A Contemplação do Ovo
Aparentemente há um ovo ali. Não me interessa, no entanto o que o trouxe ali, mas aparentemente há um ovo ali, inclusive posso ver a sua sombra sob a superfície, imóvel e frágil ao mesmo tempo, temendo que algo pior aconteça, aparentemente há um ovo ali.
Se nunca tivesse visto um ovo antes, teria a certeza de que o que vejo agora é um mero ovo que por diversas vezes usei para me alimentar, nossa! Que paradoxo cometi agora; deve ser porque aparentemente há um ovo ali...
Se levarmos em consideração que a vida é tão frágil quanto um ovo, podemos dizer que o que vejo ali é uma expressão realista da própria existência.
Olhando fixamente ao objeto de observação, percebo que qualquer descuido meu poderia despedaçar o meu objeto e com isso a minha experiência de observação iria por água abaixo, enfim, é preciso cautela para manusear o meu objeto, aparentemente visto como um ovo, no entanto, frágil como a existência.
Olhando fixamente ao objeto, me pergunto se é possível dizer que há alguma história por trás dele, gostaria de poder perguntá-lo, mas certamente se fosse capaz de cometer tal absurdo não obteria resposta alguma, até porque objetos não falam. Aparentemente há um ovo ali.
Essa pequena reflexão me vez lembrar as vezes que tratei pessoas como um mero objeto, usei, abusei e depois eu simplesmente as descartei, é, fazemos isso com o ovo, usamos em nosso beneficio próprio, afinal pra que se importar com a sua história, objetos não tem história, usamos e abusamos e depois jogamos a sua casca no lixo. Aparentemente há um ovo ali.
A beleza da sensibilidade diariamente é ofuscada pela onda da praticidade do nosso dia-dia, dificilmente nos atentamos as coisas simples da vida, e com isso, vivemos da mesma forma que um ovo, imóvel e frágil, esperando a hora de ser quebrado para ser lançado numa frigideira, e com isso, deixar de ser fato, e se transformar em lembrança.
Enquanto olho para o objeto, sou capaz de ouvir o silêncio que este emite a mim, um silêncio capaz de dizer muitas coisas, aparentemente há um ovo ali.
No dia-dia, transitamos por meio de pessoas, andamos, corremos, fazemos de tudo para não perder a hora, no entanto, a hora já se foi, mesmo pensando que pelo fato de cumprir os nossos horários não o tenhamos perdido, enfim, pensamos que o tempo está sob controle, mas o tempo não pode ser mensurado a medida que o ponteiro do relógio dar mais uma volta 360 graus, ah, esqueci do ovo da mesma forma que esqueço das pessoas apesar de trombá-las todos os dias, não sou capaz de enxergar que há uma vida em cada um, uma vida que se esgota a medida que cumprimos as nossas obrigações, aparentemente há um ovo ali.
O meu objeto de observação tomou um pouco do meu tempo, poderia estar fazendo algo mais útil, no entanto, o que pode ser mais útil senão a observação da existência? Aparentemente o meu objeto é um ovo, no entanto, ao associar o ovo com a vida, confesso que o sentido fútil do ovo deixou de ser relevante, e o sentido real da vida passou a ser a minha esfera de observação, aparentemente há um ovo ali, mas ao observa-lo com outros olhos eu vejo ali pousado sob a superfície uma vida, sim eu disse uma vida; pura, simples e frágil, no entanto, uma vida esquecida, pelo simples fato de perdemos a sensibilidade da observação e contemplação das coisas. Aparentemente há um ovo ali...