MACUNAÍMA – O HERÓI DA NOSSA GENTE
MACUNAÍMA – O HERÓI DA NOSSA GENTE
I. INFORMAÇÕES CONTEXTUAIS: O AUTOR E A TENDÊNCIA LITERÁRIA
MODERNISMO – PRIMEIRA FASE E SUAS CARACTERISTICAS.
Realizada a Semana de Arte Moderna e ainda sob os ecos das vaias e gritarias, tem início uma primeira fase modernista, que se estende de 1922 a 1930, caracterizada pela tentativa de definir e marcar posições. Constitui, portanto, um período rico em manifestos e revistas de vida efêmera: são grupos em busca de definição.
Nessa década, a economia mundial caminha para um colapso, que se concretizaria na quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929. O Brasil vive os últimos anos da chamada República Velha, ou seja, o período de domínio político das oligarquias ligadas aos grandes proprietários rurais. Não por mera coincidência, a partir de 1922, com a revolta militar do Forte de Copacabana, o Brasil passa por um momento realmente revolucionário, que culminaria com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas.
Assim é que, de 1930 a 1945, o movimento modernista vive uma segunda fase, refletindo as transformações por que passou o país. Tem início uma outra etapa de sua vida republicana, levando os artistas nacionais a se posicionarem diante dessa nova realidade.
MOMENTO HISTÓRICO
Um mês após a Semana de Arte Moderna, a política brasileira vive dois momentos importantes: em 1° de março, a eleição para a escolha do sucessor de Epitácio Pessoa na Presidência da República, com a vitória do mineiro Artur Bernardes sobre Nilo Peçanha; nos dias 25, 26 e 27 de março, a realização, no Rio de Janeiro, do congresso de fundação do Partido Comunista Brasileiro.
A eleição de 1922 ocorre em meio a grave crise econômica e, contrariando a norma da República do Café-com-leite, polariza-se entre as candidaturas de Artur Bernardes (representante das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais) e Nilo Peçanha (representante das oligarquias de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul). Trata-se de uma disputa motivada por interesses pessoais e locais, e não por propostas diferentes de governo. Entretanto, o acirramento do quadro político e a agitação da campanha eleitoral trazem à tona o descontentamento de importante setor da sociedade: a classe média, representada por jovens oficiais militares, que exige mudanças e tenta impedir a posse de Artur Bernardes.
O processo revolucionário tem início com a revolta dos militares do Forte de Copacabana, em 5 de julho de 1922; o movimento, entretanto, dura apenas 24 horas e termina com a caminhada fatal, pelas ruas de Copacabana, de 17 jovens militares e um civil contra mais de 3 mil soldados das forças governistas. Esse episódio, conhecido como Os 18 do Forte, significou nas palavras do historiador Edgard Carone, "o sacrifício por um ideal", ficando gravado como símbolo de luta.
Os primeiros anos do governo de Artur Bernardes são marcados por um constante estado de sítio, censura à imprensa e intervenções nos estados. No entanto, essas medidas não são suficientes para estancar a marcha revolucionária: em 5 de julho de 1924, dois anos após os acontecimentos de Copacabana, estoura uma revolução em São Paulo em que os militares exigem o fim da corrupção, maior representatividade política, voto secreto e justiça. O movimento dos tenentes em São Paulo dura aproximadamente um mês e termina com a retirada dos revoltosos em direção ao interior, onde se encontram com tropas vindas do Rio Grande do Sul, comandadas pelo capitão Luís Carlos Prestes. Para dar continuidade à luta, a saída é a formação de uma coluna com aproximadamente mil homens, sob o comando de Prestes, que correria o Brasil, difundindo os ideais revolucionários. Depois de percorrer 24 mil quilômetros e enfrentar tropas do exército, forças regionais, jagunços e os cangaceiros de Lampião, a Coluna Prestes embrenhasse em território boliviano.
O período de 1922 a 1930 também se caracteriza por definições no quadro político partidário: em 1922, sob o impacto da Revolução Russa, é criado o Partido Comunista, que contava, entre seus fundadores, com vários elementos egressos das lutas anarquistas; em 1926 surge o Partido Democrático, de larga penetração entre a pequena burguesia paulista e que teve, entre seus fundadores, Mário de Andrade.
