ENSAIO SOBRE A (MINHA) LUCIDEZ
Vinte e três anos atrás, e eu certamente surgia como uma grande promessa, esperada alegria, alcançada bênção. Vinte e três anos após, em frente ao espelho, eu me pergunto: cumpri a promessa que fiz ao chegar neste mundo? dei a alegria que ameaçei aos que me rodearam, fui bênção para aqueles que em mim confiaram? Parece uma reflexão-clichê de final de ano. Mas não é. Não é porque eu jamais tinha pensando nisso antes. Não que eu não tenha auto-crítica. Mas é que, curiosamente, os dias vêm lançado uma luz inesperada sobre a minha compreensão do mundo, e sem que eu, ridiculamente, quisesse me assentar à mesa juntamente com os hipócritas que eternamente serão pessoas melhores no ano que vem, que nunca vem, me pus a pensar no por quê de eu ser do jeito que eu sou. O que me tornou o que eu sou, por que eu penso o que penso, falo o que falo, ajo como eu ajo. Descarto aqui, claro, questões sócio-culturais. Falo do cerne da minha alma, da Tayse que pulsa dentro de mim, e se mostra ao mundo todos os dias.
Quantas vezes sou fria, quando deveria explodir. Tantas outras sou frágil, mesmo devendo resistir. Dói, paradoxalmente, quando fecho os olhos para o que grita a minha atenção, e abro os braços a tanta poeira diminuta que já não deveria existir em meu coração.
É, um dia eu fui tábula rasa, eu sinto, eu sei disso. Mas hoje, tenho muito mais rabiscos do que desejava ter. Eu já fui uma pele perfeita. Mas hoje, há tantas feridas quanto consigo ver. Eu já fui uma luz de esperança, um fogo atrevido. Mas hoje, nessa meia penumbra, somente as cinzas levitam sob o silêncio do que há olhos adentro.
Não sou vítima, nem pior, nem melhor. Não. Sou fruto de tudo que vi, senti, vivi desde a tarde de 13 de Junho de 1988. É. Dessa forma senso comum mesmo, da qual não pude fugir.