MYSTERIUM TREMENDUM ET FASCINANS – 2ª Parte
Agora vamos dar um giro e voltar a alguns séculos atrás, lá verificaremos nos filósofos a grande preocupação e o deleite como tratavam essa questão do infinito ou da infinita essência: Deus.
Benedito Spinoza nasceu em 1632 e faleceu em 1677, portando viveu apenas 45 anos.
Baruch ou Benedito Spinoza, filho de judeus portugueses que, fugindo da perseguição católica, fixaram residência em Amsterdã, onde o pequeno Benedito nasceu e se educou.
É um exemplo vivo de que uma verdadeira filosofia é, ao mesmo tempo, uma religião autêntica e uma ética eficiente.
Tem-se dito que a filosofia não oferece base sólida para uma vida profundamente espiritual e dignamente humana, porque é simples teoria e especulação.
Blaise de Pascal, por exemplo, contemporâneo de Spinoza, considerava a filosofia através deste prisma intelectual e humano, quando diz que, “o coração tem razões que a razão (inteligência) desconhece”.
Para Spinoza, porém, não existe essa divisão entre as “razões do coração” e as “razões da razão”.
Para ele, devido a sua profunda experiência da suprema Realidade, Deus é tanto a razão (o eterno logos) como também o coração (o amor).
O mais funesto que as igrejas e sinagogas podem fazer é não atender a esse legitimo desejo de seus filhos, e proibi-los de entrarem em contato direto com Deus.
Em vez disso é mais aconselhável excomungá-los ou crucificá-los ou queimá-los vivos como hereges, ateus e renegados, quando sinceramente eles vão à busca de Deus, mesmo por caminhos novos, não pautados e aprovados pelas sociedades religiosas oficiais.
Dizia ainda Spinoza:
“Ora, para que o pequeno Eu humano possa ser fiel ao grande Tu divino, sua verdadeira essência é, antes de tudo, necessário que ele conheça essa sua essência eterna e não confunda com a sua existência temporal”.
Na ordem metafísica e absoluta é o homem idêntico a Deus na sua essência universal, enquanto na sua existência individual é o homem apenas umas das manifestações da divindade, a mais perfeita aqui na terra. (Um símbolo de Deus)
Vejamos agora o que disse Jean Jacques Rousseau:
Segundo Rousseau, a consciência e a emoção são fatores essenciais da religião e da moral.
A inteligência não pode atingir a Deus.
Só pelo coração e pelo sentimento espiritual é que, o homem pode ter noção de Deus e do mundo divino.
Afirmava ainda que, não existe nenhuma classe de homens (sacerdotes) dotados de privilégios espirituais, qualquer pessoa pode entrar em contato direto com Deus, desde que venha a criar em si o necessário ambiente para essa experiência divina.
Toda revelação vem de dentro e não de fora.
A religião não é nem católica nem protestante, é puramente natural e humana.
O homem é tanto mais cristão quanto mais natural.
O Cristianismo é natural e não sobrenatural.
Rousseau afina inteiramente pela frase de Tertuliano de que, “a alma humana é cristã por natureza”.
Em 1724 nascia Immanuel Kant, com ele também nascia à reconstrução da certeza intelectual e intuitiva.
Kant é um exemplo típico de como o mais agudo intelectualismo pode ir de mãos dadas com o mais alto misticismo.
E isto pela razão única porque, no fundo, a genuína intelectualidade pode conduzir à verdadeira mística, embora os inexperientes pensem precisamente o contrário.
Deus é a “razão pura” (o eterno logos) e é também a “razão prática” (o infinito amor).
Pela “razão pura”, baseada nos dados empíricos dos sentidos, adquire o homem noção do mundo externo, fenomenal, concreto, individual, finito e relativo.
E isto é “ciência”.
Pela “razão prática” entra o homem em contato com o mundo interno, numenal, abstrato, universal, infinito e absoluto.
E isto é “sapiência” ou sabedoria no mais alto sentido do termo.
A “razão pura”, operando com fatos quantitativos, (tempo e espaço) refletem a ciência.
A “razão prática”, guiando-se pela visão de valores qualitativos (eternos e infinitos) é a voz da consciência.
Kant não admite nem a igreja nem a Bíblia nem livro sacro algum, como último ponto de referência e bússola norteadora da vida, embora reconheça que entre os membros das igrejas e os autores dos livros sacros tenha havido e haja certo número de pessoas eticamente bem orientadas.
Para Kant a norma suprema da ética é a consciência, eco humano de uma voz divina.
Agora, vamos dar uma olhada na filosofia do absoluto de Hegel, que é também conhecido como o filósofo da divinização do Estado.
Hegel nasceu em 1770, por estranho que pareça, tornou-se nos últimos séculos o filósofo clássico de todos os totalitarismos estatais e políticos, tanto dos da direita (nazismo) como dos da esquerda (comunismo).
A sua ideologia culmina nessas alturas, embora, tenha uma vasta subestrutura não estatal puramente metafísica, filosófica, ética e social.
