CEM ANOS DE MAÇONARIA


CAPÍTULO I- A FUNDAÇÃO
 
Nasce a União e Caridade IV

 
Na noite de 3 de Agosto de 1912, num salão situado no nº 53 da Rua Senador Dantas( sede do Centro Espírita Santo Antonio de Pádua, inaugurado no 13 de junho daquele ano) um grupo de ilustres habitantes de Mogi das Cruzes reuniu-se para fundar a Loja Maçônica União Caridade IV, a primeira Loja de Mogi das Cruzes e Alto Tietê. A nova Loja seria fundada oficialmente no dia 25 de agosto de 1912.
Mogi das Cruzes tinha na época pouco mais de quinze mil habitantes, espalhados por um extenso território que agregava, entre outros, os atuais municípios de Suzano, Arujá, Itaquaquecetuba, Poá, Biritiba Mirim, além de territórios hoje integrados às cidades de Guararema e Ferraz de Vasconcelos. O núcleo urbano ia da estação ferroviária até a Rua Ipiranga, e da atual igreja do Carmo até o prédio do antigo Cine Avenida.
Poucas indústrias tinham sua sede no município, e a economia mogiana se apoiava principalmente na agricultura, explorada numa produtiva área rural, cheia de fazendas onde se cultivava principalmente o café.
Um comércio ainda incipiente contabilizava cerca de 200 estabelecimentos na época.[1] A luz elétrica era uma conquista recente e o serviço de águas e esgoto da cidade havia sido inaugurado cerca de um ano e meio antes, a 8 de janeiro de 1911. O prefeito da cidade era o Tenente Manoel Alves dos Anjos e o governador do estado de São Paulo (cujo título era presidente) era o Sr. Francisco de Paula Rodrigues Alves. O presidente da República era o General Hermes da Fonseca.
  

Os irmãos fundadores
 
A fundação da Loja Maçônica União e Caridade IV está estreitamente conectada com dois outros acontecimentos ocorridos em 1912 em Mogi das Cruzes: a fundação do Centro Espírita Santo Antonio de Pádua e a entrada em funcionamento do  destacamento local do tiro de Guerra. Este último fora criado em 31 de dezembro de 1910, mas só entrou em efetivo funcionamento em agosto de 1912. Essa informação assume especial relevância quando se olha para os nomes dos irmãos que faziam parte do grupo que se reuniu naquela noite de 3 de agosto de 1912, para trazer a maçonaria para Mogi. Boa parte dele é composta por pessoas que ostentam patentes militares.
Cumpre-se dessa maneira, em Mogi das Cruzes, uma antiga tradição que acompanha a maçonaria desde os seus primórdios como instituição: a presença maciça de irmãos militares(ainda que não de carreira) em seus quadros, tal como aconteceu na Inglaterra no início do século XVIII, na França revolucionária, nos Estados Unidos da América, onde as lideranças que fizeram a independência daquele país eram, em sua maioria, maçons e nos países latino-americanos que se formaram após suas independências, conquistadas de Portugal e Espanha..
Isso se deu também no Brasil, onde os grandes nomes das nossas forças armadas, tais como o Duque de Caxias, o Almirante Tamandaré, o Marechal Deodoro e outros, eram maçons. Assim, cumpriu-se a tradição já firmada de longa data, e a maçonaria foi trazida para Mogi das Cruzes pelos militares e por irmãos de orientação filosófica espiritualista, já que o mesmo grupo que fundou a Loja Maçônica União e Caridade IV seria também responsável pela fundação do CEAP (Centro Espírita Santo Antonio de Paula), quase na mesma época. Daí o fato de ambos funcionarem na mesma rua, a Senador Dantas, o CEAP no nº 234 e a Loja Maçônica nº 53.   

