A chuva de pedras
Itamaury Teles (*)
Uma estranha chuva de pedras aconteceu em Montes Claros, em junho de 1972, quando eu era repórter policial de O Jornal de Montes Claros. Mas não se tratava da corriqueira chuva de granizo...
Cumpria plantão na delegacia de polícia, que funcionava na rua Dr. Veloso, quando vi chegar um casal assustado, com sotaque carregado, pedindo ajuda à polícia. Eram portugueses, da cidade de Pombal, mas residiam em Montes Claros desde 1957, quando para cá vieram assumir a zeladoria da fábrica de tecidos. O barraco em que moravam, nos fundos da fábrica, na estrada do Colégio Agrícola da UFMG, vinha sendo atingido por pedras.
José de Oliveira, mais conhecido por “Zé Português”, então com 63 anos, e sua mulher, Maria Soares da Silva, 54 anos naquela época, eram católicos e sempre faziam suas orações. Mas, mesmo assim, segundo eles, “espíritos ruins” não os vinham deixando em paz.
Tudo começou no lusco-fusco, quando “seu” Zé tirava uma soneca. Acordou assustado com as galinhas em alvoroço. Levantou-se, apanhou a lanterna e foi ver o que se passava. Ao sair para o quintal, recebeu uma certeira pedrada. Não se intimidou. Continuou resoluto em direção ao galinheiro. Mas não conseguiu andar muito, pois as pedras caíam cada vez em maior quantidade, e ele já estava todo machucado. Desistiu e voltou para a cama, quase sem forças, carregado pela mulher. No dia seguinte, voltou ao galinheiro e notou a falta de muitas galinhas. Sua reação foi registrar a ocorrência na delegacia de polícia, pensando ter sido vítima de ladrões de galinha.
No mesmo dia, quase todos os membros do departamento de investigações (Sargento Anfilófio, cabo Vanderley, “Mirabela”, Zé Augusto e Nélson Pinto) seguiram para o local apontado. Muito bem armados, vistoriaram as cercanias, sem encontrar qualquer vestígio de autoria, embora as pedras continuassem a cair, sempre no período de 18h00 às 18h30.
Uma das pedras passou através da janela e atingiu um armário, quebrando tudo. Outra, vindo do teto, ofendeu o pé da dona Maria. Nessa noite ela passou mal e até chamou o marido para sair dali, antes que algo ruim pudesse lhes acontecer. Mas o Sr. José se recusou a atender à mulher, embora também estivesse assustado com tudo: - A gente fica meio encabulado com a coisa. Um dia notei que as pedras estavam sendo jogadas por alguém escondido detrás de uma moita. Quando meti o facho da lanterna na moita, recebi uma pedrada nas costas. Fiquei quase doido e o jeito foi ir dormir... – lembrou o português.
As possibilidades de as pedras serem arremessadas por alguém escondido eram remotas. A casa dos portugueses localizava-se em um lugar limpo. Existia apenas um pequeno pomar nas proximidades, mas este foi ocupado pelos policiais em campana.
O agente “Mirabela” explicou que foi lá só para desmascarar o velho português. Mas voltou encabulado. Ficou escondido e viu tudo. As pedras caíam sem que se pudesse precisar de onde vinham.
Quando os policiais retornaram à delegacia, ali encontraram o Castelo, conhecido dono de terreiro de macumba na cidade. Ao saber do que ocorria, Castelo não se abalou muito com o caso. Disse já ter feito parar muitas “chuvas de pedra” na cidade. Sabia das mandingas. E, com empáfia, sentenciou: - Já fiz até bicicleta que andava sozinha parar, quanto mais uma simples chuvinha de pedras...
Alguns dias depois, o jornal ‘Estado de Minas’, em matéria assinada pelo venerado repórter Fialho Pacheco, repercutiu a matéria em nível nacional.
Depois disso, nunca mais se falou em chuva de pedras. Nem mesmo do “seu” Zé Português. Certamente, atendeu aos apelos da dona Maria e tenham retornado para a sua Pombal, onde criar galinhas deve ser mais tranquilo.
Mas, passados 40 anos, o mistério continua...
(*) Escritor e jornalista
e-mail: itamaury@hotmail.com