ENSAIO LIVRE SOBRE O SUJEITO DIALÓGICO
POR ROOSEVELT VIEIRA LEITE
O organismo se relaciona com o meio externo e dele recebe impressões que ficam armazenadas em seu encéfalo como memória. As impressões do meio externo são as percepções dos sentidos sensoriais do organismo e estão ligadas ao seu sistema nervoso. Uma vez no sistema nervoso as impressões são transformadas em significações, ou representações da realidade externa. Estas representações, com o tempo, são influenciadas pela cultura do indivíduo. Por meio dos sentidos sensoriais temos as informações de cor, cheiro, alto, baixo, áspero, etc. As percepções dessas informações vão se aglomerando no encéfalo e criando um gigantesco banco de dados mnemônico. Os dados serão, então, as referências para as associações cognitivas que o encéfalo faz.
O encéfalo trabalha com relações binárias. A impressão, seja de que natureza for, entra no encéfalo pelo sistema de enervamento e são interpretadas por meio de relações semióticas. A está para B, por exemplo. Ou A pode estar para B, C, D, etc. Uma impressão pode estar para mais de uma imagem depositada no encéfalo. Assim fazemos associações mais complexas e construímos as ideias. As ideias, por sua vez, se organizam pela força da máquina cognitiva em estruturas sintagmáticas, e o sentido ou sentidos produzidos por elas constituem o pensamento humano.
O meio é fundamental para o desenvolvimento da máquina cognitiva humana. Como os animais inferiores, o termo foi usado para efeito explicativo, o animal humano passa, na sua formação, pela fase em que os estímulos oriundos do meio externo condicionam seu comportamento. Os sentidos provocados pela experiência com o meio vão mais tarde constituir sua primeira leitura do mundo. Estas são as primeiras experiências, e são também os primeiros dados cognitivos armazenados na memória do encéfalo, portanto, a base para as operações mais complexas.
A máquina fisiológica precisa se desenvolver para que a máquina cognitiva chegue ao amadurecimento de suas funções. A segunda depende da primeira; isso pode ser demonstrado de várias formas. As pessoas que sofreram paralisia cerebral têm dificuldades muitas para fazer as relações cognitivas que precisam. Existem exceções, mas, a regra é mais forte.
Existe no animal humano o comportamento não aprendido. São os instintos; eles não são culturais, são viscerais. Todos os homens possuem instintos. Todos os homens possuem força anímica. O instinto de matar a fome, o instinto sexual, a defesa do corpo, o instinto de sobrevivência. Se eles fossem culturais se manifestariam de formas diferentes.
Graças a nossa capacidade de produzir sentidos. Os instintos foram psiquificados. Receberam um fator cultural. Assim, por exemplo, o instinto sexual se manifesta de forma diferente em diferentes culturas. Cada cultura vive sua experiência sexual segundo suas crenças.
O processo de construção de nossa subjetividade perpassa as fases anímicas e culturais. Desde a mais tenra idade fazemos relações com o meio, como um sistema de trocas. O meio me passa dados sensoriais que se transformam em percepções cognitivas. Nosso organismo desenvolveu estas funções por causa das necessidades que ele teve de superar dificuldades para continuar a existir enquanto espécie. É um processo de adaptação contínua ao meio. Esse processo não se encerrou. O homem ao lidar com o meio o transforma segundo o poder de suas significações, ou representações. Portanto, podemos inferir que desde o gênesis de nossa máquina cognitiva, estamos em relação de diálogo com o meio, e com o mundo.
A formação da máquina cognitiva é de natureza semiótica. Os estímulos sensoriais se transformam em percepções da realidade, que uma vez organizadas, se tornam em nossos pensamentos. Os pensamentos são as percepções organizadas em estruturas signicas, por isso, são semióticas. O dado sensorial na máquina cognitiva recebe um valor além da informação prima que ele oferece. O calor é calor até que o ser cognicente o associe a outro valor que o denota: O calor da paixão. A natureza de nossas relações mentais cognitivas é por isso, semiótica, pois, precisamos criar signos para interpretar signos. A máquina cognitiva desenvolveu a capacidade de criar signos, ou formas mentais. Estamos “para” no mundo. Nossa situação é de relação com o outro, como nossa máquina cognitiva e psíquica estar para o outro. Posto isso, podemos inferir, mais uma vez, que o gênesis semiótico de nossa psique, nossa máquina cognitiva é dialógico.
Nossa subjetividade nasce do diálogo com o mundo, principalmente com a cultura. O diálogo é anterior ao aprendizado da língua. Antes da língua temos acesso à linguagem que inclui também a língua que não entendemos de nossos país e parentes. Vemos o mundo pelos sentidos e o lemos dialogando com eles, mesmo, sem o dom da fala. Não podemos esquecer que nossos antepassados precisaram desenvolver a fala. Foi uma necessidade. Mas antes dela, os homens estavam na terra e construíram famílias. Os homens sonhavam e pintavam nas paredes das cavernas e paredões de rochas seus sonhos, medos, e amigos. A linguagem estava no mundo muito antes da fala.
A língua é a forma mais complexa de estruturar o pensamento. Depois da língua o sujeito se consolida no mundo como sujeito histórico e cultural. Não existe outra forma mais poderosa de internalizar a cultura de que a língua que nossos país falam. Por meio da linguagem e sobre tudo da língua falada e escrita, as estruturas sociais ganham lugar em nossa mente e dela nunca mais saem. O sujeito é formado pelas impressões sensórias do meio, pelas interpretações dessas percepções, pelas formas mentais transmitidas pela linguagem e pela língua, e pelas relações com os outros sujeitos. O sujeito é um ser simbólico que está em situação de relação com, ou em situação de dialogo.
A situação de diálogo cria uma malha discursiva incessante e pulsante entre os sujeitos. O que os sujeitos dizem de si e do mundo, de alguma forma, eles já disseram. A realidade tem forma de rede com nós que significam os intercruzamentos dos discursos produzidos. Só existe discurso em função de um discurso anterior. Portanto, mais uma vez, comprovamos que estamos em diálogo.
O presente ensaio tentou mostrar que o sujeito é dialógico. Que seu gênesis é dialógico, que a sua construção é visceral e cultural. Visceral por que não podemos negar a força dos instintos, cultural por causa dos signos. Assim como a matéria produziu signos, estes agem sobre ela. A matéria obedece à vontade do sujeito. A vontade do sujeito advém de fontes fisiológicas e culturais, por isso, simbólicas. Concluímos, então, que no que diz respeito a nossa condição no mundo, que podemos dizer que estamos em diálogo. O diálogo nos mostra que somos reis e escravos de nossas vontades. Somos eternos devedores e credores de nossos símbolos.