A religiosidade, as religiões e deus


A religiosidade, as religiões e deus. São três diferentes “fatos” mas que passam a ser percebidos como totalmente dependentes uns dos outros, quando associamos a eles uma relação direta de causalidade para que os dois primeiros sejam necessariamente caminhos e desígnios do último, sejam como que causas e efeitos.  
 
Entendo que a religiosidade é um fato, as religiões, em geral, são problemáticas e deus é uma questão de crença. Entendo ainda que o romantismo de nossa mente acaba por entrelaçar as três assertivas como se compusessem uma única classe coesa e obrigatoriamente dependentes, como se estivessem trançadas de forma simbiótica desde o início dos tempos e assim permanecessem para todo o sempre.
 
A religiosidade é um sub produto natural de um cérebro em funcionamento. Aos poucos, cada vez mais se percebe que a evolução selecionou cérebros que possuíam sentidos de religiosidade, talvez porque este sentido favorecia o conforto coletivo, a segurança de grupo, a união social e o agir em algum ideal comum, como uma comunhão de seres mentais. Desta forma a religiosidade que experimentamos é um fato natural e por isto imanente, nada possuindo de transcendente ou de divino.
 
Igualmente a outras características de personalidade e de humanidade, e assim de conformidade com toda e qualquer característica que emerge da complexidade neuronal, a religiosidade é um resultado mental de um processamento inconscientemente complexo de nosso cérebro.
 
Isto não diminui, menospreza ou ofende o estado mental/humano de religiosidade, posto que se a evolução o selecionou e o preservou, é porque foi bastante vantajoso e benéfico para nos garantir descendentes, o que hoje me permite aqui estar refletindo sobre ele. Este sentido deve ter sido, ao longo dos milhões e milhões de anos, desde que teve início a nossa linha evolutiva direta, própria aos hominídeos, bastante importante para nossa preservação como espécie.
 
As religiões, múltiplas e complexas, possuem virtudes, não seria estúpido em não as perceber, mas em contrapartida, são em geral segregadoras e muitas vezes incoerentes entre si, e também incoerentes dentro de cada uma. Homens as criaram, as dirigiram e selecionaram suas regras, seus livros sagrados, seus dogmas, seus rituais e suas linhas filosóficas, sendo assim são elas próprias imanentes.
 
Suas origens remontam a muito e muito tempo, e ocorreram ao longo do tempo evolutivo mais recente, derivado, ousaria eu propor, do modo operante de nosso sentido de religiosidade, que é o da identificação social de grupos.
 
Pessoalmente tenho restrições as religiões, em especial as grandes, apesar de muito amar e respeitar os religiosos, primeiro por serem irmãos em espécie e segundo por estarem eles realizando um instinto natural humano, qual seja, o da religiosidade que emerge de nosso cérebro humano. Entendo ser difícil, mas acredito totalmente que poderíamos realizar nossa religiosidade longe dos desvios dogmáticos e segregadores que as religiões, em geral, acarretam. Creio que somos capazes de ser religiosos sem religiões.
 
Mesmo acreditando que a crença em deus seja verdadeira, e eu não duvido em nada que esta crença em deus, para a maioria sincera dos religiosos é verdadeira, e que apenas uma minoria dela se aproveita para benefícios próprios, eu não possuo inteligência suficiente para perceber este deus. Mas mesmo que ele fosse a mais pura verdade, mantenho a minha posição de que as religiões são totalmente desnecessárias, bastando somente “nossa” religiosidade para nos ligarmos a ele, alem do que, continuo crendo eu, esta mesma religiosidade poderia nos ligar também, o que é mais importante para mim, ao respeito a natureza, ao amor a vida e a dignificação de nossos semelhantes em espécie.
 
Portanto, tenho alguma certeza que as religiões, pelo menos a maioria absoluta delas, possuem muitas coisas boas, mas todas estas boas coisas são possíveis sem uma religião formal, podendo exerce-las independentemente da necessidade física de ingressar em nenhuma delas. Não obstante as coisas boas, as religiões me parecem problemáticas pela segregação que acarretam, não obstante a falácia de uma união ecumênica. São, a meu ver, problemáticas também pela competitividade que acirram, pelos dogmas que professam, pelas certezas sem evidências que afirmam, pelos preconceitos que criam, pela fé quase cega em alguns casos que necessitam, pelo aceite as interpretações das revelações oficiais, muitas vezes incoerentes que necessitam, pela obediência as autoridades que incitam, e em alguns casos pela infalibilidade que forçam crer sobre alguns membros.
 
Quanto a deus, a sua existência ou não, por se tratar de uma crença pessoal, deve ser discutida mentalmente em foro íntimo, posto que não possuo como comprovar sua inexistência, não obstante também ninguém, nenhum dos bilhões e bilhões de seres humanos que creem e que já passaram por este planeta também crendo, por diversas eras, por incontáveis religiões e seitas, conseguiu de forma assertiva e evidenciada comprovar sua existência. Prefiro assim deixar deus para o escopo e o escrutínio individual. Sendo assim, acreditar nele é uma questão de fé, a qual não consigo alcançar, estando assim fora do contexto científico, que muito amo, sua prova.
 
Para os meus filhos, que de longe são aqueles que mais amo, apenas afirmo: “Se vocês quiserem ou não acreditar em deus, é um problema de escolha e decisão pessoal. Se vocês quiserem discutir o assunto, estarei sempre a disposição, mas por favor não foquem apenas nele, como se ele fosse tudo o que existe, foquem primeiramente nos humanos, foquem na natureza, foquem no saber, foquem na dignidade humana, foquem na realização de suas humanidades, foquem na inclusão social, foquem na educação integral, foquem na construção do amor universal. Caso deus exista, e se ele é o sumo bem e o criador de tudo, com certeza ele terá bons olhos para aqueles que cuidam de suas criações e respeitam seus filhos. Este deus, com certeza, haverá de respeitar aqueles que buscam a humanização de suas vidas, que trabalham pela dignificação da essência do viver, que constroem, dia a dia, um amor universal e natural. E caso este deus não exista, vocês terão a certeza que fizeram o melhor pela vida.”
 
Fingir que a religiosidade não está presente em nossos circuitos neuronais é mentir abertamente. Cada vez mais surgem evidências de que ela está programada e roda como processo ativo no subconsciente de nossos múltiplos seres, mas daí a afirmar que a religiosidade que compõe parte do que somos, seja divina ou transcendental, é outra coisa muito diferente. Afirmar que, para que exista nossa religiosidade, é necessário que exista primeiramente um deus é meramente brincar com sentenças soltas. Como já falei pode ser que deus exista, mas o nosso sentido de religiosidade independe da existência deste deus. Poderia lembrar que ao longo do tempo, a religiosidade tem sido uma constante apesar das inúmeras e diferentes religiões, seitas ou crenças no divino e no místico. O instinto natural de religiosidade tem sido mantido, não obstante as variadas formas de deus, que vai do politeísmo ao teísmo, tendo ainda variações do tipo deísmo, panteísmo e outras. O instinto conceitual de religiosidade tem se mantido vivo, indiferente ao meio e a forma final do ser, ou seres, transcendentes que em última análise cremos professar em nossa realização da religiosidade.
 
Assim ouso comentar que sendo a religiosidade um princípio humano, selecionado ao longo de milhões e milhões de anos em que nos formamos, ela, a religiosidade, em nada obriga a religião ou mesmo um deus para sua realização. 

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 14/04/2012
Código do texto: T3613020
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