ESCREVER: IMPORTANCIA DO TÍTULO II

Por Carlos Sena


 
O TÍTULO de uma obra funciona na mesma lógica que a embalagem de um produto no supermercado. No passado isto não foi dessa maneira por questões próprias da época em que a programação visual era tímida e os serviços gráficos, precaríssimos se comparados com os de hoje. Como tudo, há exceções tanto ontem quanto hoje. Atualmente os títulos tem que ser apelativos – no melhor ou no pior sentido das palavras. Motivo: vender! Nesse viés da “apelação” às vezes um título funciona meio que “pegadinha” – a gente compra um livro, por exemplo, como um título que nos chamou atenção, mas dentro não corresponde. Os profissionais de Marketing estão dentro das editoras e das livrarias com essa função nem sempre ética, mas é assim que a teoria do lucro funciona. Muitas vezes o autor dá o título da sua obra, mas a editora não aceita e sugere um título mais comercial.
Atualmente os autores podem até ser “fabricados”. Antigamente não. Ou se tinha qualidade literária ou não se conseguia espaço na literatura. No geral o autor mandava na sua obra desde a capa até o ultimo parágrafo, inclusive o título do seu trabalho. Um exemplo disto é o conhecido “O FEIJÃO E O SONHO” de Orígenes Lessa. A seguir um trecho Trinta anos depois...
(prefácio à 7 a. edição) /
 
“Foi em São Paulo, no ano de 1938.
 
Em cima da minha mesa, na redação do Jornal da Manhã, que Octávio Mendes Cajado dirigia, havia um livro, chegado minutos antes, que eu, na condição de cronista literário, devia ler e sobre ele opinar. Aproximando-se da velha secretária, desordenada e confusa, um colega de trabalho apanhou o volume, girou as páginas na ponta dos dedos, correu os olhos por uns tantos trechos e, em seguida, com certa displicência, se não desprezo, atirou-o em meio a folhas de papel, tesouras, giletes, vidros de goma arábica – parafernália muito utilizada pelo jornalismo de minha mocidade – e demais coisas esparramadas ao redor do minúsculo retângulo livre em que eu escrevia. Disse-me, então, com uma ponta de azedume e um ar de infinita sabedoria e experiência: – Com esse título, esse livro não vai fazer carreira. Pode ser ótimo, nem duvido que seja. O autor parece talentoso, tem bons diálogos, já o percebi num relance. Mas, preste atenção no que lhe digo: ninguém lê um romance
com esse nome. Vai ser um fracasso, tome nota. O livro era O feijão e o sonho, de Orígenes Lessa. Nunca ouvi, em matéria de edição, vaticínio mais errado. O romance foi um êxito invulgar – mais invulgar ainda se se pensa nas limitadas condições intelectuais e editoriais da época na província de São Paulo”. (...)      Rio, 21-04-1968.
                                                                          Mário da Silva Brito
 
Diante disto, a gente fica mesmo tendo certeza que hoje O FEIJÃO E O SONHO não seria editado.  Com esse título, jamais uma editora ávida de lucros como tem sido a regra, permitiria esse lançamento. O país teria perdido a oportunidade de ler uma obra prima/irmã/tia/tudo.
Nos dias de hoje que é o que nos interessa, temos que compreender o contexto. Os escritores são muitos, mas a qualidade deles é pouca. Através da internet é que a “lixeratura” mais se dissemina, por questões óbvias. Mesmo assim “viva a internet”, porque dá aos bons escritores a possibilidade de serem lidos, pouco lidos é verdade, mas lidos. No passado tinha a questão da “herança” cultural. Pra se chegar a um editor o nome era importante, a relação política também, mas e acima de tudo a qualidade literária. Prova disto é que o maiores escritores brasileiros eram pobres e morreram talvez menos pobres, a exceção de um Jorge Amado da Vida, de m Gilberto Freyre da vida e mais alguns outros. Dos vivos, um Paulo Coelho, literalmente da vida, cuja obra não alcança boa aceitação dos críticos, mas há controvérsias.
Retomando a questão do título de uma obra na versão moderna, não podemos nos alijar de sermos igualmente modernos. A internet é fato e ninguém jamais mudará seu poder (e nem deve). Se ela contém coisas do mal é outro departamento, mas prefiro caminhar sempre pelo bom das coisas e pelo bem das pessoas.
Um título de uma obra hoje tem que atender ao produto literário, à editora e ao autor. Às vezes o autor deixa com a editora o título, como que já se dando por feliz ver sua obra publicada. Talvez o ideal fosse mesmo um acordo entre as partes, mas se o texto for bom e a divulgação também, acho que o título pode até ser um detalhe importante, mas não definitivo da compra ou da leitura.
NA LIVRARIA
 
Numa livraria, destas que estão por aí mais parecendo um parque de diversões, as pessoas chegam, abrem o livro, leem as orelhas. Se gostarem compram, ou não. Outras leem as orelhas, os olhos, a boca, o nariz e... “Meno male”. Na livraria diante do produto ali, na “tromba” do freguês, o título entra em concorrência com o prefácio, com a introdução do livro e com alguns trechos dele propriamente dito. Isto é bom. Recupera o tato, o prazer de ter o livro na mão, folhear, curtir, degustar.
 
E-BOOK
 
Em tempos de internet, os e-books estão ai tomando conta desse novo filão de mercado. Certamente que a obra é a mesma que se encontra na livraria tradicional, mas a forma é diferente. O título, neste caso, entendo como de suma importância. Primeiro porque a grande maioria dos que utilizam o E-BOOK é composta pela chamada geração “Y” – aquela que domina o computador por dentro e por fora e não se desgruda das redes sociais e pra elas tudo é muito rápido e prático, embora na prática funcione diferente.
Imaginem se alguém entrasse no Recanto das Letras e encontrasse o seguinte título: O FEIJÃO E O SONHO. Alguém duvida que não teria muita gente interessada? Agora imaginem um título tipo: “SE EU TE PEGO, DELÍCIA”... Evidente que há leitores diferenciados na NET. Contudo, os menos jovens certamente preferem o livro “in natura” “em pessoa”, aos e-books. Ler um livro é um conjunto de ações envolvidas: tato, cheiro, visão, etc. Há um rito, que felizmente a modernidade não conseguiu subtrair em função do lucro. Os jornais têm um pouco dessa prerrogativa também. Ler um jornal no computador não é, certamente, a mesma coisa.
 
À GUISA DE CONCLUSÃO
 
Quem escreve o faz por prazer. O prazer de quem escreve é ser lido, embora não ser lido não tire o prazer de quem escreve, posto que o ato em si já é realizador. Despertar no leitor o desejo é tarefa complexa, mas deve ser observado. Criar um título que revele o texto que está no corpo da obra é importante. Criar um título meio que surrealista pode despertar atenção, mas é uma faca de dois gumes que, dependendo da proposta se pode ousar. Independente de qualquer coisa, o leitor jamais será decodificado em sua essência para que nós, escritores, tenhamos certeza absoluta de qual seja o melhor título. Par quem não se contenta com a embalagem de um produto, talvez não se contente apenas com um bom título. Muita vezes um produto no supermercado tem uma embalagem super sofisticada, mas o produto não vale nada. Com os livros, infelizmente, acontece a mesma coisa. Portanto, cada autor deve ter seu feeling pra isto. Se não conseguir, mas tendo uma obra intelectualmente boa, o resto vem por “obra e graça do espírito santo”, amém.