SEM CABRESTO, NEM SENZALA. O TEMPO.
O tempo não precisa do tempo pra existir, nem pra sorrir. Nem tampouco pra envelhecer, ou por certo, pra morrer. O tempo dispensa a raiz e ignora os frutos. Ele tem controle sobre os ventos, os unguentos e até os lamentos. Suas asas são mandatárias, poderosas, ditadoras de fato. Fazem somente o que o seu instinto diz. Não dá ouvidos pra nada, ou ninguém. O tempo é fiel servidor da alma. Consegue escalar as vértebras do desejo com a destreza de um ladrão alucinado. Quem ousar querer traduzir suas leis não terá sucesso algum. Quando dorme, porque de fato dorme, suas escamas transforma-se em infinitas bruxas, sedentas por cravar suas presas na jugular de quem cruzar o caminho. O tempo é oco, inodoro, sem cara ou coração. Quando decide por desancorar as fugazes sombras que enferrujam a fé, ele vira bicho-homem. Uma criatura vil, sem cabresto ou senzala, que escorre pelos bueiros da vida feito fado enrascado, feito arremate mal serzido, feito seja lá o que isso for. Quem quiser descascar as frontes funestas dio tempo, terá a sensação de que Deus ainda terá muito o que viver, se é que já viveu algum dia. Nas nevascas desafinadas do tempo, enfeitei todas minhas faces, mesmo aquelas que ainda terei que esculpir para safar dos becos que encurralarão minha vida. Espero que o tempo, sobretudo, tenha afiado suas pétalas para jogar a bóia quando esgotarem meus gritos de socorro.
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