Roteiro possível para uma história de cinco séculos
PRIMEIRA PARTE. Época séc. XVI. Narrador em off.
Cena I. Câmara em close: Mapa da Terra Brasilis.
Senhor...Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota e assim igualmente os outros capitães escreveram a Vossa Alteza dando notícias do achamento desta Vossa terra nova […] a terra em si é de muito bons ares […] Querendo aproveitar-se tudo dará nela […] Porém o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar essa gente […] A gente que vive nesta terra é graciosa como a mesma terra […] Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero Vaz de Caminha.
Corte. Cena 2. Câmera em plano geral: Dança tapuia […] não vejo nada de bárbaro ou selvagem no que dizem daqueles povos; e na verdade cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra […] A essa gente chamamos selvagens, como denominamos selvagens os frutos que a natureza produz sem a intervenção do homem. […] Michel de Montaigne, 1580.
Corte. Cena 3. Câmera em plano geral: Os bárbaros de Rouen.
Rouen, 1550. Demonstra-se ao mundo o triunfo francês, com a presença de Henrique II, Rei da França e Catarina de Médicis, diante de toda a corte. Danças selvagens e o exotismo de um combate simulado entre seus novos aliados, os índios tupinambás e tabajaras recém-capturados, e marinheiros franceses seminus.
Corte. Cena 4. Subtexto.
Os colonos portugueses afirmam que os selvagens não conseguem pronunciar f, l e r, por que não tem fé, lei e rei. Deve-se aproveitar a mão-de-obra da terra, bastando capturá-la. Tomé de Souza, primeiro Governador-geral, recebe instruções d’El Rei D. João III para submeter os índios rebeldes, ou exterminá-los através de “guerra justa”.
Corte. Cena 5. Câmera em plano médio.
O índio é objeto da catequese, permite à Igreja Católica recuperar-se das grandes perdas sofridas com os cismas religiosos no Oriente e Ocidente.
Corte. Cena 6. Câmera em plano médio.
Mem de Sá, terceiro Governador-geral se torna “o pacificador”, através de campanhas de extermínio, e tem seus feitos glorificados pelo Padre José de Anchieta, S.J.
Corte. Flash forward (séc. XVII). Cena 7.
Antônio Raposo Tavares em 1628, com 900 paulistas e 2.000 índios tupis, ataca as reduções de Guairá, capturando 60.000 índios guaranis, que irão trabalhar na Capitania de São Vicente. Saldo: milhares de mortos, extermínio de velhos e crianças que irão servir de alimento aos mastins, por retardar a marcha.
Corte. Subtexto.
1500: mil grupos étnicos indígenas, de 3 a 5 milhões de habitantes.
2000: 170 grupos lingüísticos, 300 mil indivíduos.
Corte: Fade-out
Trilha sonora: Heitor Villa-Lobos – Choros nº 10, pela reação de um civilizado ante a natureza totalmente nua.
SEGUNDA PARTE. Época séc. XVII. Narrador em off.
Cena 1. Câmera em plano médio.
O ser senhor de engenho é titulo a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos […]. Padre João Antônio Andreoni, S.J., 1711.
Corte. Cena 2. Câmera panorâmica: Vista de um engenho de açúcar.
A primeira grande lavoura é a do açúcar, na cronologia, na contribuição para a colonização, e é a que trouxe maior quota de riqueza ao Brasil – O Brasil é um dom do açúcar.
Corte. Cena 3. Câmera em plano geral. Engenho manual.
O engenho é verdadeiro mundo em miniatura, em que se concentra toda uma parcela da humanidade […]. O trabalho é todo escravo […] Além do açúcar extrai-se a aguardente, subproduto de largo consumo que se exporta para a África, servindo no escambo de escravos. O açúcar, de início remédio para lesões ulcerosas, depois produto de luxo como adoçante substituindo o mel.
Corte. Cena 4. Câmera panorâmica: Navio de guerra holandês.
Motivos por que a Companhia das Índias Ocidentais deve tentar tirar ao Rei da Espanha a terra do Brasil, e isto o quanto antes. Jan Andries Moerbeeck, 1624.
