‘O pão nosso de cada dia ...’.
Razões dos moinhos de São Miguel
Já tiveram curiosidade em saber a razão de ter havido moinhos de vento nos Ginetes, na Bretanha ou nas Capelas e não na Ribeira Grande ou em Água de Pau? Ou moinhos de água na Ribeira Grande e em Água de Pau e não na Bretanha ou nos Ginetes? Sem haver certezas, avançamos à cautela uma geografia espacial dos moinhos da ilha de São Miguel entre os séculos XV e XX: atafonas, moinhos de água, de vento e moagens eléctricas.
Para percebermos a escolha do tipo de moinho e a sua localização na ilha, é preciso conhecer um pouco da história das ribeiras e das nascentes da ilha. O que, não conhecemos. Outra, é sabermos como evoluiu a população da ilha. O que conhecemos bem. Ou quem era o dono dos moinhos. Primeiro só do conde, depois também de privados.
Percebemos a relação entre os moinhos de São Miguel, não em São Miguel mas em São Roque do Pico. Qual seria a razão da existência de uma atafona, de um moinho de água e de um moinho de vento numa área tão pequena? Eis a resposta: Quando não soprava o vento certo que o moleiro do moinho de vento precisava para fazer andar o moinho, em parte dependia da sua perícia, ou não corria água na ribeira, o moleiro atrelava o boi e fazia andar a atafona (aí chamada moinho de bói); se, porventura, houvesse o vento certo, usava o moinho de vento e quando não havia vento e havia água (apenas quando chovia) ponha a trabalhar o moinho de água. (Mário Moura 1997: depoimento de Francisco Santos).
Breve distinção
Antes de mais, há que distinguir os moinhos. Distinguem-se, sobretudo, graças à fonte energética que usam. Falemos deles, por ordem da possível introdução na ilha de São Miguel: força braçal do homem, força animal, força da água, do vento, do vapor de água e energia eléctrica.
Há inúmeras variantes do moinho de mão: é movido à força de braços do seu utilizador. Depois, a atafona, que é um moinho movido pela força animal: boi, vaca, mula.
Que se conheça, existiram na ilha dois tipos de moinhos de água: a azenha e o moinho de rodízio, também chamado moinho de penado ou de rodice. A diferença básica entre ambos, consiste no facto de a azenha usar uma roda vertical colocada no exterior do moinho e o moinho de rodízio uma roda horizontal (rodízio ou penado) colocada por baixo do cabouco do moinho.
Como o nome indica, o moinho de vento, é movido pela força do vento. Sem se entrar em pormenores, diga-se apenas que, quanto à cobertura, os que se conhecem na ilha (estudo de Ernesto Veiga de Oliveira), denotam uma influência matricial sueca-inglesa. Portanto, são posteriores ao início do século XVIII. No entanto, quanto ao aparelho motor, denunciam uma influência do continente português (segundo Rui de Sousa Martins). Depois, houve ainda os moinhos a vapor (vapor de água) e os eléctricos.
Resenha histórica
Sendo o pão, naqueles tempos, o alimento base das pessoas, sobretudo das mais humildes, sem moinho não havia farinha e sem farinha não havia pão. Para os mais pobres e remediados, até ao século XIX, sobretudo, pão de trigo, depois, sobretudo, pão de milho. O moinho era um elo indispensável na cadeia que se iniciava por ocasião do cultivo dos cereais (trigo ou milho) nas terras e terminava no momento em que o pão saía do forno e chegava quentinho às mesas das casas.
Para contar a história como deve ser do princípio, mas abreviando-a, claro está, há que dizer que, não fazendo conta aos pequenos moinhos de mão, a partir de 1474, só o capitão do donatário podia ter moinhos .
O monopólio, só começaria a abrir brechas três séculos depois. Uma primeira investida teve lugar em 1765, já no tempo do futuro Marquês de Pombal . No entanto, a legislação Pombalina, que se saiba, ou não foi posta em prática ou teve uma aplicação muito restrita. Meio século depois, em 1821, nova investida: nova legislação. Prova de que a lei de 1765, não fora devidamente aplicada . Somente em 1846, o monopólio seria, finalmente, abolido .
Por isso, até ao aparecimento dos primeiros moinhos de vento, o que talvez tenha acontecido apenas no século XVII (no entanto, não devemos excluir a hipótese de terem existido antes), mas cujo uso só viria a generalizar-se no século XIX, as atafonas e os moinhos de água (azenha e de rodízio) dominavam a paisagem da ilha de São Miguel.
Com o fim do monopólio, com a pressão dos fregueses a justifica-lo e a perspectiva de um bom negócio no horizonte, surgem moinhos de vento na zona poente da ilha de São Miguel (de Água de Pau e Ribeira Grande para os Mosteiros), onde não havia ribeiras ou onde corria pouca água nas ribeiras existentes, e mais moinhos de água na zona nascente.
Enquanto as referências a moinhos de água e a atafonas confundem-se com as notícias dos primeiros passos do povoamento, só dois séculos depois, em 1611, é que encontramos a primeira notícia, até ao momento confirmada, de um moinho de vento nos Açores. Este moinho, foi construído no interior ‘da cintura de muralhas e num ponto alto do castelo de S. Filipe do Monte Brasil, na ilha Terceira’ .
Duas décadas após, um outro: agora na ilha de São Miguel. Mais precisamente, em ‘(...) 1633, nas proximidades de Santa Clara(...)’ . Finalmente, quarenta e cinco anos depois do moinho de Santa Clara, no ano de 1678, a documentação revela-nos um projecto de construção de um moinho de vento para a ilha do Faial .
Haverá muito mais a investigar, até porque, até prova em contrário, estes moinhos do século XVII, terão sido apenas experiências isoladas. Além do mais, em parte, usando tecnologia diferente da dos moinhos do século XIX.
Fronteira dos moinhos
Tanto antes como depois da expansão dos moinhos de vento pela metade poente da ilha de São Miguel, podemos traçar uma linha divisória (imaginária, claro está) cortando de norte a sul a ilha de São Miguel. Terá como limites, a sul, a Vila de Água de Pau, e, a norte, a então Vila da Ribeira Grande. A razão dever-se ao facto de a nascente daquela fronteira imaginária, existirem mais ribeiras e mais nascentes com capacidade para mover moinhos de rodízio e azenhas.
Antes de o conde perder o monopólio, a nascente daquela linha, predominariam os moinhos de água, ao invés, a poente, predominariam as atafonas. Depois do fim do monopólio, a nascente daquela linha, predominariam os moinhos de água, pelo contrário, a poente, predominariam os de vento. Ainda assim, no Concelho de Ponta Delgada, já em 1911, a poente, existiam 38 moinhos de água para 45 moinhos de vento, mais dois a explosão e um a vapor. De água, a poente, foram os do Pico do Mafra, de Santo António e das Sete Cidades. A nascente, existia, pelo menos, um moinho de vento na Água Retorta.
Moinhos como Património Cultural Material e Imaterial
Reduzidos, em 2012, a dois moinhos de água na Ribeira Grande e a pouco mais em toda a ilha, os moinhos de São Miguel foram derrotados pela Moaçor e pelas moagens eléctricas, mas, estão inventariados e classificados como património industrial.
Será que é o suficiente? Não. Há que construir o Museu Açoriano do Moinho. Creio ainda que o moinho possa ser aproveitado para produzir energia eléctrica limpa. Aliás, não será isso que acontece no Parque Eólico dos Graminhais? O princípio é o mesmo, só a tecnologia mudou.
Mário Moura