O RISCO DO EXCESSO DE LEIS, BREVE COMENTÁRIO
Quanto mais a sociedade clama por liberdade, mais ela mesma comemora o excesso de leis. Nesse sentido, ao pedir que mais leis sejam aprovadas, numa clara cegueira de que somente através delas é que será livre, a sociedade, enquanto corpo coletivo, não vê que mais leis pressupõem mais controle e mais repressão. Ou seja, lutar para que se regule a vida social amparada somente em leis, o espaço, antes garantido à cortesia, a gentileza, se perde por artifícios codificados. Por exemplo: seria realmente necessária a existência de uma lei garantindo prerrogativa de assento ao idoso, à gestante, ao deficiente no metrô. Ora, não seria mais sensato e saudável que tais prerrogativas fossem instituídas pela simples razão de se educar nossos filhos com base no princípio do respeito ao próximo? E mais, não será o instituto da lei que garantirá a harmonia, até porque, a tentativa de burlá-la já está meio que arraigada na cultura do “levar vantagem em tudo”. Nesse aspecto, mais do que vislunbrar uma sociedade temerosamente controlada, também nos apresenta a possibilidade, sempre, de que não há lei que não possa ser burlada. Daí surge outros questionamentos, quais sejam: a extorsão e o suborno. A extorsão como meio de se fazer vistas grossas a fato delituoso. O suborno, uma espécie de extorsão ao contrário, isto, se na extorsão o pedido parte do agente que detém o conhecimento de algum fato, o suborno parte do agente que praticou o ato delituoso e oferece algo para que o agente do estado não tome providências. Ou seja, o excesso de leis abre caminhos que não seriam abertos se todos tivessem conhecimento que são detentores de direitos e deveres, mas, no instante que se propagam exemplos de autoridades, e ou pessoas ligadas a elas das mais diversas maneiras, que não são enquadradas, ao contrário da maioria, isso faz com que se estabeleça o sentimento de impunidade. O povo, o cidadão comum, passa a ver a lei com algo somente válido contra ele. Noutras palavras, e reafirmando o que dissemos, não é o excesso de leis que faz um país mais seguro, nem tampouco, mais justo, o que o faz é a aplicação da lei a todos indistintamente. E ainda, junte-se o excesso de leis mais a cultura do jeitinho, com a sobreposição de leis. Ora, nosso sistema jurídico está cheio de leis que se sobrepõe ou até se contradizem: Por exemplo: é um direito constitucional de qualquer pessoa não produzir prova contra si mesma. No caso de pessoas se negarem ao teste de bafômetro numa blitz, sob o ponto do direito, está certo. Pois, como existe a garantia constitucional de não ser obrigado a produzir prova contra si, o cidadão está resguardado. Mas, por outro lado, ao se negar ao teste, a autoridade policial deverá conduzir o motorista ao distrito e lá intimá-lo ao teste sob pena de crime por desacato, na recusa. Pergunto: não é contraditório, o sujeito tem certa garantia, mas ao mesmo tempo, pode ser indiciado por desacato por estar lançando mão de uma prerrogativa constitucional? Mas ai tem o pulo do gato, ou seja, quando o estado que mostrar suas garras, ele lança a celebre frase, também elencada em qualquer manual de direito, que é “o em defesa do interesse público”. Caramba! Essa frase suplanta qualquer outra. Ela tem apoio automático da sociedade. Ela é pura poesia ao povo. Meu, quem irá contra ela. Só pode ser maluco. “Em defesa do interesse público” é tão abstrato quanto querer responder “Penso porque existo, ou Existo porque penso”, mas funciona. Funciona tão bem que foi em defesa do interesse público que vimos à construção de campos de concentração, a invasão do Iraque pelos EUA, o confisco da poupança no governo Collor, o imposto compulsório, no governo Sarney, etc, etc. Ora, este ensaio não tem nenhuma intenção de fazer nenhuma apologia ao descumprimento das leis, nem, tampouco, dizer que devemos viver num estado de completa anomalia. Este ensaio tem a única tentativa de chamar a atenção para o perigo que é a exarcebação do número de leis. Isso, aos olhos desse que vos escreve, é tão arriscado porque pode levar, sob em defesa do interesse público, o povo a aplaudir a codificação da vida social, sem perceber, com isso, que poderá estar aplaudindo a criação de um Estado altamente policialesco e autoritário. Pense nisso.