O PICADEIRO PESSOAL
Amados irmãos em Poesia!
Ampliei o universo de abordagens do texto anteriormente postado. Fui mais fundo sobre a visceralidade do poema, eis que peça muito rica... Espero gostem. Portanto, o estudo anterior fica substituído por este, OK? Abraços do JM.
“INTERROMPIDO
Rômulo Sales
Andei de um lado pro outro por vários dias
Estradas distantes do meu quarto
Sem saber onde parar
Nem o que é que eu queria
Quase um silêncio em tarde fria
Passam todas as nuvens
O corpo continua exposto ao teto
Numa parte da respiração vê-se agonia
A outra parte já não respira mais
Os ponteiros giram no sentido contrário
Ou tremem lentamente
Tudo vai desistindo de ser normal
Não quero a luz do pânico
Ou o alerta do desastre
Meu sofrimento será recompensado por resistência
Quero limpar meus joelhos
Eles dobraram muito
Andei procurando por vícios
Descobrindo tantos esconderijos
Vi gavetas vazias
Outras poesias cobertas de marcas ainda vivas
Falta apenas um minuto preu esperar
Falta pouco
Parece muito
Preciso de mais papéis e o silêncio
Estou sentindo muita história acontecendo
Coisas que sei ou que imagino
Fui interrompido
Por risos irônicos.
Publicado no Recanto das Letras em 08/06/2008.
Código do texto: T1024642”.
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/1024642
Bom texto, estimado poeta Rômulo! É útil e gostoso ao coração e à cuca a gente topar com um texto introspectivo, instigante, sem ser hermético ou enigmático, como é o usual, especialmente na net. É o que temos nesta peça. Poesia de linguagem simples materializando o poema.
O “alter ego” subjacente é um "clown" andarilho por todo o picadeiro. Trajetória capilar dentro do coração poético. E a inquietação a lavrar o que lhe vai andando por dentro... Este final, o verso "... Fui interrompido/Por risos irônicos", não é nada mais do que guerra interior entre o Bem e o Mal. Leviatã com a sua carga de mistérios e convites. Gabriel sempre a tentar espantar os demônios.
Vês, poeta? Quando o texto é bom, a gente tira os pés do chão e os neurônios aceitam o convite para a confecção do ‘intertexto’. É a sequela da sugestionalidade, a característica, em Poesia, que conduz à estranheza e o alumbramento. Aquilo que foge ao lugar comum. Essa sensação de estar fora do mundo estando dentro dele! E chegas ao lume quase sem o uso de metáforas.
Conhecendo-te agora, à vista deste primeiro texto aleatoriamente escolhido, desejo que a tua obra contenha essa carga psicológica que faz conviver leitor e texto! Envolve o receptor...
Ao olhar o poema de relancina, parecia que estava contemplando um exemplar em prosa poética e não me deparava – tecnicamente – com um espécime em Poesia, visto a sua linguagem (personalista, coloquial e intimista) em sentido denotativo, portanto, rarefeito o aparecimento de figuras de linguagem.
Examinando mais detidamente, também me parecia um pequeno conto, mais pelo final surpreendente, com a entronização de personagens anônimos, tão ao gosto do “schocking” do moderno micro-conto norte-americano: “... Fui interrompido/Por risos irônicos.”.
Aparentemente, pelo andamento do discurso, o poema deveria terminar em “coisas que sei ou que imagino”. Porém, como a lavratura poética é imprevisível, não cursiva, não linear, ainda mais em textos intimistas e circunstanciais, o final cresce com o extemporâneo aparecimento dos “risos irônicos”.
Vislumbrei, então, quanto à forma classificatória, o típico POEMA EM PROSA. A Poesia não se perdera. Estava ali com a sua carga de estranhamentos e surpresas...
E que não nos percamos, porque o circo das palavras põe a nós todos no picadeiro do “clown” que faz da tessitura pessoal o traço original do novo e do surpreendente!
E no seu “quarto” o criador (2º verso do poema) abre estradas para o universo. Está vivo o princípio do universal, convite a toda humanidade.
Que se precise “de mais papéis e o silêncio”.
– Do livro TIDOS & HAVIDOS, 2011
http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3112868