Metafísica de Hegel:
O homem e a natureza são dois estágios evolutivos do Absoluto (Deus) que é imanente em todas as coisas.
O Absoluto não é uma substância estática, mas um processo dinâmico; não um Ser, mas um Devir.
Para Schelling, o Absoluto é transcendente, do qual tudo irradia enquanto ele mesmo, o Absoluto, permanece fora desses seres irradiados, assim como ensinam também as religiões dualistas.
Para Hegel, Deus, o Absoluto, não produz energia e vida, Ele é a Energia.
Como também a Vida em diversos estágios.
O Absoluto não transcende a capacidade da razão humana.
Podemos, pela razão, compreender a Deus, porque Deus é imanente no homem (cf. Spinoza, os Vedas e os neoplatônicos).
O Absoluto pode ser chamado movimento, energia, processo, evolução, inteligência, Razão (O logos).
A Razão cósmica e o Absoluto são os mesmos.
O Absoluto aparece sucessivamente em tempo e espaço, como mineral, vegetal, animal, intelectual e como racional.
A razão é em si mesma uma realidade objetiva, mas aparece no homem como faculdade subjetiva.
O Objeto e o Sujeito não são duas coisas diferentes, mas uma só, vistas de lados diferentes: do lado universal e do lado individual.
O Absoluto é no mineral a energia, nas plantas e nos animais a vida, no homem a razão.
Deixamos de apresentar os pensamentos dos empiristas, pois esses, dizem que só é real aquilo que pode ser percebido pelos sentidos, e fora disso tudo não passa de elucubrações da razão, mera cogitação, uma fantasia da razão.
Isto nos leva a acreditar que o empirista absoluto deságua num cepticismo cego, esse evento ocorre em virtude de os empiristas não verem com profundidade a essência do ser humano, que busca em suas cogitações a presença imanente do mistério tremendo e fascinante.
Normalmente o empirista é um ateu convicto e o céptico é um cego que não vê além de suas fronteiras intelectuais, pois pequeno é o seu horizonte de conhecimentos por preguiça intelectual ou por falta de neurônios.
Verificando uma possível conclusão:
Se considerarmos a humanidade ainda infante como Agostinho a considerava no ano 350 d.C. por certo, é válido abraçarmos a transcendência e nos comprazer com um Deus fora do mundo, num reino por nós invisível e que fica num determinado lugar geográfico ou astronômico.
Esta é a visão infantil de Deus, e, Agostinho, de certa forma, tinha razão em pensar assim.
Pois naquela época a Igreja necessitava de adeptos, naturalmente, os buscava entre os pagãos que eram essencialmente panteístas, por isso eram considerados como crianças e teriam que ser levados pelas mãos da Igreja, como a legitima intermediária de Deus.
No entanto, hoje, após um mil e setecentos anos a humanidade talvez tenha saído dessa infância e necessita ver Deus com uma maior profundidade.
Apesar de as religiões ainda em nossos dias, em pleno século XXI persistir em pregar um Deus transcendente, e fazer com que os seus fiéis ou adeptos creiam no seu Deus como um fato real, concreto e, acima de tudo, Absoluto. Como pode?
Como podemos observar, as religiões é que estão infantilizadas, não evoluíram com o tempo e têm a presunção de acharem que todos os cristãos pensam como elas.
Por exemplo, o poder eclesiástico católico romano está com os pés fincados na modernidade do século XXI e a cabeça mergulhada na Idade das Trevas. (IM)
O poder eclesiástico aqui identificado como simplesmente Igreja, não abre mão do transcendentalismo, porque se admitir o imanentismo provocará uma debandada geral em seus templos.
O poder eclesiástico se arrogou em embaixador de Deus aqui na terra, e que só por meio dele é que podemos entrar em contato com Deus e fora dele não há salvação.
Isto quer dizer que continuamos crianças no século XXI, e que só encontraremos a salvação pelas mãos do poder eclesiástico. ! ?
Tal comportamento é sem sombra de dúvida uma arrogância anacrônica, pois o homem em sua completude existencial já pode por si mesmo encontrar a Deus, utilizando é claro, a ego-redenção conforme Pelágio.
Segundo Jesus, “O reino de Deus está dentro de vós”, não há como nos manifestar contra esse lapidar ensinamento.
A Igreja afirma a transcendência, mas de vez em quando ela aponta sutilmente para a imanência de Deus, no entanto, o faz de maneira sutil que o fiel não entenda o real significado.
Se a Igreja afirmar com convicção a imanência de Deus no homem, ela perderá toda a autoridade, bem como o domínio sobre os seus fiéis, pois esses saberão que doravante poderão se comunicar com o Criador sem a sua intermediação.
Como dizia Pelágio, o homem exerceria por si mesmo a ego-redenção, sabendo que Deus está presente em si mesmo, fato esse que, só afirmaria o que Jesus já havia anunciado.
