O que fazem seis pardais sobre o telhado?

O livro dos provérbios ensina que, como uma mosca morta pode estragar um perfume, um pouco de tolice estraga a reputação de alguém tido por sábio. Como facilmente matamos bichos maiores que moscas essa definição não é desejável. As insígnias da reputação, pois, são de chumbo.

Diz uma frase do Talmude que, “A grandeza foge de quem a persegue e persegue quem foge dela”. Pelo jeito essa “senhora” tem personalidade forte e só se apega a quem deseja. Assim, não adianta fugir dela, tampouco, buscá-la; essa escolha não nos pertence. Mas, evitar qualquer nuance de pretensão dela soa prudente.

Mesmo antes de acreditar nisso, nunca pretendi ser expoente de nada, salvo quando jogava futebol, onde queria ser o tal, ainda que não fosse grande coisa. Contudo, certo estigma me acompanhou; lembro dois incidentes que vou dividir nesse texto.

Quando estudava na quinta série, o colégio trocou nossa professora de português. Sem mais nem menos, se nos apresentou a dona Flora, como nova docente.

Na sua estreia ela propôs uma questão para qual quem acertasse ganharia meio ponto na média do mês. O grande desafio era escrever corretamente na lousa a palavra escassez.

Uma coisa ridícula dessas soou como um trabalho de Hércules. Lá foram os bravos. Cada um escrevia e ela nada, só observava; chamava o próximo. Um errava e o seguinte copiava o erro.

Já tinham ido uns quinze, quando chegou minha vez, todos tinham errado; pareciam saber disso. Quando me levantei, ouvi três ou quatro cochichos; “esse acerta, acabou”.

Sem saber direito por quê, eu era o “salvador” da honra na turma da quinta série. Não copiei os erros de ninguém, fabriquei meu próprio; Escrevi escascez, ao invés de, com dois esses. Para infelicidade geral da nação, errei vergonhosamente.

Aquilo frustrou meus “fãs” e a mim, por certo tempo. Ainda que não pretendesse ser o sabichão, pensavam isso de mim; doeu. Ao invés do meio ponto, pontuei minha escassez de conhecimento ortográfico.

Já adulto, morando em Torres, litoral gaúcho, duas irmãs que congregavam na mesma igreja que eu, fizeram faxina numa casa onde encontraram um jogo de trivia; a pergunta que as molestou durante toda a tarde enquanto trabalhavam, foi essa: “O que fazem seis pardais sobre o telhado”? Outra ninharia, mas, que se lhes tornou insolúvel.

Sofreram umas quatro horas; tiveram que olhar a resposta, indignadas por não saber. Aí decidiram me “pegar” para acabar com a crista do “sabichão”; palavras delas.

Vinham esfregando as mãos, antegozando o deleite de me colocarem numa saia justa. Meio disputando espaço, perguntaram quase ao mesmo tempo. “O que fazem seis pardais sobre o telhado”? Rindo debochado eu disse: Podem cantar, ciscar, fazer ninho, cagar, brigar, etc. mas a única coisa que fazem necessariamente é meia dúzia.

Isso foi como um balde de água fria; era visível a ira, porque aquilo que tanto as incomodara, para mim não fez dano nenhum. Então, tanto posso tirar de letra algo que para alguns parece difícil, mesmo sendo ridículo, quanto, com a mesma facilidade incidir em erros grosseiros para decepção geral.

Cometo os mesmos que todos, quando não inovo e faço pior. Nunca advoguei saber igual ou mais que alguém, mas às vezes tenho que conviver com pesos muito maiores que meus ombros; algumas vezes, em reuniões onde estavam professores de teologia me deram a palavra para falar a quem sabe mais que eu.

Escrevendo, às vezes alguns leitores exageram também em seus elogios. Menos mal que existe o senso crítico que chama de volta à realidade.

Certa vez, ainda em Torres, quando fizera minhas primeiras incursões no púlpito para pregar, uma irmã observou: “Tu dizes as coisas com convicção tal, que mesmo se estiver errado a gente acredita”.

Aquilo me incomodou. Eu não quero que as pessoas acreditem no erro, não através de mim; então, isso gerou temor, desejo de conhecer bem a Bíblia e as regras de interpretação.

Claro que falar com convicção é necessário, nenhum orador convence com discursos tímidos, vacilantes; mas, a convicção deve advir de certeza, intimidade com Deus, não de um ator que por conhecer as paixões humanas, desempenha esse papel.

Então, se, pós escrever algo, recebo alguns encômios maiores que meu potencial, esses incidentes me socorrem, evitando inchaço, pois foi, e via de regra inda é, uma no cravo outra na ferradura. Todavia, isso não incomoda, afinal, integridade conta mais que aplausos.

Nunca fui grande coisa no colégio; após, me tornei o que alguns chamam de autodidata; quanto a isso, fico com a definição de Mário Quintana. Autodidata; Um idiota por conta própria.

“É fácil ser motivo de orgulho para os homens, mas deves dar motivos para Deus se orgulhar de ti.” Claudiney Ribeiro