A situação política e social brasileira é de aparente calma com a eleição de Washington Luís para sucessor de Artur Bernardes. Mas, na realidade, o país caminhava para o fim desse período de convulsões sociais com a ocorrência da Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, iniciando-se uma nova era da história brasileira. Mário de Andrade dá seu depoimento:
Características:
O período de 1922 a 1930 é o mais radical do movimento modernista, justamente em conseqüência da necessidade de definições e do rompimento com todas as estruturas do passado. Daí o caráter anárquico dessa primeira fase modernista e seu forte sentido destruidor.
Ao mesmo tempo em que se procura o moderno, o original e o polêmico, o nacionalismo se manifesta em suas múltiplas facetas: volta às origens, pesquisa de fontes quinhentistas, busca de uma "língua brasileira" (a língua falada pelo povo nas ruas), paródias, numa tentativa de repensar a história e a literatura brasileiras, e valorização do índio verdadeiramente brasileiro. É o tempo dos manifestos nacionalistas do Pau-Brasil e da Antropofagia, dentro da linha comandada por Oswald de Andrade, e dos manifestos do Verde-Amarelismo e do grupo da Anta, que já trazem as sementes do nacionalismo fascista comandado por Plínio Salgado.
Como se percebe já ao final da década de 1920, a postura nacionalista apresenta duas vertentes distintas: de um lado, um nacionalismo crítico, consciente, de denúncia da realidade brasileira, identificado politicamente com as esquerdas; de outro, um nacionalismo ufanista, utópico, exagerado, identificado com as correntes políticas de extrema direita.
Entre os principais nomes dessa primeira fase do Modernismo e que continuariam a produzir nas décadas seguintes destacam-se Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Antônio de Alcântara Machado, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida e Plínio Salgado.
Mário de Andrade
Mário Raul de Morais Andrade, o chamado "papa do Modernismo", nasceu em São Paulo. na. rua Aurora, em 9 de outubro de 1893. Na capital paulista, após o grupo escolar e o ginásio, matriculou-se na Escola de Comércio Álvares Penteado, abandonando 0 curso depois de uma briga com seu professor de Português. No ano seguinte, 1911, ingressa no Conservatório Musical de São Paulo, onde se forma em piano. Jovem ainda, inicia suas críticas de arte escrevendo para jornais e revistas. Em 1917, ano em que trava amizade com Oswald de Andrade, publica seu primeiro livro e "descobre" Anita Malfatti, transformando-se numa das figuras mais importantes de nossa vida cultural. Foi diretor do Departamento de Cultura do Município de São Paulo e professor de História da Música no Conservatório Dramático de São Paulo. Lecionou História e Filosofia da Arte na Universidade do Distrito Federal (Rio de Janeiro). Voltando a São Paulo, trabalhou no Serviço de Patrimônio Histórico. Morreu em sua casa, em São Paulo, na rua Lopes Chaves, em 25 de fevereiro de 1945.
O volume de estréia de Mário de Andrade - Há uma gota de sangue em cada poema - retrata a I Guerra Mundial e mostra o autor ainda influenciado pelas escolas literárias anteriores à Semana, com poesias que obedecem a normas de estética, como a metrificação e a rima, de nítida influência parnasiana. O próprio poeta afirma que, ao visitar a exposição de Anita Malfatti, em 1917, ficou tão maravilhado com suas pinturas modernas, revolucionárias, inovadoras, que lhe dedicou um... soneto parnasiano!
Sua poesia manifesta-se modernista a partir do livro Paulicéia desvairada, que rompe com todas as estruturas ligadas ao passado. O livro tem como musa inspiradora, ou melhor, como objeto de análise e constatação, a cidade de São Paulo e seu provincianismo, o rio Tietê, o largo do Arouche, o Anhangabaú, a burguesia, a aristocracia, o proletariado; uma cidade multifacetada, uma colcha de retalhos, uma roupa de arlequim - uma cidade arlequinal.
Demonstrando não ter sofrido influência alguma, Mário de Andrade dedica Paulicéia desvairada a seu grande mestre, seu Guia, seu Senhor: ele mesmo, Mário de Andrade!
Em toda a sua obra, Mário de Andrade lutou por uma língua brasileira, que estivesse mais próxima do falar do povo, sendo comum iniciar frases com pronomes oblíquos e empregar as formas si, quasi, guspe em vez de se, quase, cuspe. Os brasileirismos e o folclore tiveram máxima importância para o poeta, como bem atestam os livros Clã do jabuti e Remate de males. Ao lado disso, suas poesias, romances e contos revestem-se de uma nítida crítica social, tendo como alvo a alta burguesia e a aristocracia.
