A MENINA DE LÁ: UM CONTO MEMORÁVEL DE GUIMARÃES ROSA

O Movimento modernista contribuiu de forma inegável para o campo cultural brasileiro, em sentido religioso, político, e social. A literatura pós modernista, por sua vez, proporcionou aos gêneros lírico, narrativo, dramático e crítico novas formas de “se escrever” e interpretar, formas estas capazes de refletir a pluralidade do quotidiano na vida moderna. Nesse contexto surge Guimarães Rosa (2001), escritor que trouxe para sua obra as inúmeras esferas das linguagens não letradas, esferas estas, onde o natural, o infantil e o místico assumem uma dimensão memorável. Dentre as tantas obras de Rosa, este ensaio tratar-se-á do conto A menina de lá, o qual faz parte do livro de contos Primeiras Estórias, narrativa que engrandece, e dá voz as crianças,os mais humildese os loucos, seres “enquadrados” como alheios aos domínios da linguagem, da consciência e da cultura.

De acordo com Alan Poeapud Julio Cortazar o conto nasce como gênero autônomo entre os períodos de 1829 e 1832. Para eles o conto breve permite a seu autor desenvolver seu propósito, por isso, “o tempo e o espaço do conto tem de estar como que condensados, submetidos a uma alta pressão espiritual e formal” (CORTAZAR, 2004, p.152). Diante disso, Guimarães Rosa prova em A menina de láseu amadurecimento em relação à eficácia do conto que depende de sua intensidade como acontecimento puro para exprimir real significação.

Cortazar afirma que um conto é uma verdadeira maquina literária de criar interesse, ele deve ser absolutamente literário e se deixar de o sercomo, por exemplo, na literatura de tese, se converte em veiculo literário. Rosa assim como Poe insere em suas temáticas personagens quase desumanizados, personagens que não obedecem a leis não usuais do homem,leis estas especiais e/ou excepcionais, por isso, o universo de Rosa é variado e intenso, permitindo ao autor a escrita livre e desapegada de preconceitos, escrita esta que o conduziu a dar vida aNhinhinha.

Na perspectiva dos estudos voltados à obra de Rosa, percebe-se que o escritor expõe uma peculiaridade em seu conto, peculiaridade esta que se dá no fato de seu narradoraparecer, respectivamente, em primeira e terceira pessoa. A passagem do narrador de primeira para terceira pessoa se faz necessária para que o conto possa, a partir de então, tomar para si a presença do elemento fantástico. Tal passagem é expressa - em A menina de lá -nas afirmações do narrador, “nunca mais vi Nhinhinha. [...] Sei, porém que foi por ai que ela começou a fazer milagres” (ROSA, 2001, p. 69).

A presença do elemento fantásticono conto e nas outras esferas da literatura começou a apresentar novas possibilidades a partir do século XIX, período onde se passou a fazer relação da arte literária com o real. O fenômeno fantástico presente no conto rosiano é expresso, como afirma Lenira Marques Covizzi:

pela sensação de se estar sendo sempre iniciado nalgum mistério que desembocará em alguma forma de estado de graça. Nesse desvelamento gradual que na maioria das vezes não termina numa explicação lógica está aessência do insólito rosiano(COVIZZI, 2009, p.87.)

O texto de Rosa conduz o leitor a traçar, inconscientemente,o percurso deNhinhinha desde a personificação da menina como uma figura “miúda, cabeçudota de olhos enormes” a sua sublimação ao outro mundo, mundo este para o qual ela estava destina - o céu -, lugar onde foi morar Santa Nhinhinha.

O elemento significativo do conto [parece] residir principalmente no seu tema, no fato de se escolher um acontecimento real ou fictício que possua essa misteriosa propriedade de irradiar alguma coisa para alem dele mesmo de modo que um vulgar episódio domestico, se converta no resumo implacável de uma certa condição humana, ou no símbolo candente de uma ordem social ou histórica. Um conto é significativo quando quebra seus próprios limites com essa explosão de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que vai muito além da pequena e as vezes miserável historia que conta (CORTAZAR, 2004, p.153).

Ao passo em que a narrativa segue, ela nos apresenta uma série demomentos cruciais que vão concernir em um extraordinário impacto final. A partir de então, é possível embebe-se da “magia” presente no conto que proporciona ao leitor situações incomuns, para que este perceba, a partir da presença dos elementos narrativos expostos do inicio ao fim da narrativa, o seu real propósito que é mostrar uma grande revelação, que se dá no momento em que a menina pobre, com menos de quatro anos é canonizada, se torna santa.

Outra situação incomum presente na obra exposta é a forma como a menina nomeia o pai e a mãe, bem como a forma que ela se comporta diante dos acontecimentos quotidianos. A protagonista tratava a mãe como “menina grande” e o pai como “menino pidão”, além disso, era diferente das outras crianças, pois,“quando vinham chamá-la para qualquernovidade, dessas de entusiasmar adultos e crianças [...] (dizia)Deixa...Deixa...” (ROSA, 2001, p. 68).A menina não se importava com as coisas materiais deste mundo. O que chama atenção nesses fatos é que antes mesmo dosquatro anos de idade a menina conseguiuelevar-se, a personagem atinge um nível espiritual tão grande que não havia mais sentido continuar na terra, por isso ela morre, ou melhor, vai viver, definitivamente, no lugar que lhe pertence – o céu.

REFERÊNCIAS:

ALVAREZ, Roxana Guadalupe Herrera. Edgar Allan Poe, Machado de Assis e Julio Cortázar: três visões do conto em conjunção. Disponível em: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/critica/0501/050118.pdf>. Acesso em: 13 de janeiro 2012.

CORTAZAR, Júlio. Valise de Cronópio. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 121-134, 147-164, 175-176, 227-238.

OLIVEIRA, Silvana. Entre margens - uma literatura para o conto “a terceira margem do rio de João Guimarães Rosa. In: Revista de Historia Regional. Inverno de 2009, p. 82-101.

ROSA, João Guimarães. A menina de lá. In: Primeiras estórias. Ed. Nova Fronteira, 2001, p.67-72.

Tamires Monteiro
Enviado por Tamires Monteiro em 01/03/2012
Código do texto: T3528821
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