 
Entre os nomes que assinaram a ata de composição da primeira administração da Loja União e Caridade IV estavam os irmãos Francisco Wichan (Venerável Mestre), Antenor de Oliveira Leite (secretário),Antonio Dias Pereira de Freitas(1º Vigilante), Aleixo Custódio da Silva e Costa( 2º Vigilante), Manuel Pinto de Almeida (1º Diácono), Guilherme Boucalt (2º Diácono) José de Souza Franco (2º Diácono), todos eles co-fundadores do CEAP. Nesse grupo figuram também os irmãos Arthur Rodrigues de Aguiar,(orador), José Cordeiro Pereira (Mestre Cerimônias) Constantino Pinto de Almeida (Hospitaleiro) e Emílio Navajas (tesoureiro). Fizeram parte desse grupo pioneiro os irmãos Isidoro Boucalt, Fernando Tancredi e Clementino de Souza .[2]

Todos esses irmãos eram pessoas de renomada importância na sociedade mogiana da época. Seus nomes figuram hoje em diversas ruas e praças de Mogi das Cruzes, corroborando a tese de que a Maçonaria, em todos os tempos, tem sido o catalisador dos elementos de escol da comunidade. 
 

Um pouco de História
 
A jovem república brasileira estava fazendo 21 anos quando a Maçonaria chegou a Mogi das Cruzes. Vivia-se um momento particularmente conturbado da vida política nacional.  O marechal Hermes da Fonseca vencera o pleito eleitoral de 1910, derrotando Rui Barbosa. Ambos eram maçons. Com ideologias políticas diferentes, no entanto, a ebulição política que acompanhou toda a campanha de 1910 não terminou com a vitória de Hermes da Fonseca, pois este tinha como lema de campanha a luta contra as oligarquias do país, que segundo ele, eram a grande responsável pela corrupção que grassava solta em todas as instituições da pátria e pelo atraso econômico, social e institucional do Brasil em relação às demais nações do continente, especialmente as grandes repúblicas do norte. As oligarquias a que ele se referia eram os grandes fazendeiros paulistas e mineiros, responsáveis pela chamada política do “café com leite”, que havia derrubado o regime imperial e implantara o sistema republicano duas décadas atrás.
Os sustentáculos da política do Marechal Hermes eram os militares. “As situações políticas passam, o exército fica”, dizia ele. Por isso multiplicaram-se os quartéis por todos os centros urbanos do país e as guarnições militares passaram a fazer parte da vida comunitária dos nossos municípios, razão qual são tantas as patentes militares entre as principais personalidades da época em nossa cidade.
Foi assim que Mogi das Cruzes passou a sediar a 149º Brigada, que depois, em 1910, se transformaria num destacamento do Tiro de Guerra. Nesse destacamento iremos encontrar alguns dos irmãos oficiais que fizeram parte do grupo fundador da Loja Maçônica União e Caridade IV, entre eles os Manoel Pinto de Almeida, Guilherme Boucalt, Constantino Pinto de Almeida e Emilio Najavas, entre outros,todos egressos das carreiras militares.
Existia, no seio do exercito, especialmente entre os jovens oficiais, um intenso desejo de moralização da coisa pública, que se expressava em discursos inflamados contra a chamada oligarquia do “café com leite” e seus “coronéis”, que dominavam a cena política nacional. Tentando destruir o poder das oligarquias estaduais, o Marechal Hermes da Fonseca lançou o chamado “hermismo”, política centralizadora, apoiada pela força armada. Com base nessa política ele deu início a uma série de intervenções nos estados, colocando militares no lugar dos governadores estaduais, e estes nomeando interventores na maioria dos municípios paulistas. Essa foi a chamada “política das salvações”, que provocou diversas revoltas armadas entre 1911 e 1914 em todo o país, pois em vários estados, como São Paulo em 1911, quando o governo do estado resistiu à intervenção, convocando a Força Pública e mobilizando o povo para lutar.
Não houve luta em São Paulo porque o governo federal desistiu do seu intento, mas em vários outros estados, como Ceará, Pernambuco, Bahia, por exemplo, ocorreram vários choques armados, que deixaram muitos mortos. Era a época do Padre Cícero e no sertão do Nordeste, deu-se o Levante de Juazeiro, guerra civil que levou a morte a milhares de nordestinos. No Sul, entre as contestadas fronteiras do Paraná com Santa Catarina irrompeu a Guerra do Contestado, conhecida como a Guerra dos Pelados, que envolveu a população cabocla do local contra as tropas do governo, por causa das concessões de terra feitas a uma estrada de ferro. Mais de 20.000 pessoas morreram nesse conflito, que durou cinco anos.[3]
 
 
 