Amar, verbo intransitivo é um romance que penetra fundo na estrutura familiar da burguesia paulistana, sua moral e seus preconceitos, ao mesmo tempo que trata, em várias passagens, dos sonhos e da adaptação dos imigrantes à agitada Paulicéia.
Em Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, temos, talvez, a criação máxima de Mário de Andrade: a partir desse anti-herói, o autor enfoca o choque do índio amazônico (que nasceu preto e virou branco - síntese do povo brasileiro) com a tradição e a cultura européia na cidade de São Paulo, valendo-se para tanto de profundos estudos de folclore. E Macunaíma, no seu "pensamento selvagem", faz as transformações que ele quer: um inglês vira o London Bank, a cidade de São Paulo vira uma preguiça (animal), e assim por diante, colocando todas as estruturas de pernas para o ar. Macunaíma é o próprio "herói de nossa gente", como faz questão de afirmar o autor logo na primeira linha do romance, para reiterar a idéia na última linha, procedimento contrário ao dos autores românticos, que jamais declaram a condição de herói de seus personagens, apesar de os criarem com essa finalidade.
Obras publicadas
• Há uma Gota de Sangue em Cada Poema, 1917
• Pauliceia Desvairada, 1922
• A Escrava que Não É Isaura, 1925
• Losango Cáqui, 1926
• Primeiro Andar, 1926
• O clã do Jabuti, 1927
• Amar, Verbo Intransitivo, 1927
• Ensaios Sobra a Música Brasileira, 1928
• Macunaíma, 1928
• Compêndio Da História Da Música, 1929 (Reescrito como Pequena História da Música Brasileira, 1942)
• Modinhas Imperiais, 1930
• Remate de Males, 1930
• Música, Doce Música, 1933
• Belasarte, 1934
• O Aleijadinho de Álvares De Azevedo, 1935
• Lasar Segall, 1935
• Música do Brasil, 1941
• Poesias, 1941
• O Movimento Modernista, 1942
• O Baile das Quatro Artes, 1943
• Os Filhos da Candinha, 1943
• Aspectos da Literatura Brasileira 1943
• O Empalhador de Passarinhos, 1944
• Lira Paulistana, 1945
• O Carro da Miséria, 1947
• Contos Novos, 1947
• O Banquete, 1978 (Editado por Jorge Coli)
• Dicionário Musical Brasileiro, 1989 (editado por Flávia Toni)
• Será o Benedito!, 1992
II. Características Formais Narrativas
Estruturalmente, o livro está dividido em 17 capítulos e um epílogo.
III. Demonstração da estrutura dramática da obra:
• CULTO A NATUREZA:
Ao longo do livro, Mário cita inúmeros animais,mosquitos, peixes, praias e rios. A meu ver, tenta mostrar de alguma forma a biodiversidade que tem o Brasil.
“ E estava lindíssima na Sol da lapa os três manos um louro um vermelho outro negro, de pé bem erguidos e nus. Todos os seres do mato espiavam assombrados. O jacarèuna o jacarètinga, o jacaré-açu o jacaré-ururau de papo amarelo, todos esses jacarés botaram os olhos de rochedo pra fora d'água. Nos ramos das igàzeiras das aningas das mamoranas das embaúbas dos catauaris de beira-rio o macaco-prego o macaco-de-cheiro o guariba o bugio o cuatá o barrigudo o coxiú o cairara, todos os quarenta macacos do Brasil, todos, espiavam babando de inveja. E os sabiás,o sabiàcia o sabiàpoca o sabiàúna o sabiàpiranga o sabiàgonga que quando come não me dá, o sabiá-barranco o sabiátropeiro o sabiá-laranjeira o sabiá-gute todos esses ficaram pasmos e esqueceram de acabar o trinado, vozeando vozeando com eloqüência.Macunaíma teve ódio.” P.26
• VALORES MORAIS:
Macunaíma não tinha caráter era desbocado e mentiroso:
“Maanape ficou zangado e foi falar com Jiguê. Mas Jiguê também já vinha pra falar com Maanape. Se encontraram no corredor. Maanape contou pra Jiguê e Jiguê contou pra Maanape. Então eles verificaram que Macunaíma era muito safado e sem caráter.”P.101
“Macunaíma era desbocado duma vez. Falara uma bocagem muito porca, muito! ” P.69
“— Mas praquê você mentiu, herói!
