Ato criador
Para o poeta Mallarmè, tudo que existe é para culminar num livro. Esse pensamento me fez refletir sobre a vida cotidiana, o ser humano. Sabe aquela imensa gratidão a Deus pelas bênçãos concedidas? São para se tornarem livros. Sabe aquele desejo de se casar e ser feliz para sempre? Aquela vontade sórdida de se vingar do chefe? Tudo pode se tornar livro.
Já parou para pensar que o sol escaldante ou o dia chuvoso fornecem matéria-prima para as mais belas poesias? As trapaças políticas, percalços no trânsito, as mazelas sociais, o ciúme, o medo, a coragem ou falta dela. Ter filhos, não tê-los, o aquecimento global, a sustentabilidade. Tudo, mas tudo mesmo pode culminar num livro. Parafraseando o poeta francês, não se trata de poder culminar num livro. Ele é ousado e faz desse pensamento uma importante sentença: é para culminar num livro.
Já para o filósofo Aristóteles, o papel do poeta não é dizer o que existe, mas o que poderia existir. Então o indivíduo não precisa fazer um depoimento, uma autobiografia. Precisa mesmo é de muita coragem, pois nada do que será escrito será de cunho testemunhal, é apenas alegórico.
A literatura é o entrelugar entre a linguagem e o real, garante Compagnon. A linguagem e seu domínio sobre ela.
Tudo que existe é inspiração para o livro. E quanto ao autor, ele pode mostrar sua face se quiser, mas pode ficar escondido, construindo belas paredes de letras no entrelugar.
O ato de criar é lançar mão da coragem de materializar através da linguagem escrita seus pensamentos. É fazer com as palavras importante parceria. Saber que o viver já é um grande ápice.
Será se o indivíduo autor, no ato de criar, existe ou apenas acredita que existe? Será se tudo que existe pode se tornar livro ou todo livro do mundo faz existir os seres que nele habita?