NUM REPENTE, A MENESTREL

Chega-me ao coração e à cuca o texto abaixo. Despretensioso, singelo, interlocutório, via Orkut. Examino-o num relance e fico visivelmente emocionado. Decido ir mais fundo. Converso com a interlocutora e peço confirmação de autoria...

“...E resta esse riso de leve, meio de lado

Esse olhos espelhados numa manhã de inverno

essa fala morna

andar indiferente

esse tudo ou nada

e, distante, um sono presente.(mas, que eu não perca a alegria) veronica aroucha.

– remessa pelo Orkut, em 09/04/2012.”

Sugiro título e formato mais bem acabado, cuidando de buscar ritmo e estilo. O texto toma corpo e se assenta bem aos cânones poético-prosaicos:

“PERDIÇÃO

Veronica Aroucha

...E resta esse riso de leve, meio de lado, esses olhos espelhados numa manhã de inverno. Essa fala morna, o andar indiferente, esse tudo ou nada e, distante, um sonho presente. Que não se perca porém a alegria...”

– remetido para a autora, via Orkut, em 10/04/2012, às 12h07min.

Seguem os meus cumprimentos pela interessante (e bem elaborada) PROSA POÉTICA remetida, e sobre a qual já me manifestei em mensagem anterior. É um típico exemplar da espécie prosaica (que contém Poesia), no entanto não chega ao gênero poético como espécime de forma e fundo, porque carece a ela a codificação linguística e a constatação de figuras de linguagem, de estilo. Na Prosa Poética as metáforas, especialmente, são monovalentes (com um único sentido), superficiais, rarefeitas no texto, enquanto que na Poesia a metaforização ocorre verticalmente, em profundidade – polivalentes – porque abrem-se em vários sentidos, num desafio ao receptor, que se toma, usualmente, da sensação do ESTRANHAMENTO e, a seguir, de um ALUMBRAMENTO, como apontava Manuel Bandeira... Neste texto temos uma perceptível leveza de criação poética que muito contém de Poesia, a par de um ritmo cursivo e agradável. A ritmação pode ser constatada à simples leitura em voz alta, e que deve ser feita em todo e qualquer exemplar de escrita artística pra ver se o RITMO está correto, agradável ao ouvido. Porque o bom espécime (tanto em Prosa Poética quanto em Poesia) tem de conter cursividade rítmica, não devendo ser quebrado e, portanto, desagradável ou que cause efeitos cacofônicos. É necessário saber que a Poesia, com os gregos, era cantada, principalmente pra ver se o ritmo estava certo para chegar à melopeia. Ocorreu, na forma sugerida, no último verso, a impessoalização da frase, buscando a universalidade, com a troca do “eu” pelo “se”. O intimismo – tão comum entre os diletantes, mesmo que talentosos – sempre apequena o efeito poético do assunto... Minimiza a extensão da proposta de confraternidade, tão ao bel-prazer da Poesia, que é linguagem multidirecional, não somente bilateral, como é o que se constata em todo o CONFESSIONALISMO. A troca do “mas” pelo “porém” é para buscar uma melhor ASSONÂNCIA. Com recolocação do adversativo, na frase, buscou-se dar maior ênfase à oração sentencial, à sua incisividade. Amiga Verônica, tu me pareces ter o talento e a intuição dos verdadeiros menestreis do verso... Com os parabéns do poetinha JM.

– Do livro A POESIA SEM SEGREDOS, 2012.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3604627