— Não foi por querer não... quis contar o que tinha sucedido pra gente e quando reparei estava mentindo... ”P. 74,75
• RELIGIOSIDADE X MACUMBA X FEITIÇARIA
“De manhã teve parada na Mooca, ao meio-dia missa campal no Coração de Jesus, às dezessete corso e batalha de confetes na avenida Rangel Pestana e de-noite.” P.69
“Mas Macunaíma fez uma oração assim:
Valei-me Nossa Senhora,
Santo Antônio de Nazaré,
A vaca mansa dá leite,
A braba dá si quisé! ” P.40
MACUMBA
Macunaíma queria Exu:
“Então a macumba principiou de deveras se fazendo um çairê pra
saudar os santos.
[...]
E então seguiam advogados taifeiros
curandeiros poetas o herói gatunos portugas senadores, todas essas gentes dançando e cantando a resposta da reza. E era assim:
— Va-mo sa-ra-vá!...
Tia Ciata cantava o nome do santo que tinham de saudar
— Ôh Olorung!
E a gente secundando:
— Va-mo sa-ra-vá!...
Tia Ciata continuava:
— Ô Boto Tucuchi!
E a gente secundando:
— Va-mo sa-ra-vá!...
Docinho numa reza mui monótona.
— Ô Iemanjá! Anamburucu! e Ochum! três Mães-d'água!
— Va-mo sa-ra-vá!... ” P. 44
FEITIÇARIA
“ O herói picado em vinte vezes trinta torresminhos bubuiava na polenta fervendo. Maanape catou os pedacinhos e os ossos e estendeu tudo. no cimento pra refrescar. Quando esfriaram a sarara Cambgique derramou por cima o sangue sugado. Então Maanape embrulhou todos os pedacinhos sangrando em folhas de bananeira, jogou o embrulho num sapiquá e tocou pra pensão. Lá chegado botou o cesto de pé assoprou fumo nele e Macunaíma veio saindo meio pamonha ainda, muito desmerecido, do meio das folhas. Maanape deu guaraná pro mano e ele ficou taludo outra vez.” P.32
• INVENCIONICES
Supostamente Mário de Andrade nos alguns mitos mostrando de maneira cômica de onde surgiram expressões como a banana, “vá tomar banho”, futebol e o truco, porque a lua tem manchas escuras, e o entardecer.
1. “ batendo o antebraço esquerdo dentro do outro dobrado, mexeu com energia a munheca direita pras três cunhas e partiu. Nesse instante, falam, ele inventou o gesto famanado de ofensa: a pacova. ” P.29
2. “ Vai, Jiguê pegou num tijolo, porém pra não machucar muito virou-o numa bola de couro duríssima. Passou a bola pra Maanape qüe estava mais na frente e Maanape com um pontapé mandou ela bater em Macunaíma. Esborrachou todo o nariz do herói.
— Ui! que o herói fez.
Os manos bem sonsos gritaram:
— Uai! está doendo, mano! Pois quando bola bate na gente nem não dói!
Macunaíma teve raiva e atirando a bola com o pé bem pra longe falou:
— Sai, peste!
[...]
A bola caiu no campo. E foi assim que Maanape inventou o bicho-do-café, Jiguê a largarta-rosada e Macunaíma o futebol, três pragas.” P.36
3. “ Piaimã ficou danado. Agarrou quatro paus do mato, uma acapurana um angelim um apió e um carará, e veio com eles pra cimade Maanape:
— Sai do caminho, por queira! jacaré não tem pescoço, formiga
não tem caroço! comigo é só quatro paus na ponta da unha, jogador de caça falsa! Então Maanape ficou com muito medo e jogou, truque! o herói no chão. Foi assim que Maanape com Piaimã inventaram o jogo sublime do truco. ” P.31
4. “ Caiuanogue foi se chegando porém o herói fedia muito.