Não seria necessário mencionar aqui o diálogo de Jesus com aquela mulher samaritana, nesse diálogo está implícita a idéia da imanência, portanto, não temos como negá-la.
Agora, vejamos a questão de Deus ser um mito:
Se considerarmos que Deus é um mito, por força de um raciocínio retilíneo, também teremos de considerar Jesus como um símbolo de Deus.
Para a Igreja isso não passa de uma heresia, pois, Jesus é Deus em nosso meio, mas herético ou não, temos de considerar que Jesus nunca afirmou tal coisa.
O que ele afirmou foi o seguinte: “Eu e o Pai somos um!”.
Isto quer dizer que, Jesus estava com o Pai e o Pai estava nele.
Isso é o que se chama imanência e a Igreja não admite tal hipótese ou evento, porém, para gerar maior confusão ela diz que em Jesus temos duas naturezas: Uma divina e outra natural.
É o Absoluto se tornando relativo, ou o Infinito se finitizando.
Vê-se aqui um esforço exagerado em dar forma humana a Deus, através de Jesus.
Por isso, O transformaram em um fato real, concreto, palpável, mas que com a sua morte, (como se isso fosse possível), transformaram-no novamente em transcendente.
A antropoformização de Deus foi a melhor maneira que a Igreja achou para explicá-Lo, e assim, satisfaria o seu rebanho infantil que estava habituado a ver Deus em tudo.
Jesus era realmente palpável, concreto e real, pois o temos como um fato histórico, mas daí afirmar que Jesus é Deus é, sem sombra de dúvida, uma ousadia, um total absurdo ou um mistério tremendo e desnecessário.
Tudo o que existe aqui no planeta, (a natureza) e o próprio universo é para nós um símbolo de Deus.
Por exemplo: Quando olhamos para o firmamento, principalmente à noite, o vemos com um fulgor através dos seus astros resplandecendo a luz ou com luz própria, isso nos causa uma profunda admiração e nos envolve com um deslumbramento que também é uma forma de religiosidade.
Os símbolos nos servem de condutores para que possamos ver (sentir) por meio deles o inescrutável.
Há de se observar com cuidado o símbolo, para que não venhamos a confundir o símbolo com o simbolizado, porque se nos comportarmos dessa forma cairemos na idolatria.
O símbolo é um meio e não a coisa em si.
O símbolo não é um ídolo.
Apenas, como esclarecimento eu nomearei aqui vários aspectos de culto.
Idolatria: Culto prestado a ídolos. Amor ou paixão exagerada e excessiva.
Latria: Adoração devida a Deus.
Dulia: Culto prestado aos santos e aos anjos.
Hiperdulia: Forma especial e excelente de culto aos santos.
Reservada, por isso, a Nossa Senhora.
Com relação à “Adorar”, ”Amar” e à “Venerar”, temos de ter muito cuidado, pois a diferença entre estes verbos é uma linha muito tênue que nos leva silente para confusões.
Adora-se um Ente espiritual.
Venera-se um ser material.
Como não há uma definição posta em nossa mente, uma vez que estamos tratando de um assunto incognoscível, (Deus) e por tratar-se de uma matéria que somente diz respeito à fé, vamos humildemente encerrar este trabalho com o pensamento que se segue:
O medo do desconhecido e a necessidade de dar sentido ao mundo que o cerca, levaram os homens a fundar diversos sistemas de crenças, cerimônias e cultos, muitas das vezes centrados na figura de um Ente Supremo que o ajuda a compreender o significado último de sua própria natureza.
Religião: (do latim: relígio, cognato de religare, “ligar”, “apertar”, “atar”, com referência a laços que unam o homem à divindade).
É como um conjunto de relações teóricas e práticas estabelecidas entre os homens e uma potência superior, à qual se rende culto, individual ou coletivo, por seu caráter divino e sagrado.
Cada ser humano tem o seu Deus necessário, conforme o seu grau de entendimento metafísico, sabendo-se diante mão da inefabilidade de Deus.
Diante do que aqui ficou exposto até agora, preferimos ficar com o “conceito” clássico de Deus.
Esperando que para um futuro com a evolução do ser humano, esse “conceito” seja avaliado e possa se ter uma compreensão de Deus mais afinada com o tempo que há de vir.
Para não ficarmos apenas com “enigmas”.
DEUS é um ser supremo, causa primeira, existente por si, incriado, absoluto, infinito, onipotente, onipresente, onisciente, o bem supremo (summum Bonum) puro amor.
Deus é proposto pela razão e pelo sentimento como explicação do universo, da origem do homem, dos valores e da moral – verdade, bem, justiça e amor.
Assim, se Deus existe, deve ser diferente de tudo e superior a todos, inclusive, à razão humana para a qual constitui mistério.
A essência de Deus é misteriosa para o homem, não há como descrevê-la.
No entanto, Ele é imanente em todas as criaturas, isto que dizer, se faz presente, mas não é Ele mesmo e isto se constitui num MYSTERIUM TREMENDUM ET FASCINANS.