Fim de Temporada

As cortinas se fecharam uma ultima vez, o ultimo ato em cena foi realizado sob os olhos atentos e expectativa da platéia que vibrou ou vaiou, acabou a estação e agora só ano que vem.

Desmontemos o cenário, os exércitos e o tabuleiro podem ser retirados, dobrados e guardados, coloquem em caixas grandes e confortáveis, pilhadas uma sobre as outras em um quarto meio escuro. Os turnos continuam mas este jogo acabou. Agora só ano que vem.

É bom suspender o palco, chega de profundidade, o sentido dela (se é que teve algum) acabou. O ideal neste tempo entre temporadas é que esteja tudo muito raso, muito simples, muito claro. Preto é preto, branco é branco e cada cor é cada cor. Profundidade agora só ano que vem.

Vamos dispensar o diretor, não precisamos mais dele, alias talvez nunca precisamos, a peça pareceu andar pelas próprias pernas a cada cena épica que era mostrada a platéia lotada de uma cadeira, a direção falhou um pouco. Agora só ano que vem.

Deixemos o autor guardado também, apesar dos exageros em seus trejeitos não podemos repetir tudo sem ele, vai ter um pouco de trabalho em readaptar a obra para a próxima temporada, uma coisa mais prática de fato. Mostraremos só ano eu vem.

Mandemos embora a figuração, os efeitos especiais, o protagonista, a protagonista, manteremos apenas a musica, que toque baixo a nível de som ambiente, durante toda a cena tive impressão que ela tem sido muito importante e quase foi maior que a leitura da peça, não é bom deixar esfriar as caixas. Aumentemos o volume novamente, só ano que vem.

Tranque todas as portas, exceto uma, a da saída dos fundos, para que haja uma entrada e saída de ar deixarei a janelinha aberta também, não quero cheiro de mofo quando voltarmos. Abriremos a porta principal só ano que vem.

Mantenha aberto e funcionando o bar, a casa precisa de certo movimento e acho que um pouco de bebida inspirou o pessoal, deixem que voltem aqui de vez em quando para se abastecerem de novas idéias. O bar ficará aberto até ano que vem.

Não tirem as cortinas do palco, que fiquem lá fechadas e paradas durante todo o tempo, ainda que pegando poeira e brisa que vem de fora, deixe-as escondendo o que está atrás, quem sabe revelaremos ano que vem.

Só tenho duvida quanto a este eco dos corredores, lembranças das ultimas cenas que foram, sem duvida, memoráveis. Não sei o que fazer com ele. Melhor deixá-lo sair pela janela antes de fechar tudo, melhor que a casa esteja vazia, a platéia achou carregada demais. Faremos novos ecos ano que vem.