— Vá tomar banho! ela fez. E foi-se embora. Assim nasceu a expressão "Vá tomar banho!" que os Brasileiros empregam se referindo a certos imigrantes europeus. ” P.51
5. “ Deu uma porção de munhecaços na cara da Lua. Por isso que ela tem aquelas manchas escuras na cara.” P.139
6. “Quando deu tento das perdas teve ódio de Vei. A galinha cacarejava deixando um ovo na praia. Macunaíma pegou nele e chimpou-o no carão feliz da Sol. O ovo esborrachou bem nas bochechas dela que \sujou-se de amarelo pra todo o sempre. Entardecia.” P.137
• TRANSFORMAÇÕES (metamorfoses)
São muitas transformações ao longo da história, entre elas: a cobra que vira lua, mulher vira cometa, mulher vira estrela, etc. É recheado de fantasia e coisas sobrenaturais.
MENINO - HOMEM (Macunaíma)
“Então pegou na gamela cheia de caldo envenenado de aipim e jogou a lavagem no piá. Macunaíma fastou sarapantado mas só conseguiu livrar a cabeça, todo o resto do corpo se molhou. O herói deu um espirro e botou corpo. Foi desempenando crescendo
fortificando e ficou do tamanho dum home taludo. Porém a cabeça não molhada ficou pra sempre rombuda e com carinha enjoativa de piá.. ” P.11
ÍNDIO - BRANCO DE OLHOS AZUIS (Macunaíma)
“O herói depois de muitos gritos por causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho. Mas a água era encantada porque aquele buraco na lapa era marca do pezão do Sumé, do tempo em que andava pregando o evangelho de Jesus pra indiada brasileira. Quando o herói saiu do banho estava branco louro e de olhos azuizinhos, água lavara o pretume dele. E ninguém não seria capaz mais de indicar nele um filho da tribo retinta dos Tapanhumas.” P. 25,26
CARAPATO – CHAVE
“ Maanape abriu e o carrapato Zlezlegue tinha virado numa chave yale. Maanape ergueu a chave do chão e abriu a porta. Zlezlegue virou carrapato outra vez e ensinou:
— Com as garrafas bem de cima você convence Piaimã. E desapareceu.” P.22
MACUNAÍMA - PEIXE
“ Macunaíma voltou pra casa e falou pra Maanape:
— Quê que havemos de fazer! Carecemos de tomar anzol de Inglês. Vou tirar aimará de mentira pra enganar o bife. Quando ele me pescar e der a batida na minha cabeça então faço "juque!" enganando que morri. Ele me atira no samburá, você pede o peixe mais grande pra comer e sou eu. Fez. Virou num aimará pulou na lagoa, o Inglês pescou-o e bateu na cabeça dele.” P. 81
MACUNAÍMA - PIRANHA
“— Quê que havemos de fazer! Carecemos de tomar anzol de Inglês. Vou virar piranha de mentira e arranco anzol da vara. Virou numa piranha feroz pulou na lagoa arrancou anzol e desvirando outra vez légua e meia abaixo no lugar chamado Poço do Umbu onde tinha umas pedras cheias de letreiros encarnados da gente fenícia sacou anzol da goela bem contente porque agora podia pescar corimã piraíba aruana pirara piaba todos esses'peites.” P. 82
MACUNAÍMA - PATO
“Lá chegada pôs o embrulho na sala-de-visitas que tinha um abajur encarnado e foi chamar a filha mais velha que era bem habilidosa, pras duas comerem o pato que ela caçara. E o pato era Macunaíma o herói. Porém a filhona estava muito ocupada porque era mesmo habilidosa e a velha pra adiantar serviço foi fazer fogo.” P. 83
• ESPAÇO E TEMPO
Atemporal - Está fora do espaço e do tempo. A história se passa em diversos lugares do Brasil, Macunaíma está em um lugar e daqui a pouco reparamos que já está em outro muito diferente.
“Passaram Já rente à Ponta do Calabouço, tomaram rumo de Guajará Mirim e voltaram pra leste. Em Itamaracá Macunaíma passou um pouco folgado e teve tempo de comer uma dúzia de manga-jasmim que nasceu do corpo de dona Sancha, dizem. Rumaram pra sudoeste e nas alturas de Barbacena o fugitivo avistou uma vaca no alto duma ladeira calçada com pedras pontudas.” P. 39,40
“Durante uma semana os três vararam o Brasil todo pelas restingas de areia marinha, pelas restingas de mato ralo, barrancas de paranãs, abertões, corredeiras carrascos carrascões e chavacais, coroas de vazante boqueirões mangas e fundões que eram ninhos de geada, espraiados pancadas pedrais funis bocainas barroqueiras e rasouras,
todos esses lugares, campeando nas ruínas dos conventos e na base dos cruzeiros pra ver si não achavam alguma panela com dinheiro enterrado.” P. 91, 92
“ Macunaíma não sabia bem mais em que parte do Brasil estava e lembrou de perguntar.
