Rotina

Não se constrói uma vida empilhando os dias e amontoando os anos. Como não se alcança a harmonia da melodia, utilizando as mesmas notas musicais; quando muito se produz uma espécie de som primata: um “batidão” ou um gemido, tão em voga na atualidade. Uma boa refeição não pode ser adquirida ou preparada, sem a perfeita combinação dos alimentos; nem se confecciona uma colcha de retalhos, costurando qualquer tipo de remendo. A artesã habilidosa recolhe entre as sobras de pano os mais apropriados, para depois junta-los numa única peça, dando lhe forma e beleza.

O mesmo ocorre com os valores morais que se cultivam ao longo da vida; descartar alguns, sacrificar outros é inevitável; a de sofrer variações, conforme as épocas em que se formam, mas nunca se desviam de sua trajetória em busca da perfeição. Os valores são necessariamente plásticos, flexíveis; transformam-se incessantemente na sociedade, em tempo nenhum se corrompem. A rotina diária corrói a alma humana, como a ferrugem, o ferro em permanente contato com o oxigênio. Todo fruto apodrece quando não aproveitado no tempo certo, uma vida mal empregada vicia o espirito em vias de formação. A chuva que cai sempre no mesmo lugar, por longos períodos, não fomenta, devasta; não fecunda, mata. O homem, em nenhuma circunstancia, deve abusar de suas preocupações com o conjunto a que pertence; a de cuidar da parte que lhe toca por direito e dever. A matéria, as sociedades, as nações seguem seu curso natural: nascem, crescem, progridem, entram em declínio para morrerem e renascerem sempre melhores a cada retorno. Já, a alma merece um quinhão de esforço próprio para progredir.

A menos que sejam, preguiçosos, covardes e medrosos; o homem, em qualquer lugar que o achamos, independentemente da posição social em que está; garante seu alimento, constrói abrigos, diverte-se, – bem mais do que devia – defende seu território, formam grupos, – às vezes, bando – cria a prole. Observa se, no entanto, que os animais irracionais fazem o mesmo de maneira bem mais civilizada. O simples ato de pensar não garante felicidade; a inteligência não assevera uma vida melhor; a razão, tão cortejada desde a antiguidade, não tem produzido os efeitos de que dela se almeja. É preciso pensar melhor, vive-los e realizar; a de se ter sempre um ideal, pequeno ou grande, para que a vida experimente novos sabores. Ainda que, o gosto não seja apropriado ao paladar do principiante, não se recomenda aprecia-lo com a cautela alimentar dos mais velhos; nem devora-lo com o apetite voraz da juventude em crescimento; aconselha-se, digeri-lo com o equilíbrio dos comensais experientes. O lavrador, que tomba a terra com lagrimas nos olhos, não lamenta pelo sangue que lhe escorre das mãos; não chora pela espiga que nunca há de provar, pranteia pela oportunidade do trabalho que engrandece. O escritor que sacrifica suas horas de repouso e de prazer em busca da perfeição da frase que ergue e levanta, não reclama re-conhecimento; compõe para as gerações que ainda não nasceram. O pai de família que não vende a sua dignidade em troca das facilidades oferecidas, pela simples razão de instruir o rebento a luz da honra e do dever, cria homens de valores e deles não espera gratidão. As maiorias, entretanto, não sabe a que veio, onde está, para onde segue. È como um barco em aguas tranquilas sem leme ou remos, vai para onde sopra o vento e se não sopra não vai. Vive do imediatismo; desfrutando sem contribuir, recebendo sem dar. Vive para consumir e só consome aquilo que não lhe serve. Não sonha, não realiza, não espera, não colhe. Quem desperdiça seu tempo nas inutilidades do mundo não conquista recompensas duradouras. Não merece viver.

“Nem só de pão vivera o homem”. Mateus 4:4

O mundo moderno tem produzido alegrias, que se esgotam muito antes do prazo de garantia. A tecnologia do entretenimento distrai o homem e afasta-o do que é essencial. É uma espécie de Roma rediviva: “Pane et circenses”. “Pão e circo” e cada vez mais circo e menos pão. Há circo, o bastante, para divertir as massas famintas de pão e moral; há gente de sobra, para fazer rir os palhaços insatisfeitos e ávidos de lucro certo. Na alma vai um vazio, que não pode ser preenchido sem a força de um ideal.

Afim, de nutrir o vácuo interior ao qual se precipita, sucessivas tentativas inúteis e infelizes de consumo acabam por perpetuar o ciclo, financiando a miséria humana em longo prazo, promovendo a fome moral dos povos, envilecendo a juventude em ascensão. Semelhante às células cancerígenas, que se multiplicam de maneira incontrolável, sobrepondo ao órgão sadio um tecido sem funções próprias e regulares, que mata ou deixa morrer o organismo, é o amadurecimento precoce e desordenado da juventude, que arranca lhe a força para os sublimes ideais da vida.

Isaias A Pereira
Enviado por Isaias A Pereira em 17/01/2012
Reeditado em 26/01/2012
Código do texto: T3446374
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