Alem do alcance

Às vezes tenho a necessidade de ser um protetor de quem amo, sei que é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe, mas os riscos de se cair no rio, se machucar, fazem parecer tentador simplesmente entregar dúzias e dúzias deles. Não posso ser condenado por isso.

Quantas vezes não pensei em levantar um escudo o mais alto que podia para proteger. Querer ir na frente para saber as surpresas que esperam e poder adiantar tudo, sofrer antes todas as armadilhas e ensinar como evitar, sangrar primeiro para não ter que ver sangrar depois.

Acho que, alem de querer proteger, acabo denunciando um sentimento de controle, querer controlar e decidir por qual caminho deve seguir, um tanto ditador. Pessoas como eu lutam para não pronunciar a frase “eu sei o que é melhor pra você”. Difícil conter este impulso, mesmo sob a forma de extremo carinho.

Estas minhas cicatrizes não vão ensinar o quanto doeram, não vão evitar que as suas surjam, meu sangue não vai correr para evitar que o seu corra, o maximo que posso conseguir é compartilhar da mesma dor, o que não fará doer menos em você.

É um tanto injusto ser um protetor tão falho, meu escudo se quebra no menor dos golpes e, exposto, não posso fazer nada. É um tanto injusto ter que ver partir sozinha em um caminho que não conhecemos. Perder o controle e o conhecimento, estar vazio de seguranças.

Minha visão não é melhor que a sua, eu não vejo alem das nuvens abaixo do abismo, não sei dizer se é seguro pular ou não. Talvez eu devesse ir antes, mas se for muito profundo, tu não me ouviria gritar lá embaixo, no fim, o salto seria por sua conta de qualquer forma.

Percebo que minha cede de não deixar que nada de mau passe, que nenhum vento quente em dia de calor ou brisa gelada nos dias de inverno, que atravessasse o escudo apenas o que é bom e agradável, minha vontade de segurar todas as barras, sustentar todas as colunas, me fizeram mais fraco do que você.

Destruí o meu altar e refiz as minhas idéias, não está mais fraca, provavelmente nunca tenha sido, hoje eu deixo os deuses no céu e não vejo mais anjos ou santos, hoje não há mais culto a se fazer, me permito olhar de mortal para mortal.

Mas não vou me desfazer do sentimento, não vou deixar de querer proteger, é minha forma de carinho e espero que entenda. Meu julgamento não é justo, é pautado nas minhas impressões unilaterais. Julgo e sentencio sem ouvir a outra parte, mas meu orgulho não é tanto que não me permita rever-la.

As estradas continuam a nossa frente e a neblina vai se dissipando conforme caminhamos, a bifurcação já apareceu e tivemos de tomar caminhos diferentes, meus braços e olhos, meu escudo não te alcançam mais. Só posso pedir aos céus que te protejam por mim. Mas quando o caminho tornar-se um só novamente, eu indicarei o caminho. Quando souber.