— Me diga uma coisa, filho de gambá é raposa, como chama este
lugar?
A cunha secundou emproada:
— Aqui é o Buraco de Maria Pereira.“ P. 86
• PERSONAGENS PRINCIPAIS
MACUNAÍMA - “No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia, tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.” P.2
Acontecem várias transformações e Macunaíma tem corpo de homem e rosto de criança. Mentiroso e debochado, trai seus irmãos, brinca com as mulheres deles, engana o curupira, dorminhoco e preguiçoso.
MAANAPE – irmão de Macunaíma, feiticeiro e caçador.
“ Maanape então é que foi se lavar, mas Jiguê esborrifara toda a água encantada pra fora da cova. Tinha só um bocado lá no fundo e Maanape conseguiu molhar só a palma dos pés e das mãos. Por isso ficou negro bem filho da tribo dos Tapanhumas. Só que as palmas das
mãos e dos pés dele são vermelhas por terem se limpado na água santa.” P.26
JIGUÊ – Também é irmão de Macunaíma e o ajudou a reconquistar a muiraquitã perdida. Vendo que Macunaíma ficara branco, atirou-se também nas águas do poço encantado: “Nem bem Jiguê percebeu o milagre, se atirou na marca do pezão do Sumé. Porém a água já estava muito suja da negrura do herói e por mais que Jiguê esfregasse feito maluco atirando água pra todos os lados só conseguiu ficar da cor do bronze novo.” P.26
SOFARÁ - cunhada de Macunaíma, mulher de Jiguê , com quem Macunaíma "brincou" diversas vezes, transformando-se em príncipe.
IRIQUI - segunda mulher de Jiguê, com quem Macunaíma também "brincou" muitas vezes. Depois foi dada a Macunaíma, de presente, porque Jiguê achou que não valia a pena brigar por causa de uma mulher.
CÍ - foi o grande e único amor de Macunaíma. Ao tomá-la como companheira, passou a ser imperador do Mato Virgem. Com o herói teve um filho que morreu. Ela também morreu, transformando-se na "Beta do Centauro", onde vive "liberta das formigas, toda enfeitada de luz", Foi ela quem deu a Muiraquitã a Macunaíma. "Ci" quer dizer "mãe" – "Mãe do Mato".
CAPEI - era a cobra boiúna (cobra grande) que Macunaíma matou para salvar Naipi, amada de Titçatê
PIAIAMÃ - é o gigante comedor de gente, Venceslau Pietro Pietra, que roubara a muiraquitã de Macunaíma.
VÉI - É o sol, tem duas filhas e quer o Macunaíma para genro. Porém Macunaíma é traidor (brinca com outras mulheres) e não dá certo.
PAUÍ-PÓDOLE - é o pai do mutum, origem da ave mutum, cracídeo. Torna-se depois no Cruzeiro do Sul que é para os índios um enorme mutum.
“Aquelas quatro estrelas lá é o Pai do Mutum! juro que é o Pai do Mutum, minha gente, que pára no campo vasto do céu!...” P.71
CEIUCI: - mulher do gigante Piaimã, que também comia gente.
PAPAGAIO – papagaio verde de bico dourado. O único que sobrou para contar a história, contou para um homem, e depois abriu asa rumo de Lisboa.
• FOCO NARRATIVO
A obra MACUNAÍMA apresenta o foco narrativo em terceira pessoa, narrador onisciente.
“Passava uma piracema de jaraquis. Macunaíma agarrou pescando e distraído distraído quando viu estava em Óbidos, a montaria cheinha de peixes frescos.” P.122
IV - ANÁLISE DAS CARCTERÍSTICAS TEMÁTICAS
• TEMÁTICA
Tem como tema central o Brasil, a mistura de raças, a famosa miscigenação!
Mário de Andrade, mistura elementos de diversas regiões do país, tentando desregionalizar sua obra, procurando “conceber literariamente o Brasil como entidade homogênea – um conceito étnico nacional e geográfico”.