[…] Compreendendo que era irremediável a perda de Olinda, retira-se Matias de Albuquerque para o Recife, com poucos soldados e capitães que lhes restam, não mais que vinte. Viram-se assim os holandeses senhores daquela primeira praça da capitania […] O desbragamento da soldadesca assumiu insânia […] os próprios oficiais eram arrastados pelo delírio geral […] Passaram a noite a beber, o vinho da Espanha que era uma delícia […]
Corte. Cena 5. Câmera em close.
Domingos Calabar, mameluco ou mulato, filho de Porto Calvo, conhecedor da terra, habilíssimo em guerrilha, deserta e organiza as companhias de emboscada holandesa. Flash forward. Pelo mérito chega a major do exército holandês, conselheiro e diretor, derrotado em 1635, é preso e enforcado.
Corte. Cena 6. Câmera panorâmica: Mauritsiusstadt.
Johann Mauritius, conde de Nassau-Siegen constrói o que poderia ser a metrópole flamenga do ocidente, excepcional estadista estabelece as bases de defesa do território conquistado, forma uma assembléia de vereadores à moda holandesa, os escabisnos. Origina-se daí o sistema parlamentar no Brasil, uma câmara mista portuguesa e flamenga. Levanta o primeiro observatório astronômico das Américas, documenta flora, fauna e paisagem.
Seus defeitos: proteger os judeus por interesses econômicos, os calvinistas por ter como amante a filha de um pastor, expulsar os frades católicos pelas intrigas políticas.
Corte. Cena 7. Câmera em plano geral: Fuga de escravos.
Eu, El-Rei D. João V, faço saber aos que este alvará virem, sendo-me presentes os insultos que no Brasil fazem os escravos fugidos […] todos os negros que forem achados em quilombos […] se lhes ponha com fogo marca na espádua direita com a letra F […] o que for achado com a mesma marca se lhes cortará uma orelha […]
Corte. Cena 8. Câmera em plano geral: A vida numa rede.
Contratou-se o bandeirante Domingos Jorge Velho para destruir o quilombo de Palmares, de dimensões assombrosas, com 800 casas. 20 de novembro de 1695 – Após 22 dias de combate, a cidadela foi destruída e Ganga Zumbi morto.
Corte. Fade-out.
Trilha sonora: Heitor Villa-Lobos – Choros nº 6, pela sugestão de doçura e melancolia.
TERCEIRA PARTE. Época séc. XVIII. Narrador em off.
Cena 1. Câmera panorâmica. Vista da cidade de Sabará.
[…] A quarenta léguas, […] ao norte de Vila Rica, está o distrito de Congo-Soco, talvez a mais célebre das minas de ouro […] na linguagem dos indígenas sig- nifica caverna dos ladrões […] Um sujeito chamado Câmara vendeu ao guarda-mor geral das minas José Alves da Cunha pela quantia insignificante de 800 libras. João Batista Coutinho, depois feito Barão das Catas-Altas, sucessivamente desposou duas filhas do guarda-mor e dirigia os bens do sogro, que ao mesmo tempo era seu cunhado, já que em segundas núpcias este se unira a uma sua irmã. […] O Barão, de intendente que era das minas, por usurpação tornou-se proprietário delas, sem dispor de seus bens, nem prestar contas aos co-herdeiros […] em oito anos ajuntou fortuna de milhões de cruzados […]
Corte. Cena 2. Câmera em plano geral: Igreja do Carmo, Mariana.
[…] tudo era ricamente folheado a ouro e produzia aspectos magníficos provocando admiração de todos que penetravam no interior destes verdadeiros tesouros […] daí a expressão “igrejas forradas de ouro”, suntuosas cavernas douradas […]
Corte. Cena 3. Câmera em plano médio.
Por ordem do Real Erário […] manda que […] pessoa alguma possa passar pelo rio Doce e pelo rio Cuieté, a fim de evitar o extravio de ouro e diamantes, e que se tranquem os rios. 18 de novembro de 1773.
Por estarem os mineiros atrasados no pagamento dos quintos, determina o Marquês de Barbacena o pagamento imediato dos atrasados, que somam 596 arrobas de ouro. 1789.
[…] Pelas suas indústrias, a Inglaterra se apodera de nossas minas. Em um mês após a chegada da frota do Brasil, não havia uma só moeda de ouro em Portugal […] oferecem ao português panos de tafetá e briche que ele não sabe fabricar, e vinho do Porto mui apreciado e pão da mais rara qualidade.
