Dom Escritor
Dom Escritor
Talvez similar a Dom Quixote. Um sonhador que tem a necessidade de dividir suas idéias com os que o cercam. Alguns possuem idéias fabulosas e sentem enorme dificuldade em colocá-las no papel. Talvez um pouco de preguiça, impaciência, falta de hábito. Eu por exemplo, tenho o hábito de “favelizar” (é o que diz a esposa) a casa pregando bilhetinhos nos equipamentos com 3 ou 4 linhas mais ou menos assim: “sábado dia 08 ligar para técnico que troca refil do filtro. Trocar a mangueira também”. Todo objeto (enfeite, principalmente) que compramos eu coloco uma etiqueta com data de aquisição em local ultra discreto para visitantes amigos não me chamarem de “paranóico”. Quando ela diz que a cafeteira está “velha” e precisamos de outra, mostro a data e alego que a “jovem” ainda não completou seu segundo aniversário em nossa casa. Com isto preservo o aparelho (e o orçamento) por mais alguns meses.
Quando meu sobrinho tinha 5 ou 7 anos e começava a ser alfabetizado, notei que em seu caderno da escola vinha uma anotação da Professora do tipo: - construir três frases distintas com as palavras “banana”, bolsa” e “camisa”. E o guri terminava sua tarefa em 90 segundos escrevendo:
- a banana está gostosa.
- a bolsa é bonita.
- a camisa é azul.
Para aumentar seu vocabulário e obrigá-lo a gastar neurônios por 15 minutos, eu acrescentava no pedido sob forma de desafio remunerado (perto de U$ 0,50):
Mínimo de 8 palavras sendo proibido usar os verbos “ser” e “estar”.
No primeiro dia ele demorou 8 minutos (deixei-o folhear um jornal para ajudar) para editar a primeira frase: “- compramos bananas baratas na feira de domingo perto de casa”.
Depois de um mês de treino ele não gastava mais de 3 minutos para confeccionar 5 a 10 frases.
Aproveitei o embalo para aguçar sua atenção e criatividade com duas atitudes básicas e econômicas.
1 - A partir de uma notícia de jornal descrevendo algo útil, pedia que ele desenhasse uma imagem que tivesse relação com a nota e a ilustrasse com clareza. Depois de 10 desenhos produzidos, até ponteiros de relógios no pulso de algum personagem ele acrescentava.
2 - A partir de uma foto de revista (não pornográfica) pedia para ele escrever um texto entre 15 e 20 linhas que detalhasse a imagem. A descrição alongava-se acima de 30 linhas, trazendo dados de “antes” do instante registrado na película.
Depois de 6 meses de atividades, parei com os desafios pois ele estava me “sangrando” em quase U$ 50,00 por mês.
Ele não se tornou desenhista nem escritor de contos. Mas agora analisa bastante as opções antes de tomar alguma decisão num instante de escolha.
Infelizmente está votando nulo pois já percebeu que não temos opções úteis. Também sabe que a ruptura com o atual cenário que nos sufoca tem dois caminhos:
1- Educando, disciplinando, praticando, participando, exigindo, não esmorecendo. Dentro deste contexto civilizado, isto deve demorar 100 a 200 anos a partir do instante que começar.
2- Da forma bárbara, através de rebeliões simultâneas que podem se alastrar de forma descontrolada ceifando vidas de milhares de inocentes. Típica convulsão social que pode ocorrer dentro de 25 ou 30 anos a continuar o ritmo do aperto do cinto.
Torcemos para que tal possa ser evitado se conseguirmos aumentar as hostes de bravos escritores lúcidos. Que não se sintam apenas um “dom escritor”. Mas elevem seu dom com simplicidade.
E que sejam lidos com atenção.
Que tenhamos a capacidade de entender os registros disponíveis e possamos alastrar claras mensagens que retirem o rebanho da hipnose maléfica provocada pelas armas virtuais usadas com habilidade pelos mentores da “escravidão mental” que já envolve mais de 50% de nossos jovens.
Haroldo P. Barboza
Autor do livro: Brinque e cresça feliz