Violência e desemprego estrutural
O desemprego constitui um fenômeno característico das sociedades burguesas. Sempre fez parte da lógica do capital diminui custos com a produção para aumentar os lucros. Thébaud-Mony & Druck (2007), assinalam que a subcontratação é uma prática que já existia desde o século XVI na Inglaterra e na França. Dentro desta perspectiva, nunca foi pretensão do sistema capitalista gerar emprego para todos. Os desempregados ou subempregados representam um excedente que, seguindo a lógica da oferta e da procura, tendem a diminuir o valor da mão de obra. Gera-se, assim, o que Marx chamou de superpopulação relativa fluída, (exército industrial de reserva), massa excedente às necessidades de acumulação do capital, mas sempre disponível para suas necessidades sazonais. Neste contexto, segundo Giovanni (2008, p.210) “ [...] o desemprego (ou desocupação) era, de certo modo, um tempo de parada para imenso contingentes da população trabalhadora. [...] Era quase um ciclo de espera com certa sazonalidade social”.
Com o desenvolvimento das tecnologias digitais e da robótica, a cada dia torna-se menos necessário o uso de mão de obra viva no processo de produção. Conta também o processo de deslocamento dos investimentos do capital do setor produtivo para o financeiro, e o desenvolvimento da doutrina neoliberal, que prega o fim da interferência do Estado na economia e a desregulamentação do trabalho. Com tudo isso, gera-se o que Marx chamou de superpopulação estagnada, que ao contrário da superpopulação fluída, que se encontra na eminência de poder torna-se massa ativa, a estagnada é composta por trabalhadores irregulares, com mínimas chances de um trabalho formal.
Temos os contornos de uma pintura perversa, quando um número cada dia maior de pessoas torna-se massa de proletários supérfluos para as necessidades de produção do capital e desamparado pelo Estado. O desemprego não atinge apenas as categorias mais populares, mas também as camadas médias, vítimas do processo de reestruturação produtiva, downsizing, que visa enxugar a máquina administrativa, atingindo principalmente gerentes de médio escalão e técnicos mais qualificados.
Este quadro produz efeitos radicais na dinâmica da vida dos indivíduos, com um saldo particularmente dramático para os homens. A família nuclear burguesa se estruturou tendo como base a separação sexual do trabalho. Dentro desta perspectiva, o papel fundamental dos homens foi o trabalho fora de casa e para as mulheres coube o trabalho domestico. Embora no dias atuais as mulheres também trabalhem fora de casa, este papel se constituiu tardiamente, sendo que, para os homens, o trabalho assalariado constitui uma referência estruturante para sua identidade. Uma mulher desempregada, por motivos culturais, pode mais facilmente encontrar outras possibilidades de ocupação, como o próprio trabalho doméstico, que freqüentemente nunca abandonou totalmente. Para os homens, o desemprego significa, não raro, falência de seu único papel significativo na sociedade.
As estatísticas sobre violência e desemprego, contudo, não revelam uma relação mecânica entre estas variáveis. Segundo, Kahn (2001), em pesquisa feita em 1991 pelo Instituto Datafolha com 645 presos da Casa de Detenção de São Paulo figura que, no momento do crime, 27% dos criminosos não estavam trabalhando. Em 1996, o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Ruas observou algo semelhante entre os jovens infratores: 53% não trabalhavam e 44% trabalhavam informalmente na ocasião da infração. No caso dos infratores adultos e boa parte dos jovens estavam trabalhando no momento do crime. Em outro estudo realizado entre 246 municípios brasileiros e dez diferentes cidades do Distrito Federal, somando um total de 256 observações, Resende (2007, p.66), assinala que os crimes de ordem econômica (furtos, roubos), não resultam exatamente de desemprego, mas estão “fortemente relacionados à maneira como a renda se distribui na localidade em que são cometidos”
Tudo indica que a condição de desempregado não conduz o indivíduo automaticamente a se rebelar contra a sociedade e procurar saídas individuais para resolver seus problemas. Mesmo porque, o desemprego sazonal, como já foi comentado, é uma condição intrínseca ao capitalismo. Contudo, a condição de superpopulação relativa estagnada produz um exército crescente de indivíduos sem nenhuma perspectiva de entrarem no mercado formal de trabalho. O sujeito sem perspectivas, o pai de família que não pode ser arrimo e, impotente, assiste o espetáculo do consumismo enquanto seus papeis na família e na sociedade desmoronarem, só lhe restam duas saídas: ressignificar os papeis de homem ou a revolta. Segundo o Banco de Dados – MNDH, os homens são vítimas em 89,21% e acusados com 95,84% dos homicídios que ocorrem no Brasil. A violência torna-se então não apenas uma questão de sobrevivência, mas a expressão de revolta contra uma situação sem saída daqueles que não tem mais nada a perder.
Palavras finais
As condições de existência do mundo contemporâneo parecem está irremediavelmente condenadas a duas contingências: aumento crescente do número de pessoas desempregadas e concentração cada vez maior das riquezas nas mãos de um número cada vez menor de pessoas. Um mundo de contrastes, onde as fronteiras ficam cada dia mais bem definidas e a possibilidade de trânsito restritas. Quais serão as conseqüências deste modelo econômico? Quais os rumos da história? Existem muitas possibilidades, mas parece que o sistema capitalista encontrou uma contradição irreversível. A massa crescente de pessoas que ficarão de fora da esfera produtiva, desamparadas e tendo de assistir ao espetáculo do consumismo sem poder participar, gera um potencial de revolta que pode assumir múltiplas manifestações e linguagens. Estarão aqui os germes de uma revolução? Será possível que no Brasil a violência dos excluídos ganhe uma dimensão política? Quais serão as estratégias que o sistema perpetrará para se manter no poder? Qual seria o modelo econômico alternativo? São com estas perguntas que encerro este texto.
Referências
DRUCK, Graça & FRANCO, Tânia. A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Bom Tempo, 2007.
GIOVANNI, Alves. Trabalho e cinema: o mundo do cinema através do trabalho. Londrina: Praxis; Bauru: Canal 6, 2008.
KAHN, Túlio. Desemprego e violência: fenômenos indissociáveis? Disponível em www.andi.org.br/noticias/anmviewer.asp? Acessado em 2 de janeiro de 2010.
RESENDE, J. P. Crime Social, Castigo Social: O Efeito da Desigualdade de Renda sobre as Taxas de Criminalidade nos Grandes Municípios Brasileiros. Belo Horizonte: EDEPLAR – UFMG, 2007.