A CONTRA FALA

A contra fala

Estão sediados no hipotálamo os instintos mais antigos da nossa espécie. O desejo sexual, e a violência ou agressividade. O primeiro se preocupa com a reprodução, e o segundo com a preservação da espécie. Não precisamos ir longe para percebermos em nosso comportamento diário, mesmo sendo moldado pela cultura, as marcas do selvagem. Assim, começou nossa história no mundo; uma história embalada pelo prazer e pelo ódio, ou agressão, ou desprazer.

Nossas primeiras leituras de mundo estão no conjunto das provocadas pela ação destes instintos. Eles podem ter representações diferentes, pois, o prazer pode ganhar uma conotação diferente da do prazer sexual. O ato de agredir pode ser prazeroso para o animal agressor, ou até mesmo para o agredido. Nossa civilização tenta domar estas duas grandes vias de expressão de nossa espécie animal. Domar, que é um termo usado referente a animais é usado neste ensaio para mostrar que existem as instituições especializadas em Educar o homem para ser homem.

No entanto ao observarmos o comportamento do homem percebemos que este é um ser tornando-se homem constantemente. Assim como fisiologicamente a cada sete anos trocamos os tecidos de nossos órgãos, e nos tornamos um animal em um novo corpo, da mesma forma o homem se torna homem a cada dia. Ele sempre estará em conflito consigo, com sua besta interior.

As crianças desde cedo expressam um comportamento que comprova esta hipótese. O conteúdo simbólico das expressões lúdicas infantis nos remete a sexualidade e a agressividade. Elas brincam com temas sugerindo a cópula ou o coito, e em outros momentos, os meninos e meninas travam verdadeiras batalhas, e medem forças, e simulam uma luta. Isso se ver todos os dias, em todas as culturas humanas. As crianças estão imitando os adultos.

Pela via da imitação suas personalidades vão ganhando forma. Os condicionamentos vão se fixando no sedimento de seus psiquismos. A aprendizagem se dar por várias formas nessa época. A criança aprende por mera imitação, aprende por moldagem, aprende por condicionamentos, e aprende pela manipulação de instrumentos, dentre eles, a manipulação da língua mãe. O termo manipular referindo – se a língua está no ensaio para mostrar que a criança faz experiências com ela. O ato de experimentar novas possibilidades no mesmo sistema lingüístico é metalinguagem. A língua na língua, ou a linguagem explicando a linguagem. Sem esta competência o homem não poderia ser humano na acepção do termo.

O primeiro impulso para o outro é o sexual. O que nos aproximou do outro foi o prazer de estar com o outro, e o prazer sexual que o estar com o outro nos oferece. As conseqüências disso nem sempre foram boas. Pois, as relações entre os homens desde as antigas eras tiveram marcas de ódio e dor. O homem ao sentir-se ferido pelo outro, ou apenas, pelo prazer de feri-lo derramava seu sangue. Isso ainda hoje é válido. Quantos milhares de pessoas lotam cinemas para verem sexo e sangue na tela hollywoodiana? O prazer pelo prazer e o prazer pelo desprazer. O homem deixa pistas de sua besta interior.

Se, pois, os instintos imperaram por muito tempo sobre nossa espécie, então, a necessidade de falar ou de comunicar-se se tornou num instinto. A criança, em tenra idade, antes dos dois anos, balbucia vogais e sons com maior atrito no órgão fonador, as consoantes. A criança começa seu diálogo com o mundo. Seu pequeno mundo – o mundo de seus sonhos. Ela não consegue fazer associações complexas, contudo, a proporção que suas funções mentais cognitivas vão maturando, elas vão se consolidando enquanto homem/humano.

A necessidade do dialogo advém dos instintos primários do homem, dentre eles o sexo e a agressão. Foi por meio do dialogo que o homem instituiu o Estado e seus códigos reguladores da sociedade. Pouco a pouco a barbárie foi ganhando outras formas. A violência, como a sexualidade, não saiu de nosso meio. As duas se plasmam em outras formas, em outras manifestações. A língua que outrora servira para agilizar a caça, se tornou em um instrumento de caçar os homens. A ideologia possível nas combinações sintagmáticas consegue mentir, ou esconder a violência dos homens em palavras belas. O dialogo que veio pela necessidade de vida como espécie, ganhou outro sentido – a agressão do outro sobre outro.

Não podemos desconsiderar a grande carga de prazer nas relações positivas entre os homens. O dialogo não gira apenas em torno de um eixo. Assim como a língua possui muitas variáveis de expressão, o pensamento humano também o tem, portanto, existem vários modelos de homens, ou várias possibilidades de diálogos entre os homens.

O homem violenta seu outro quando cala sua voz. Nem todos os homens no mundo dialógico têm o direito de falar. Pois, os homens mais fortes silenciam suas vozes pela força, impondo medo, criando fantasmas, ou os excluindo de alguma forma. O homem continua sendo a mesma besta do passado. A contra fala se faz premente toda vez que os homens são condenados ao silêncio. A contra fala, embora subversiva, é um caminho que aponta para a construção de um novo homem. Está no dialogo o construir e o desconstruir as realidades criadas pelos homens.

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 12/10/2011
Reeditado em 12/05/2012
Código do texto: T3271912
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