Corte. Cena 4. Câmera em plano geral: Os profetas de Aleijadinho.
“No anfiteatro das montanhas / os profetas de Aleijadinho / monumentalizam a paisagem. / As cúpulas dos Passos / e os cocares verdes das palmeiras / são degraus da arte de meu país / onde ninguém mais subiu: / Bíblia de pedra-sabão / banhada no ouro das Minas” / Oswald de Andrade.
Corte. Cena 5. Subtexto. Câmera em close.
Ali estão os doze profetas, no cume de um monte sagrado. Balé sacro de figuras e gestos, contraponto de formas e massas, girândola aos ventos nas labirínticas escadarias, falam às montanhas de Minas, levando suas mensagens ao mundo. Baruch diz “eu predigo a vinda de Cristo”, e seguem os onze profetas falando das coisas do mundo.
Corte. Fade-out.
Trilha sonora: Heitor Villa-Lobos – Bachianas brasileiras nº 7, pela leveza dos ritmos e harmonias dissonantes.
QUARTA PARTE. Época séc. XIX. Narrador em off.
Cena 1. Câmera panorâmica: Palácio Imperial de Petrópolis.
“Viva o primeiro Rei do Brasil” (a multidão aclama).
Fade in – fade out. “Quero ser somente, somente defensor perpétuo do Brasil… e Imperador constitucional” (D. Pedro I).
Cena 2. Câmera em close.
Encantado com Maria Domitila de Castro Canto e Mello, entrevista naquela semana de setembro de 1822, Chalaça encaminha o convite e o Imperador recebe-a no Palácio Imperial, e tamanho enlevo tem que a indica para primeira dama da Imperatriz D. Leopoldina, agraciada com o título de Marquesa de Santos.
“Fogo, foguinho, conduze-me no salão nesta valsa, com tanta habilidade como na alcova […]” (Cartas da Marquesa ao Imperador)
Cena 3. Câmera em plano médio.
O augusto jovem Pedro II tem suas fraquezas. Deixa-se arrastar pelo turbilhão de elegâncias, inebriado na corte pela música e mundanismo. Diz o Imperador, “na visita a Macaé dancei doze quadrilhas e numa valsa torci o pé. Pude dançar contradanças no maior apuro, que é quase não se movendo” […]
Sua preferida é a Viscondessa de Barral, Maria Eugênia Borges de Barros, tão íntima que se tornará preceptora das filhas do Imperador […]
Cena 4. Câmera em plano médio.
As conversações versavam sobre o custo da festa. Havia cálculos de 200 a 300 contos de réis, só o buffet custara uma pelega de 50 contos. Apre! Muito peru e muita empada devia ter havido […]. Retirados os convidados, parecia que o baile da Ilha Fiscal tinha sido teatro de uma batalha: travesseiros e almofadinhas, corpetes, lenços de seda, dragonas, ligas, cartolas e combinações de senhoras […] 5 de novembro de 1889.
Corte. Cena 5. Câmera em plano médio.
“Não me entrego, morro com a Pátria” são as últimas palavras de Francisco Solano López, ditador do Paraguai. Às margens do rio Aquidaban é atingido por um golpe de lança no ventre, segue-se o vilipêndio do cadáver. A tentativa de uma saída para o mar custara-lhe a vida e a de 300.000 paraguaios, genocídio de um terço da população masculina do Paraguai. A Tríplice Aliança servindo aos propósitos do colonialismo inglês, terminou com um sonho americano de independência econômica, o Paraguai que implantou a primeira ferrovia da América do Sul, que produzia 1 tonelada de ferro por dia em Ibicuí, que importava técnicos em lugar de alfinetes como o Brasil, foi jogado num atraso definitivo.
Corte. Cena 6. Câmera em plano americano.
Entrevista com Juó Bananére. […] Na migna pinió um uomo prá sé perfetto pircisa tê cinque qualidadi: nom sê molhere, sê xiqui i inleganti, tê talentio, sabê prá burro, e afazê a barba nu migno saló di barbero (O Pirralho, semanário ilustrado do Bom Retiro).
Corte. Fade-out.
