Socialismo, o Anarquismo que, em sua opinião, não cumpriam o papel de dar mais “liberdade” ao homem, apenas mudava a forma de oprimi-lo. Uma maneira mais refinada de enjaular o ser humano e sua potencialidade. A religião também não escapou às críticas de Nietzsche. Para ele, em nome de Deus, a religiões subjugavam o ser humano reduzindo-o à mediocridade.
Nietzsche também deduz que a felicidade a que todos almejam passa necessariamente pelo cumprimento da moral social, ou seja, o indivíduo acaba acreditando que para ser feliz (sem entrar no mérito do que seja felicidade) deve cumprir irrestritamente a moral, sem perceber que está numa relação alienada. Na perspectiva de Nietzsche a moral é uma relação de dominação, é um ato de violência, pois a sua origem não está no consenso, ou numa forma de contrato social, mas no egoísmo, no abuso de força. Assim, a moral nasceu para legitimar um “bom” e um “mau”, um “justo” e um “injusto”, “um povo”. É uma maneira de exclusão do indivíduo.
Repare que em momento algum Nietzsche defende que o ser humano deva ser amoral, ou que deva ser norteado por um senso depravado, mas sim que deve questionar o valor moral que dá aos fenômenos, enfatizando que esses valores devem ser julgados de acordo com a expansão de vida que gerou no indivíduo. Por fim, Nietzsche completa que não há uma moral universal, para todos em todos os tempos, mas há sim hierarquias culturais, níveis diferentes de moral.
Para Nietzsche é necessária uma transvaloração da moral. É necessário que o homem se supere indo além de si. É preciso reinventar a moral e se tornar uma “nova raça”, purificada das contaminações da fraqueza humana. Não nos moldes, obviamente, do nazismo alemão, que distorceu o conhecimento de Nietzsche e se enveredou por caminhos nunca propostos pelo filósofo. Sem essa transvaloração moral, continuaremos vivendo sob o jugo de uma moral dominadora, mística, paradoxal, mas que ao mesmo tempo em que impõe a sua muralha ideológica faz com que (de modo sutil) o homem sequer questione o que vive. E Isso lamentável.