O ambiente social e político da época
 
Toda essa ebulição política refletia, naturalmente, em Mogi das Cruzes. Aqui também existiam oligarquias dominantes, como diziam os “hermistas”, nas pessoas dos homens que comandavam a política da terra. Famílias como os Souza Franco, Arouche de Toledo, Mello Freire, Casarejos, Navajas, Vilelas, Batista Belda, Lopes Melo Freire e outras, revezavam-se na cena política mogiana, ocupando os principais cargos no governo do município. As intervenções do ministério Hermes da Fonseca não ocorriam apenas nos governos dos estados. Nos municípios também. Tanto que se falava abertamente em uma intervenção em Mogi, o que motivou a fundação de uma Liga Anti-intervencionista na cidade, que se propôs a lutar pela manutenção do direito dos nossos patrícios de eleger os seus próprios governantes. Um dos seus principais membros era o irmão Fernando Tancredi, competente advogado e exímio orador, cujos discursos contra o autoritarismo se tornaram famosos. Isso mostra que, em todos os tempos e lugares, a maçonaria tem estado à frente dos movimentos defensores da vida e da liberdade. [4]
 
As Lojas maçônicas sempre refletiram a vida das sociedades onde elas se inserem. Apesar da explicita recomendação de que em suas reuniões não se deve tratar de política, é impossível evitar que as ebulições sociais e políticas fiquem do lado de fora, na “Sala dos Passos Perdidos”, como geralmente se pede aos irmãos. É impossível porque os membros de uma Loja são, em sua maioria, os principais atores da cena política, em todos os níveis e locais. Assim, é que iremos encontrar, nas atas das reuniões da Loja União e Caridade IV, a repercussão dos principais eventos sociais e políticos ocorridos no país. E isso a torna uma importante fonte de informação da vida da sociedade mogiana nestes últimos cem anos. É essa história que nós iremos contar nos próximos capítulos.
 
A orientação filosófica da Loja        
 
Pelo conteúdo das atas, e não poderia ser de outro modo, nota-se que a par das naturais evocações às questões sociais e políticas, muito próprias do momento que o país estava vivendo, há entre eles uma intensa preocupação pela busca da espiritualidade. E isso não poderia ser de outra maneira, sendo a maçonaria uma sociedade de pensamento e a sua prática um exercício de virtude. E para mais acentuar essa característica, releva-se o fato de a maioria dos fundadores – pois a composição da primeira diretoria está assim a indicar −, serem adeptos do kardecismo, filosofia que prima pela procura da luz interior do homem e manifesta essa procura pela prática da caridade.
Não é demais lembrar que a divisa do Centro Espirita Santo Antonio de Pádua é “ Sem caridade não há salvação”, enunciado esse que reflete os ensinamentos do Apóstolo Paulo de Tarso, no sentido de que as três virtudes do espírito puro são a fé, a esperança e a caridade, sendo que, das três, a caridade é a mais relevante. Justifica-se, dessa forma que a par da atividade intelectual e institucional da Loja, possamos perceber, na atividade desses irmãos pioneiros, uma ação orientada para a prática da filantropia.
E principalmente, justifica-se que o nome dado à primeira Loja da região tenha sido exatamente União e Caridade IV, o que simboliza o espírito de estreita fraternidade cultivada por esses irmãos fundadores e o anelo pela virtude da caridade, por eles já praticada em suas atividades profanas. Isso é que se pode deprender da história desses valorosos irmãos, custa pista pode ser seguida, não só nos registros que se mantém nos arquivos da cidade, mas também por que grande parte deles tem seus nomes imortalizados em ruas, praças, monumentos e instituições desta cidade, o que mostra o quanto a nossa municipalidade deve a esses irmãos pioneiros.   
 

[1] Robson Regato e Vanice Assaz- Históriaa do Comércio Mogiano, ACIMC, 1988
2] Ata nº 1
3] Nosso Século- Brasil 1910-1930. Abril Cultural, Ed. Clube do Livro, São Paulo, 1985

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Nota: este resumo faz parte de um ensaio que estamos escrevendo sobre os Cem Anos da Loja Maçônica União e Caridade IV, de Mogi das Cruzes. Os leitores que porventura tiverem algum material biográfico referente às pessoas citadas neste texto, ou de qualquer forma conectadas com o assunto em questão e quiserem compartilhá-lhas conosco, por favor deixem-nas em forma de comentários nest.e site, ou enviem-nas para o email jjnatal@gmail. com
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 26/03/2012
Reeditado em 30/04/2012
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