Aspectos estilísticos no "Poema do nadador" - Jorge de Lima

Poema do nadador

A água é falsa, a água é boa.
Nada, nadador!
A água é mansa, a água é doida,
aqui é fria, ali é morna,
a água e fêmea.

Nada, nadador!
A água sobe, a água desce,
a água é mansa, a água é doida.
Nada, nadador!

A água te lambe, a água te abraça
a água te leva, a água te mata.
Nada, nadador!
Senão, que restará de ti, nadador?
Nada, nadador.
                                

 
     Esse poema é marcado pela ambiguidade que gira em torno do sintagma nominal "água", termo central da reflexão.Na primeira estrofe e no terceiro verso da segunda estrofe, esse sintagma é determinado por vários predicativos: "falsa", "boa", "mansa", "doida", "fria", "morna", "fêmea" .A predicação nominal é marcante na primeira estrofe, enquanto na segunda, predomina a predicação verbal.
O poeta estabelece uma oposição entre nadador e água, mantida até o final do texto. Para isso, utiliza-se de uma associação metafórica de água com mulher e vida. A água está sempre em situação ambígua: "falsa" x "boa", "doida" x "mansa", "fria" x "morna", "desce" x "sobe", "lambe" x "abraça", "mata" x "leva". O nadador, ao contrário, apresenta uma única possibilidade, ou seja, nadar em direção ao nada. Essa ideia é enfatizada pelo emprego da homonímia "nada" (verbo) , indicando a ação do sujeito que se lança ao destino, e "nada" (pronome indefinido), indicando a nulidade desse destino.
Para o poeta, a água é instável como a mulher, que apresenta atitudes grandiosas (sobe) e mesquinhas (desce), seduz e domina (lambe), afaga e protege (abraça), guia (leva) e destrói (mata). A mulher tanto pode ser boa como má (falsa ), tranquila (mansa), agitada (doida), parada, estática (fria), dinâmica (morna). Essa instabilidade é reforçada pelo emprego antitético dos verbos e adjetivos .
Entretanto, a ambiguidade proposta no início do texto, é anulada, porque para o poeta, a vida e a mulher são semelhantes, ou seja, instáveis, cheias de perfeições e imperfeições, bons e maus momentos e que, apesar disso, cabe ao homem (nadador) lutar contra essa instabilidade e as vicissitudes da vida (Nada, nadador!), mesmo sabendo que tudo isso será inútil. Afinal, nadar representa a fragilidade,  o destino de todos nós.
Nos dois últimos versos, o poeta lembra ao homem (nadador) que a luta pela sobrevivência dá sentido à vida, sem isso, viver seria um vazio imenso: "Senão, que restará de ti, nadador? / Nada, nadador!"
O poema não apresenta métrica rígida e os versos são todos brancos. A ausência de conectivos (assíndeto) realça a ideia de que cada momento de nossas vidas é único, diferente do outro. Portanto, devemos nadar intensamente, ou seja, aproveitar todas as oportunidades que a vida nos oferece.

Bibliografia:

MONTEIRO, José Lemos. A Estilística. São Paulo: Ática, 1991.
MARTINS, Nilce Sant'Anna. Introdução à Estilística. 2 ed. São Paulo: T.A. Queiroz, 1997.
Lídia Bantim
Enviado por Lídia Bantim em 14/12/2011
Reeditado em 03/07/2017
Código do texto: T3387911
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.