Trilha sonora: Heitor Villa-Lobos – Bachianas brasileiras nº 2, pelo retrato mateiro dos habitantes do Rio.
QUINTA PARTE. Época séc. XX. Narrador em off.
Cena 1. Câmera em plano americano.
“Nós os associados do São Paulo Athletic Club, considerando que jogos de críquete, ciclismo, football e turfe é a essência do British Style, e nossa vitória sobre o Germania Club, é apenas o começo.” Charles William Miller, 1899.
“Mas porque o football? […] temos esportes em quantidade. Para que metermos o bedelho em coisas estrangeiras? O football não pega tenho certeza.” Graciliano Ramos, 1916.
Corte. Cena 2. Câmera em travelling.
Nos dias que antecedem a Quaresma, as procissões saiam com carros alegóricos, um carnaval de fé […] entre negros vestidos de seda e cobertos de plumas […] para os antigos escravos era uma vitória contra a escravidão, estabelecendo laços de solidariedade […] por incrível que pareça a introdução do batuque dos sambas carnavalescos, não veio dos negros africanos, e sim de um sapateiro português, José Nogueira de Azevedo Paredes, o Zé Pereira do Rio de Janeiro.
Corte. Cena 3. Câmera em plano geral.
A massa de mira do fuzil Mauser Mod. 1908 enquadra os revoltosos. Atrás do estampido vem o baque, o primeiro a cair um soldado não identificado. Os 18 do Forte de Copacabana, 1922.
Novo tiro, o coice arde à omoplata. Do alto da chaminé da Crespi despenca o inimigo. São Paulo, julho de 1924.
Dispara o fuzil através da porta fina e atinge o general Lavanére no ventre. João Pessoa, Cruz das Almas, outubro de 1930.
Na alça de mira de 150 metros, é um tiro fácil. Tomba o miliciano da Brigada Mineira sob a bala do Soldado da Força Pública de São Paulo. Passa Quatro, 10 de julho de 1932.
No lusco-fusco das vésperas ressoa o estampido. O Tenente Santa Rosa morre em seguida. Nunca se soube de onde partiu a bala. Recife, 24 de novembro de 1935.
Corte. Cena 4. Câmera em plano americano.
As gorduras que vinham dos Estados Unidos eram caríssimas para se comprar, ao passo que no Brasil os porcos enxameavam […] passei a fabricar banha. Assim passei a fabricar tecidos, farinha de trigo, alimentos enlatados e açúcar refinado, e pequenos negócios de venda de automóveis e fitas de cinema. Francisco Matarazzo.
Corte. Cena 5. Câmera em plano geral: Catedral de Brasília.
“A idéia nasce do gesto primário de quem assinala um lugar ou deste toma posse. Dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz.” Lúcio Costa, Brasília, 1956.
Corte. Cena 6. Câmera em plano médio.
Chacrinha continua balançando a pança / e buzinando a moça e comandando a massa […] Alô, alô seu Chacrinha – velho guerreiro […] Gilberto Gil, 1969.
Terezinhaaa… Vocês querem abacaxi? Então vai… E fica no ar a pergunta: Quem matou Odete Roitman? Vocês tem o poder de votar, todos fazem parte do enredo, não existem crises sem solução, você decide. (Globo, a Vênus platinada)
Corte. Cena final. A câmera abre-se em panorâmica: Flores de maracujá e beija-flores. Freezing. Subtexto.
Ilha do Brasil – ilha lendária identificada pela primeira vez como ilha de Brazzi, rica em madeiras de tinturaria. Supunha-se existir no meio do oceano, a oeste da Irlanda, fazendo parte do arquipélago que compreendia a Atlântida de Platão. Andrea Bianco, 1436.
Utopia, nome de uma ilha imaginária, o lugar nenhum, onde o direito à propriedade privada e ao trabalho é sagrado, em que a política é governada pela razão. Thomas Morus, 1516.
Trilha sonora: Heitor Villa-Lobos – Choros nº 14, pela complexidade temática e monumentalidade. Na cena final, em crescendo “Aquarela do Brasil” de Ari Barroso, Brasil meu Brasil brasileiro…
Walter de Queiroz Guerreiro
Historiador e Critico de Arte (ABCA/AICA)