MENTE TORPE

AVISO: CONTEÚDO DRAMÁTICO. PROCURE NÃO LEVAR TUDO A SÉRIO.

E que haja dor. Angústia, ansiedade e frustração. O sentimento é de desespero. Está ficando cada vez mais difícil continuar desse jeito. Assim não dá. A sensação é de que nada parece feito para dar certo. Conforme o contexto, não pareço mesmo talhado para o sucesso. Sinto-me, por vezes, como um grão de feijão que germinou em um pequeno copo de plástico e que, ao ser plantado em um vasto e nutritivo solo, onde outras plantas também são cultivadas e germinadas em abundância, simplesmente não sabe o que fazer com tamanha imensidão. Posso ainda adotar uma comparação metalinguística: é como se eu abrisse um documento de Microsoft Word e não soubesse servir-me de seus recursos a meu bel-prazer. Aliás, gostei muito desta segunda comparação. Vou trabalhá-la um pouco mais. Gosto de usar metáforas e comparações aparentemente bizarras e excêntricas. O que é apropriado, dado o caráter dialético de minha personalidade. O “eu” controvertido rege o meu comportamento. É por isso que eu me sinto como uma gangorra, cujas pontas alternam-se entre o Paraíso e o Inferno. Sim, é como uma Ferrari bipolar. Consigo acelerar da euforia rumo à mais profunda depressão, ou vice-versa, em uma questão de instantes.

Mas voltemos à página de Word. O Microsoft Word é ferramenta tão útil para mim quanto a bola é para o jogador de futebol. E como eu não tenho lá grande intimidade ou paciência com as demais ferramentas informáticas, como Excel, Power Point, Acess, CorelDraw e os softwares da Adobe, verdadeiros enigmas para mim, eu diria que esse jogador de futebol é um centroavante artilheiro, frio e calculista. Daqueles que não têm uma habilidade excepcional com a bola, mas que fazem o que realmente a torcida deseja ver: gols. Dizem que o Word permite até a diagramação de um jornal, o que não duvido. Eu não sei usar a totalidade dos recursos do editor de textos da Microsoft, porém produzo nele o que é o mais vital: textos. É isso, amigos. Gols para o centroavante e textos para mim. Eu sou esse goleador das palavras, pelo menos é o que gosto de apregoar.

Convido então o leitor a um faz-de-conta. Vamos imaginar que eu não sei escrever uma mísera palavra em idioma algum. Acabei de abrir um novo documento. Sinto-me perdido em meio à branca imensidão de uma página vazia. Não sei o que fazer com ela, já que tanto espaço para criar não me diz nada! Minha mente está vazia. Abaixo da tela, localizo uma série de teclas, cada uma com uma letra, número ou símbolo. Seriam recursos extremamente úteis. Mas eles em nada me ajudam. Não consigo esboçar qualquer reação diante de algo tão óbvio, que é escrever algumas palavras. De repente, uma tarefa simples torna-se aparentemente impossível. Como é que se começa a produzir um texto? Será que é só ligar as palavras de maneira desconexa? Simples assim, sem cuidar com ortografia, concordância e pontuação? E a coesão, o que é? O que significa início, desenvolvimento e conclusão, é uma ordem? E quando um texto terminar, como saberei? Essas questões parecem todas óbvias. E eu não conheço as respostas para elas. E aparentemente, não há nada de errado nisso. Contudo, as aparências enganam. Possuir um mínimo conhecimento de técnicas de escrita é obviamente fundamental. Faz parte da vida, meus caros! Isso vocês estão carecas de saber! Mas eu não. Eu fui apresentado a tudo isso recentemente. Observo uma multidão ao meu redor aplicando tantas técnicas que julgo serem avançadas! E com uma profunda inveja de todos. “Meu Deus, o que foi que eu perdi? Que fiz para merecer tal calvário?” São perguntas que me açoitam como um piparote. E por mais que eu tente, com muito boa vontade, a bendita página de Word permanece em branco. As ideias estão cada vez mais desconectas. O linguajar está longe de ser o adequado. A vontade de desistir é inevitável.

Gostei de trabalhar com a metáfora acima. Confesso que me senti aflito ao escrever tais linhas, uma vez que elas descrevem uma incapacidade de escrever. E hoje é um momento em que me apego unicamente à minha escrita para aliviar minhas angústias. O texto é como um medicamento paliativo de um desespero crônico. E por que me servi de tal metáfora? Como já comentei, meu temperamento é dos mais dialéticos. Um relevo acidentado muito distante de uma planície tranquila. Se por vezes jacto-me da minha intelectualidade, por outras me acanho da minha insegurança e despreparo diante das coisas mais simples da vida. E não é para menos. Não consigo sorver o natural. É como se eu precisasse ser ensinado a viver e conviver. Não é um vexame travar diante do que é prosaico? Não saber como seguir o próprio instinto? Desconhecer mesmo se há algum dentro de si? Como é terrível a sensação de ser molestado pela própria mente. É um pesadelo constante. Trata-se de um calabouço psicológico! Masmorra psíquica, confusão cerebral. As ideias desconexas que citei no parágrafo anterior. Minha mente impõe severas punições ao seu usuário pela mínima falha. Então, eis que surge uma dúvida insolúvel: sou eu quem controla essa mente? Ou ela é um ser de vida independente do meu individualismo?

A frustração que precede a angústia. Eis o ápice da dor dessa mente torpe. Frustração por não conseguir concluir os objetivos estabelecidos. Os resultados deveriam vir a fórceps. Mas nem tudo depende de nossa capacidade individual. Muitas vezes, é preciso contar com a boa vontade das circunstâncias, que há muito andam de mal com alguém que sofre de tal confusão psicológica. A sensação de frustração é agravada pelas duras lembranças, outrora doces um dia. Mas a ternura passada é um banho de limão e álcool em uma ferida em carne-viva! Como é possível que um dia tenha sido daquele jeito e agora o cenário é radicalmente distinto? A mente não se conforma com isso. E produz angústia, ansiedade e desespero. A sede por resultados concretos me consome momento a momento. Aparentemente, nada a aliviará. Somente um resultado específico, imaginado pelo ideal torpe de uma mente recheada de lembranças conflitantes. É uma bagagem cruel.

Os dias passam. As horas, os minutos, os segundos... são momentos de solidão e pusilanimidade. A apatia é outro fruto desse pomar destrutivo. Afinal, chega um momento em que o medo de se decepcionar substitui a alegria da persistência. Os movimentos do corpo são constantemente tensos, já que estão sob controle da mente torpe. A rotina parece imutável. Num átimo de segundo, a vontade de esquecer tudo e recomeçar invade a alma. O desejo de dominar minha mente torpe rivaliza com a própria. Mas esta é um adversário muito poderoso. Ele é multifacetado e repleto de artimanhas. E está claro que conheceria muito bem um desejo tão ousado, já que ele é seu próprio produto! Porém, creio que desse conflito psíquico, a mente vencedora dificilmente deixará de assumir uma postura igualmente torpe, diferente talvez apenas na forma e no conteúdo.

Lembram-se do arrogante epíteto “goleador das palavras” do segundo parágrafo? Pois é, mais uma vez estou diante de um texto cujo resultado agradou-me muito. Mas a troco de quê, meu Deus?