Motivos para existir



Não creio em destino e também não creio em nenhum desígnio superior, apesar de respeitar aqueles que assim preferem crer. Minha filosofia de vida não envolve nenhum dualismo entre o físico e o celeste. Meu dualismo ocorre entre matéria e energia, entre partícula e ondas, entre o racional e o instintivo, e entre temporariamente existir e não mais existir. Enquanto vivo, sou ou tento ser, um mix de realista, materialista, cético, naturalista, humanista secular e profundo amante da vida, não somente da minha vida, ou unicamente da vida dos meus familiares e dos que mais de perto me cercam, mas sim da vida enquanto conceito existencial, de onde a física e a química realizaram o salto para a biologia. Amo a vida em essência e por isto amo a vida como realização natural, evolutiva, diversa, complexa, sensível, frágil e de magníficas formas de beleza.
 
Quanto a minha vida, de forma consciente não creio ter nenhum motivo especial, misterioso, místico ou mesmo secular para viver. Sou fruto de uma probabilidade quase absurda de aleatoriedade, nasci por uma conjuntura absurdamente grande de eventos interagentes ao longo de toda a jornada que a vida desbravou e superou desde o primeiro replicador ter também aleatoriamente surgido, e deixado mais descendentes do que a “morte” tenha podido destruir. Isto por si só, já deveria ser um motivo de máximo respeito pela vida que foi me dada pela coincidência aleatória da mãe natureza. O fato de poder aqui estar deveria ser capaz de por si só me fazer enormemente grato, feliz e responsável pela vida que tenho e também pela vida como um todo.
 
Dignificar a vida e construir meios para que ela seja sempre louvada, acima de tudo, deveria ser a razão real e suficiente para existir. Aproveitar de forma socialmente ética desta realização deveria ser suficiente para me fazer amante da vida.
 
Desta forma, conscientemente, posso ter poucos, mas coesos e bons motivos para cuidar da minha existência e da manutenção do conceito de vida. Entendo que por vias inconscientes tenho inúmeros outros motivos para realizar com energia, satisfação e compromisso a minha existência como ser vivo, buscando garantir a preservação da vida.
 
Na defesa e justificativa de motivos imanentes para existir, poderia caminhar pela estrada ainda tortuosa dos genes egoísta, poderia me mover pela necessidade de procriar e deixar descendentes, poderia viajar pela necessidade social de construir uma existência pelo bem coletivo, mas prefiro deixar como o maior motivo para minha existência, o respeito a essência da vida, o louvor a minha existência que é praticamente improvável, frente ao volume de aleatórios eventos ao longo de pelo menos três bilhões e meio de anos terrestres.
 
Se apenas levar em consideração o ato sexual de meu pai com minha mãe, somente ali, naquela ejaculação (desculpem os mais sensíveis) existiam cerca de trezentos milhões de espermatozoides, se meus pais realizassem o ato do amor um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde, já poderia ser suficiente para que meu espermatozoide em especial se perdesse ou mesmo morresse. Se somente limitarmos o escopo de minha existência a um ato sexual único, a oportunidade para que eu aqui estivesse é de mais e uma para trezentos milhões, fora as chances de aborto natural ou proposital, de doenças durante a gravides, ou mesmo morte do feto ou de minha mãe. Agora pensem nos três bilhões e meio de anos em que poderíamos sequer ter chegados a ser mamíferos.
 
Somos todos, cada um de nós, frutos de uma improbabilidade absurdamente grande e impensável por nossa pequena e imperfeita mente. Mas aqui estou, isto significa que na corrida para a fecundação o espermatozoide vencedor, entre trezentos milhões de outros, foi o que me deu o direito a existir, e assim se cumpriu a exorbitante improbabilidade e isto me faz grato com a natureza e compromissado com a vida.
 
É bem verdade que nos últimos vinte e um anos eu ganhei um enorme reforço nos motivos para existir, são meus dois amados e desejados filhos, não bastasse já todo o meu amor pela vida, agora tenho dois baluartes a me guiarem na busca da construção de dois equilibrados, firmes e dignos representantes do viver. 

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 29/03/2012
Reeditado em 29/03/2012
Código do texto: T3581966
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