Educação contra bárbarie
A partir da década de 1930, na Alemanha, um grupo de intelectuais se reuniram ao redor de um instituto de pesquisas que ficou conhecido como Escola de Frankfurt. Estes pensadores tinham em comum sua orientação marxista, mas também uma busca por um marxismo mais crítico. Alguns dizem que do marxismo eles apenas pegaram o conceito de classes sociais e ideologias, outros contudo afirmam que eles se aprofundaram em um tema então menor no marxismo - a superestrutura (cultura, política, psicologia, etc).
De qualquer forma, em um ponto todos concordam: estes intelectuais trouxeram uma contribuição muito original para a filosofia ao utilizar conceitos da psicanálise e até da filosofia kantiana para discutir os limites do esclarecimento. Esclarecimento aqui é entendido como a racionalidade em ação. Talvez o livro mais emblemático seja Dialética do Esclarecimento de Theodor Adorno e Max Horkheimmer, onde estes autores tentam demonstrar como o esclarecimento possui seus limites e se não os reconhecermos entraríamos na bárbarie mais uma vez.
O grande tema dos pensadores de Escola de Frankfurt foi o fascismo, movimento este, aliás, responsável pela saída destes homens da Alemanha com a ascensão de Hitler ao poder a partir de 1933. O fascismo, para todos eles, era o maior exemplo de irracionalismo e bárbarie que a história teve até hoje. Adorno acreditava que o fascismo era a maior prova de que o capitalismo e o esclarecimento tinha chegado ao seu extremo. Segundo o pensador alemão, a civilização é construída pela necessidade do homem dominar a natureza e sua natureza (seus impulsos). Impulsos esses que não podem ser anulados, afinal são parte de nós. Quanto mais os reprimimos, eles se voltam contra nós mais forte ainda. O esclarecimento é uma tentativa de dominar esses impulsos. A ilusão do esclarecimento de que pode controlá-los completamente ajuda que eles aflorem e sejam justificados pela razão (é o caso do colonialismo: uma dominação que tinha como pretexto o ideal evolutivo e etnocêntrico).
Assim sendo, temos de esclarecer o esclarecimento. Lembrá-lo de seus limites. Só não perdendo de vista que criticá-lo não significa abandoná-lo. Ainda que possua seus limites ele ainda é o melhor que temos para lutar contra a bárbarie. Como esclarecer o esclarecimento? Através da educação. Num artigo chamado Educação após Auschwitz Adorno propôe uma diretriz para a educação: "A exigência de que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação." A educação tem o papel, assim, de impedir que a civilização se torne bárbarie. Adorno apesar dessa diretriz não constrói um plano de ensino detalhado. Apenas defende que a educação para atingir esse objetivo tem de ensinar os indivíduos a serem independentes (e não individualistas ou alienados, o que contribuiu, aliás, para a difusão do fascismo) e começar a superar a oposição campo e cidade (afinal, no campo ainda sobreviviam formas de dominação arcaicas que se aproveitavam da pobreza e da alienação de seus moradores).
Mesmo depois do fim da Segunda Guerra Mundial, Adorno continuou preocupado com a bárbarie, mas principalmente com aquela que poderia vir com a sociedade integrada (termo que utilizava para definir uma sociedade que estava muito bem organizada e dispunha de instrumentos eficazes para dominar seus indivíduos). Vivendo agora nos EUA, Adorno enxergava na mídia um desses instrumentos da sociedade integrada para alienar as pessoas. Chamou este instrumento que começava se expandir com o final de guerra de indústria cultural, ou seja, o capitalismo já tinha avançado tanto que agora chegava na esfera da arte, produzindo em larga escala "obras de arte" e "opiniões formadas" esvaziando-as assim de seus sentido original. Como dissemos a preocupação de Adorno é que estes instrumentos, que se demonstravam então muito eficazes (principalmente ao venderem a imagem do American Way of Life para os EUA e para o mundo), produzissem mais um exército de alienados para um futuro fascismo, agora abastecido com novas técnicas e armas criadas pelo esclarecimento (bombas atômicas, guerras biológicas, por exemplo). Por isso a autonomia era, para Adorno, o objetivo mais importante para deter a bárbarie. Autonomia se alcança através de uma educação crítica, ativa e não mais passiva como vinha então sendo feita na Alemanha e em boa parte do mundo dito civilizado.
(Caminhos da História, 13 de maio de 2011)