Sistemas de classificação da vida

Desde o princípio da humanidade o Homem classifica os seres vivos, buscando agrupá-los com vistas a facilitar seu uso e potencializar seu trabalho.

Vários desses sistemas de classificação dividiam os seres vivos (especialmente as plantas e os animais) em dois grupos: (1) úteis e (2) perigosos, venenosos e peçonhentos. Essa forma de organizar a vida era baseada em experiências empíricas da comunidade, que eram transmitidas oralmente de geração em geração. Para saber um pouco mais sobre esse tema, leia o ensaio “Animais perigosos para o Homem” (publicado no Jornal Chico, nº 21, de 1º de setembro de 2006).

Atualmente, o sistema moderno de classificação da vida não se baseia mais na utilização ou importância prática e econômica dos seres.

Hoje, o ramo das ciências biológicas que visa a classificação da vida (conhecido como Taxonomia) é extremamente complexo e envolve uma gama enorme de conhecimentos. Esse ramo teve origem na Grécia antiga com Aristóteles (384-322 aC), que é considerado o “pai da Taxonomia”, pois ele foi o primeiro a agrupar os animais segundo suas características morfológicas, anatômicas e fisiológicas. Naquela época, ele classificou os animais em dois grupos: (1) Enaima (animais de sangue vermelho) e (2) Anaima (animais sem sangue vermelho).

Essa forma de classificação de Aristóteles permaneceu sem mudanças por muitos séculos. Mas, desde o Renascimento, as Ciências passaram por grandes transformações, o que, consequentemente, ocasionou uma revolução na forma de classificarmos os seres vivos.

O mais famoso de todos os “taxonomistas” trata-se do sueco Carolus Linnaeus (1707-1778 dC), que propôs um sistema de classificação baseado em dois reinos: Animalia (Animais) e Plantae (Plantas). Tal sistema se valia de critérios como: modo de obtenção de alimentos, capacidade de locomoção e aspectos morfológicos.

O sistema de Linnaeus apresentou uma grande inovação ao agrupar os seres em Classes, Ordens, Gêneros e Espécies. Tal sistema identificava individualmente cada organismo atribuindo-lhe dois nomes em Latim, um correspondendo ao Gênero e outro, à Espécie. Essa nomenclatura binomial, como ficou conhecida, trouxe imediatos progressos ao estudo da vida, mantendo-se usual até os dias de hoje.

Além de Carolus Linnaeus, diversos pesquisadores contribuíram e outros ainda contribuem para o desenvolvimento e aprimoramento do sistema moderno de classificação dos seres vivos. Entre tais, podemos citar: George Louis Leclerc – Conde de Buffon (1707-1788), Jean-Baptist Lamarck (1744-1829), Georges Cuvier (1769-1832), Charles Darwin (1809-1882), Ernst Heinrich Philipp August Haeckel (1834-1919), Edwin Bingham Copeland (1873-1964), Robert Whittaker (1920-1980), Ernst Mayr (1904-2005), Carl R. Woese (1928-), Lynn Margulis (1938-) e Thomas Cavalier-Smith (1942-).

Além desse sistema de classificação formulado por Linnaeus, existem outros sistemas presentes em diversas partes do mundo, que influenciam valores e comportamentos pessoais e comunitários.

Um exemplo de outro sistema de classificação muito conhecido encontra-se no capítulo 11 do livro Levítico da Bíblia Sagrada. O livro de Levítico foi escrito por Moisés, há mais de 3.000 anos, quando os Judeus saíram do Egito em direção à “Terra Santa”.

Nesse livro, nós podemos ver uma forma bastante peculiar de classificação dos animais que foi utilizada pelos antepassados dos Judeus, e ainda está presente na cultura de comunidades do Oriente Médio e em diversos grupos cristãos espalhados pelo mundo.

Tal sistema de classificação também divide os animais em dois grupos: (1) limpos ou puros e (2) imundos ou impuros. Os animais limpos são aqueles que podem ser domesticados e utilizados. Já, o segundo grupo inclui todos os animais considerados abomináveis, sendo, portanto, proibido o seu uso, consumo e comércio.

Esse sistema de classificação expressa parte da cultura daquele povo, que obtinha alimentos de origem animal, principalmente, através do pastoreio de ovelhas e cabras, ao contrário de outros povos daquela localidade que preferiam a prática da caça e da pesca.

Um outro sistema bastante curioso de classificação dos animais pode ser visto entre os índios Karajá, habitantes da bacia do rio Araguaia, região central do Brasil. Esses índios dividem os animais em três grupos: (1) animais aquáticos, (2) animais terrestres e (3) animais alados.

Sendo que dos três grupos, o primeiro é o mais importante deles. Essa preferência que os índios Karajá têm pelo grupo dos animais aquáticos está baseada em diversas associações simbólicas que eles fazem. Para entender o porquê disso é preciso ter uma visão do mundo Karajá.

Segundo suas crenças, os índios Karajá viviam o fundo do rio Araguaia, de onde saíram para habitar esse mundo. Alguns “índios especiais” que ficaram nas profundezas do rio Araguaia mantêm até hoje uma forte relação com os “índios das aldeias” através de dois rituais: o Hetohoky e a Festa dos Aruanãs. Esses “índios especiais” usam máscaras e roupas bonitas quando visitam as aldeias. Nessas visitas, eles se apresentam com nomes, canções, pinturas corporais e diversas outras associações que os ligam aos animais, especialmente aos animais aquáticos (ariranhas, botos, tartarugas, jacarés, aves aquáticas e peixes, entre outros).

Os animais que habitam o rio Araguaia e seus afluentes estão bem presentes na cultura Karajá (em canções, artesanato, alimentos, mitos etc.) por ser este rio o lugar de origem mística dessa etnia e por constituir o principal elemento histórico desse grupo. Sabendo disso, fica claro para cada um de nós entendermos por que os animais aquáticos são tão importantes para os índios Karajá.

Para saber mais sobre os Karajá, leia o artigo “Relações Cordiais” (publicado na revista Ciência Hoje, v. 39, n. 226, de maio de 2006) e o ensaio “Quando a índia moça vira mulher” (publicado no Jornal Chico, n. 18, de 16 de julho de 2006).

Ao vermos esses três sistemas de classificação da vida (da Taxonomia, da Bíblia Sagrada e dos índios Karajá), nós podemos entender melhor que cada comunidade classifica os seres vivos expressando parte de seus conhecimentos e valores, o que faz, portanto, que cada um de nós perceba que querer preservar a vida implica também no reconhecimento e respeito às diferenças culturais.

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Publicado no Jornal Chico, edição n. 38, p. 14, de 26/12/2007. Gurupi – Estado do Tocantins.

Giovanni Salera Júnior

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Giovanni Salera Júnior
Enviado por Giovanni Salera Júnior em 28/01/2007
Reeditado em 31/12/2011
Código do texto: T361507
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