O homem normal
O desejo se equipara ao poder de desejar. Os porcos não podem desejar o voo e não o desejam, por certo; preferem os currais onde se lambusam e se fartam. Ainda, que desejassem com toda força de seus corações, de nada adiantaria. O chiqueiro e a lavagem é tudo que podem desejar.
O homem normal difere do gênio. Assim como os porcos dos idiotas. O gênio voa, cria, transforma; seu desejos se expandem de dentro para fora, se derrama em todas as formas de vida que o cercam. Ao passo, que o homem normal se arrasta, copia, se acomoda. Imita a sociedade onde vive; assemelha-se a uma espécie de ave nativa, sem, entretanto, possuir a originalidade do pássaro. Seus desejos se concentram sobre si mesmo, quando muito, se estendem aos laços de sangue. Seus desejos se esbarram no instinto, para sucumbir na razão. Deste ponto em diante não pode mais desejar; se aniquilam, se anulam, semelhante aos porcos que morem, sem nunca ter deixado o cercado onde viveram.
Se pudéssemos descrevê-lo em uma só palavra, faltaria nos o adjetivo apropriado. Para dissecá-lo, é lícito combinar vocábulos, utilizar as vírgulas, o ponto e virgula, as reticência..., os dois pontos: bajulador, politicamente gentil; trabalhador, a medida de suas necessidades; honesto, até certo ponto; dócil, quando lhe interessa; incapaz de se apaixonar, sem ideais, não se rebela nunca contra o meio que o oprime, se adapta. Sua vida se reduz aos finais de semanas e àquilo que consome, seus sonhos são lugares comuns; seus gestos, tímidos. Em duas palavras: animal doméstico. Em uma, escolhemos a que melhor se ajusta ao seu caráter comum: MEDÍOCRE.