Macunaíma tem a figura do brasileiro, com todas as suas características, sejam elas boas ou ruins, é a mistura dos defeitos do nosso povo. Só no livro constam 19 vezes a palavra preguiça, tanto é que :
“De primeiro: passou mais de seis anos não falando. Sio incitavam a falar exclamava: If — Ai! que preguiça!. . . e não dizia mais nada.” P.2
“— Macunaíma!
O dorminhoco nem se mexia.
— Macunaíma! ôh Macunaíma!
— Deixa a gente dormir, aruaí...
— Acorda, herói! É de-dia!
— Ah... que preguiça!.. .
— Pouca saúde e muita saúva, Os males do Brasil são!...” P.133
“Afinal chegou o domingo pé-de-cachimbo que era dia do Cruzeiro, feriado novo inventado prós Brasileiros descansarem mais.” P.69
Mário é demais, e Macunaíma é mágico! Incrível como se torna tão atual, não? Literatura é isso! Sem falar que a história é espetacular, cheia de fantasias.
• NÍVEL VOCABULAR
A linguagem de Macunaíma é carregada de humor, de ironia, contraditória, definida por seu próprio criador como “a língua de Macunaíma e de ninguém mais”. Mário cria palavras novas. É uma leitura de difícil compreensão, pois não tem as palavras no dicionário, fazendo assim com que o leitor se prenda mais a leitura.
• FIGURAS DE LINGUAGEM
Cito algumas das figuras, pois o livro é riquíssimo.
COMPARAÇÃO
“Macunaíma campeou campeou mas as estradas e terreiros estavam apinhados de cunhas tão brancas tão alvinhas, tão!... Macunaíma gemia. Roçava nas cunhas murmurejando com doçura: "Mani! Mani! filhinhas da mandioca..." perdido de gosto e tanta formosura.” P.27
MATÁFORA
“No fundo do mato-virgem...” P.2
HIPÉRBOLE
“O herói picado em vinte vezes trinta torresminhos bubuiava na polenta fervendo.” P.32
“O herói pulou dando um grito que encurtou o tamanho do dia.” P.137
EUFEMISMO
“Ainda lhes difere o físico, tanto ou quanto monstruoso, bem que de amável monstruosidade, por terem elas o cérebro nas partes pudendas, e como tão bem se diz em linguagem madrigalesca, o coração nas mãos.” P.61
SINESTESIA
“Macunaíma bateu e uma vozica mui doce gemeu de lá dentro:
— Quem vem lá!
— É de paz!” P.115
• RESUMO DA OBRA
Macunaíma nasceu numa tribo amazônica (Tapanhumas). Lá passa sua infância, mas não é uma criança igual as outras do lugar. a primeira infância, revelava-se como um sujeito “preguiçoso”. Ainda menino, busca prazeres amorosos com sua cunhada, foi com ela que ele aprendeu a “brincar”. Tem dois irmãos, Maanape e Jiguê.
De tanto aprontar, foi abandonado pela mãe no meio do mato. Topou com o Curupira e depois com a cotia que jogou-lhe em cima calda envenenada de mandioca. Isto fez Macunaíma crescer, atingindo o “tamanho dum homem taludo”.
Encontra Ci, a Mãe do Mato e inventa com ela lindas e novas maneiras de brincar. O resultado disso é o nascimento de um curumi, que morreu depois de mamar no peito de Ci, envenenado pela Cobra. Enterrado o filho, Ci também morre deixando o herói só, deu a ele sua muiraquitã famosa e subiu pro céu, transformando-se numa estrela.
Fica desesperado com esta perda, até que descobre que a sua muiraquitã havia sido levada por um mascate peruano, Vesceslau Pietra, o gigante Piamã, que morava em São Paulo. Depois da descoberta do destino de sua pedra, Macunaíma e seus irmãos resolvem ir atrás dela para recuperá-la. Piamã era o famoso comedor de gente, mas mesmo assim ele vai atrás de sua pedra.
