A NÁUSEA CONTRA A ESPERANÇA

Hoje é o meu dia mundial da náusea e pouco me interessa que só eu o celebre. Ele há-de fazer efeito!

No fundo, o que vivemos não é um desencanto consciente, mas um encanto inconsciente. Permanecemos na superficialidade do real, ir mais longe tornou-se impossível. Talvez já nem saibamos reconhecer as aparências, elas são demasiado usuais e inebriantes. Tudo se joga vertiginosamente, e é mais cómodo – ou inevitável - ficar pelas regras que tornamos inexoráveis para fundar a esperança. Mas esta é apenas mais uma regra de um jogo que tornou improvável a consciência do desencanto. Nunca como hoje a esperança se tornou tão fútil e inútil, por um lado, e eficaz e produtiva numa estrutura de alienação. A linguagem, os conceitos, os modelos de exibição, os valores sem contrates, as forças activas que actuam desde o centro às margens deste dispositivo de poder, criam mecanismos de ilusão, sistemas de imagens invertidas, discursos de domínio que visam moldar a máquina dos corpos, dos desejos, das construções sociais. A esperança não existe - talvez nunca tenha existido -, por isso o discurso político lhe dá demasiada ênfase, nenhum conteúdo concreto lhe pode ser exigido. A questão é “o que fazer?” Parece que toda a denúncia está inscrita nos dispositivos de poder para impedir o seu impacto. Há mesmo apelos à indignação, à denúncia, que não são mais que formas de atenuação das rupturas. O que fazer? A náusea reúne em si duas vertentes: repulsão e ânsia. Poderá estar aqui alguma força não explícita de rompimento num cenário de crise ontológica contemporânea? Uma espécie de niilismo inicial militante e eufórico contra toda a vacuidade da esperança?