Decupagem do poema “Momento num café”, Manuel Bandeira.

Momento num café

- Manuel Bandeira

Quando o enterro passou

Os homens que se achavam no café

Tiraram o chapéu maquinalmente

Saudavam o morto distraídos

Estavam todos voltados para a vida

Absortos na vida

Confiantes na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado

Olhando o esquife longamente

Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade

Que a vida é traição

E saudava a matéria que passava

Liberta para sempre da alma extinta.

Segundo Celso Leopoldo Pagman, o poema supracitado sugere a observação de uma cena específica ocorrida num café; apresentando o poema características de prosa de ficção como a sucessão temporal e a narração. Dessa forma, propomo-nos a apresentar a dita cena através da decupagem da mesma, ou seja, dispondo-a em planos diversos.

PLANO 1

Exterior tarde, rua em frente ao café.

Plano Geral. Aproxima-se uma pequena multidão. À frente, quatro homens trajados de preto carregando um esquife de madeira escura; logo depois, a família enlutada e alguns amigos e parentes. Transeuntes à borda da calçada esperando a procissão passar sem muita expectativa.

Ruídos: choro e soluços, ambiente de rua.

PLANO 2

Interior tarde, café.

Plano médio. Um balcão tradicional, esses que se encontram geralmente nas casas de café. No seu interior uma mulher e um rapaz preparam expressos, servem e recolhem as xícaras no balcão. Do outro lado do balcão, quatro homens tomam café; dois deles conversam; outro, jornal debaixo do braço, apenas toma o café. O quarto homem, senhor X, barba por fazer, cabelo desalinhado, aspecto um tanto abatido tendo se voltado para a rua tira o chapéu. Aqueles lhe acompanham o gesto enquanto se viram, ligeiramente, e olham na direção da procissão que passa sem muito alarde.

Ruído: máquina de café expresso, registradora, estalar de louça se chocando (sem quebrar), vozes, predominantemente, masculinas e o som da TV sintonizada no noticiário.

PLANO 3

Exterior tarde, rua em frente ao café.

Plano de conjunto. Movimento panorâmico de 180, ponto de vista objetivo, ângulo normal.

Partindo do ponto de vista do espectador, a câmera dá uma volta rápida de 360 e para de repente em primeiro plano em X.

Ruído: ausência

PLANO 4

Exterior tarde, calçada do café.

Plano médio. Ponto de vista objetivo.

X caminha para fora do café e para ao chegar à calçada. Olhar fixo. Ângulo normal.

Ruído: ambiente de rua.

PLANO 5

Exterior tarde, rua em frente ao café.

Plano geral. Ponto de vista objetivo, ângulo normal.

O enterro segue. Transeuntes atravessam a rua, ou caminham pela calçada, ou entram no café e nas lojas vizinhas. X permanece por um instante no mesmo lugar, enquanto acompanha o caixão com o olhar; em seguida, vira-se e caminha em direção à câmera. O movimento é de abertura em travelling para trás. Ao fundo, no horizonte o sol se põe.

Ruído: Ambiente de rua (volume do ruído abaixa gradativamente).

Música: a canção Uns, Caetano Veloso. (volume da música aumenta gradativamente).

Estimamos que a cena apresentada dessa forma permite ao espectador visualizar a efemeridade do homem, em sua totalidade, diante do tempo - invenção humana -, e em relação ao mundo das coisas,da matéria que se transforma sempre.

Rufina Fontelles

MARIA DE CASTRO
Enviado por MARIA DE CASTRO em 07/07/2011
Reeditado em 25/01/2023
Código do texto: T3080610
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