A partir daí a história começa contando as aventuras de Macunaíma por todos os cantos do Brasi, na tentativa de reaver a sua "muiraquitã" que fôra roubada pelo Gigante. O gigante cai na água fervente e o cheiro de seu couro cozido, além de matar todos os ticoticos da cidade, provoca o desmaio de Macunaíma. Quando se recupera, o herói apanha a muiraquitã e volta pra pensão. Piaimã morto e reconquistada sua muiraquitã, Macunaíma, Maanape e Jiguê são novamente índios e resolvem voltar para o distante Uraricoera. Nesta viagem de volta feliz, o herói teve novas aventuras amorosas, lembrando com saudade da vida que levara em São Paulo: encontra-se com Iriqui e com uma linda princesa que tinha sido transformada num pé de carambola. Com sua muiraquitã, o herói faz uma mandinga e o pé de carambola vira uma princesa, com quem tem vontade de brincar, mas não pode, pois são perseguidos pelo Minhocão Oibê. Graças a uma nova mandinga, o herói transforma Oibê num cachorro-do-mato, de rabo cabeludo e goela escancarada. Como Macunaíma agora só queria brincar com a princesa, Iriqui fica tristíssima e sobe pro céu, chorando luz, virando uma estrela.
Finalmente, chega ao Uraricoera e, ao passar por um lugar chamado Pai da Tocandeira, reconhece suas raízes e chora: a maloca da tribo era agora uma tapera arruinada. Uma sombra leprosa devora seus irmãos e a princesa, e o herói fica “defunto sem choro, no abandono completo”, sem forças para construir uma oca, ata sua rede em dois cajueiros no alto da barranca junto do rio e assim passa seus dias “caceteado e comendo cajus”. Todas as aves também o abandonam, ficando somente um papagaio pra quem o herói conta todos os casos que lhe tinham acontecido. Graças a este papagaio é que se salvou do esquecimento a história do herói.
Em um dia de muito calor, o herói acorda sentindo umas “cosquinhas”, que até lhe parecem feitas “por mãos de moça”. Era a vingança de Vei, a Sol, tramando para mata-lo de vez. Macunaíma lembra-se de que há muito não brincava e vai tomar banho num lagoão, pensando que a água fria viria amortecer seus desejos de amor. O herói, encaminhando-se para a água, enxerga lá no fundo “uma cunhã lindíssima”, ora branca de cabelos louros, ora morena de cabelos negros, que começa a tentá-lo com danças e meneios. Macunaíma hesita, temeroso, mas acaba mergulhando na lagoa, desvairado pelos encantos irresistíveis da uiara. Esta o mutila, devorando-lhe uma perna, os brincos, os cocos-da-baía, as orelhas, os dedões, o nariz e os beiços. Desaparece também com sua muiraquitã: o herói pula e dá “um grito que encurtou o tamanho do dia”. Tem ainda força para lançar plantas venenosas no lagoão, matando peixes, piranhas e botos que lá estavam. No afã de recuperar seus tesouros, Macunaíma abre-lhe as barrigas e o que encontra reprega no corpo mutilado, com sapé e cola de peixe. Não consegue, todavia, reconquistar a perna nem a muiraquitã, “engolidas pelo monstro Ururau”. E assim tudo se acaba. Macunaíma, mutilado, vai bater na casa do Pai Mutum, que, com dó dele, faz uma feitiçaria e transforma-o na constelação da Ursa Maior. “Ia pro céu viver com a marvada. Ia ser o brilho bonito mas inútil porém de mais uma constelação.”
[...]
“Então Pauí-Pódole teve dó de Macunaíma. Fez uma feitiçaria. Agarrou três pauzinhos jogou pro alto fez encruzilhada e virou Macunaíma com todo o estenderete dele, galo galinha gaiola revólver relógio, numa constelação nova. É a constelação da Ursa Maior.
Dizem que um professor naturalmente alemão andou falando por aí por causa da perna só da Ursa Maior que ela é o saci... Não é não! Saci inda pára neste mundo espalhando fogueira e traçando crina de bagual... A Ursa Maior é Macunaíma. É mesmo o herói capenga que de tanto penar na terra sem saúde e com muita saúva, se aborreceu de tudo, foi-se embora e banza solitário no campo vasto do céu.”
• REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Macuna%C3%ADma – acessado em 29/06/2011
MOISÉS,Massaud. História da literatura brasileira. vol. III. Modernismo. São Paulo: Cultrix, 2001
NICOLA, José de. Literatura Brasileira: Das origens aos nossos dias.10ª Ed. São Paulo: Scipione,1994.
Mario_de_Andrade_-_Macunaima___[Livro_Completo] em PDF
Acessado: 05 de março de 2011