Oh, Padre! Eles Não Sabem Porque Brigam!

– Olhe, Benedito; na minha opinião, ele era um incrédulo, um ímpio, um ateu... vou ser mais claro, um profano!

– Joca, eu discordo de você. Ele só não gostava do Padre Bento. Falava que ele exagerava no vinho ao ponto que, ao embriagar-se, contava as confissões que tinha ouvido das velhinhas devotas que freqüentam a igreja.

– Homem, mesmo que isso fosse verdade não lhe dava o direito de ir contra o Padre. Contra a doutrina Cristã.

– Não quero dizer que ele estivesse certo, mas... bem, ele também tinha lá suas razões, tinha seus motivos.

– Eu não estou de acordo! Ninguém tem o direito de criticar o nosso orador, nosso Líder Espiritual... nosso “Homem de Deus!”

Entre um trago e outro da aguardente que era servida pela viúva, os homens continuavam falando sobre o morto, que ainda estava na sala aguardando chegar mais pessoas para orar e na manhã seguinte conduzir o caixão até o cemitério.

– Benedito, ele chegou ao ponto de fazer campanha contra a igreja. Imagine só! Fez “piquet” frente a igreja, tentou proibir os fiéis de irem às missas aos domingos.... que audácia!

– Amigo, ele sempre foi um bom cristão, cumpridor dos seus deveres perante a igreja. Fiel até demais! De repente, ele mudou e todo mundo sabe no que deu...

– Um bom cristão não questiona, só deve acreditar.Você acha, Benedito, que São Tomé foi bom cristão?!

– Joca, esse tal de São Tomé‚ ou São sei lá o quê... me interessa?! Ele começou a fazer os tais “piquets” ao flagrar o Padre Bento, que se diz homem de “Deus”, saindo do brega na madrugada.

– Sim, mas o Padre Bento justificou. Fora àquele “antro de perdição” com o objetivo de levar a palavra divina às moças, ou melhor, mulheres que lá trabalham... quer dizer, que lá “fazem vida”–falou o homem, enquanto fazia uma careta ao engolir a cachaça limpa que passava “queimando” por sua garganta.

– E lhe digo uma coisa, Joca: por mais que o padre tenha tentado convencê-lo, não conseguiu; não só ao morto que ai está, como a mim também não.

– Bem, só posso lhe dizer que um padre é um padre e pronto! Um erro não compensa outro er...ro... O importante na vi...da é o perdão. Esse “pre... presunto” que está nesse caixão vai pres... prestar contas...

A conversa continuou girando em torno do cadáver que ali estava. A vigília continuava, e a bebida era servida pela viúva, que nada ouvia. Estava perdida em seus próprios pensamentos. Com a chegada do padre, a mulher não controlou suas emoções e começou a chorar.

– Oh, Padre. Ele era um excelente esposo....

– Não chore, minha filha! Nesse instante eu estou aqui para te conformar e ele está com o Senhor Deus–foram as palavras do padre enquanto benzia o caixão.

Àquelas alturas, a bebida servida pela viúva já fazia efeito nos dois homens que discutiam e as frases já saíam trôpegas dos seus nervosos e incontroláveis lábios.

– Olha, Bené‚... torno a repetir: ele era um incré...du..loo., um pro...pro...faano! Isso mesmo...(arrotou) e continuou-o Um pr...ooo...fano!

– Oh Joca..., Afinal de conta... por que ...Você está cr...Iticando esse “probe...” coitado que está ai, dormindo nesse caixão?

– Por... Por nada... Só não se deve criti... Caarr um... Pra... “prade”!

– Oh, meu chapa... esse pa... dre ‚ é o maior “um sete um”... E você não tem direi...To de defen...Dê-lo... Por quê o está o... Defendendo?

Depois de olhar o outro bêbado, e estalar a língua, então falou:

– Por... Que... Eu não estou só defendo o Prade... –arrotou novamente–Mas, defeeendendo... o meu pai!

Os dois homens, já bêbados, só então se olharam nos olhos como que hipnotizados. Um, pela descoberta. O outro; pelo segredo que a cachaça deixara escapar da sua boca.

O sol raiou e algumas pessoas, que não compareceram ao velório, vieram a fim de conduzir o caixão até o cemitério. O qual não demorou a ser levado. A viúva, não conseguindo controlar a emoção, caiu em prantos e foi aconselhada pelo Padre Bento a não ir ao enterro do marido.

O padre, para não deixá-la sozinha, isso era, com dois bêbados que estavam dormindo na sala, ficou conformando-a.

Mas, o resultado do tal conformismo só foi notado nove meses depois, e posteriormente, nove anos, quando um garotinho ocupou o posto de coroinha na igrejinha da Matriz.

Os bêbados, depois daquela noite de embriaguez, seguiram, na manhã seguinte, para as suas casas e não se lembram o que tenham falado ou ouvido. Só que cada um deles ainda continuava com as suas convicções: um, dando razão a rebeldia do falecido; o outro, defendendo a “pureza de um tal PADRE BENTO”.

Este trabalho está registrado na Biblioteca Nacional-RJ

carlos Carregoza
Enviado por carlos Carregoza em 11/12/2006
Código do texto: T315391