O PALCO DO MUNDO 2

Por

Frassino Machado

II

Tomámos o combóio expresso às oito e quarenta e cinco minutos na Gare West, de Nova York, em direcção a Columbus, no Ohio. A nossa viagem foi, em si mesma, admirável e cómoda não só pelo combóio especial mas,principalmente, pela panorâmica continuadamente deslumbrante e pelos serviços permanentes à disposição dos passageiros. Ou não estivéssemos nós no coração da América - o Éden do mundo que temos...

Próximo da estação acolhedora ficava entretanto a Universidade para a qual nos dirigimos – eu, o Talavera e o nosso amigo Mac – uma das mais

conceituadas do Novo Mundo. Estamos na Columbus International University. No seu Auditório número sete decorreria, pelas dezasseis horas desse dia 30 de Outubro, a Conferência de Imprensa que oporia frente a frente os dois grandes Candidatos à Presidência dos Estados Unidos : Georg W. Bush e John Kerry. Eram quinze horas e quarenta e cinco minutos. Eu e os meus dois companheiros, após termos passado por mil e uma provas de segurança e termos apresentado as nossas prerrogativas profissionais e respectivas credenciais, actualizadas pelos serviços do F. B. I., fomos tomar lugar na fila e números a nós destinados.

- Ó amigo Mac, já viu que coincidência ? Estamos na Fila sete, nos números cinco, seis e sete e trazemos preparadas sete perguntas convencionais e não temos mais que sete minutos ? - É verdade, respondeu o Mac, até faz lembrar a saga bíblica dos dias da Criação! - Boa, dispara o Talavera. - O amigo Mac, logo tinha que associar a Bíblia ao seu metier! Eu sorri-me da expressão oportuna do espanhol mas não pude deixar de com ele concordar. O Mac, devido à sua ligação aos fiéis da Igreja Metodista, teria mesmo de aproveitar a circunstância para nos inserir num ambiente assaz favorável e ético, quanto baste, para se pôr a coberto das sempre inoportunas investidas mais laicistas dos seus amigos ibéricos. - Ó Talavera, o Auditório está ficando composto. Já está mais de meia casa, pelo menos. E era certo. Ainda estavam entrando alguns estrangeiros mais e uns tantos americanos. Um ou outro nosso conhecido. Neste momento ouve-se o sinal sonoro de que vai chegar gente importante. Por uma das laterais do Palco, em frente, entram mais ao menos ao mesmo tempo os dois contendores do Poder de momento: Bush e Kerry. E com eles algumas personagens, semi-fardadas com requinte, supostamente seguranças de elite. No meio do grande Palco estavam duas mesas rodeadas de flores e separadas por cerca de dois a três metros. Atrás delas estavam dois cadeirões, para onde se dirigiram os Candidatos. Ao fundo, alinhadas com as duas mesas, viam-se duas silhuetas projectadas por dois focos de luz. Duas bandeiras americanas. De imediato ouve-se uma interpretação do Hino Americano, à qual todos corresponderam com levantarem-se e, como é óbvio, cantarolámos. Não esquecemos o lema de que "em Roma, sê romano". Por isso mesmo, a nossa cortesia. Fomos agraciados com palavras de boas-vindas pelos dois Candidatos, o que era prenúncio de boa disposição por parte deles. Eles não esqueciam que, chegada a hora das grandes decisões,os cidadãos americanos mostram-se sempre identificados com gestos de simpatia, cordialidade e optimismo!

..................................................

Chegada a nossa vez , como havíamos combinado em Vanderhill, dias antes, calhou-me a mim apresentar as perguntas às quais responderiam alternadamente cada um dos visados. Por decisão, ali concertada de início, começaria a responder, primeiro Bush e, na seguinte, primeiro Kerry.

- Pois, sr. George Bush, o senhor atacou o Iraque, e agora ? B - Bem, agora o futuro é dos Iraquianos, com a ajuda da O. N . U. E das

outras Nações amigas. Tratou-se apenas, e só, de uma "guerra preventiva". K - Quanto a mim, concordei com a guerra, mas nunca como foi feita. Acho que humanamente "guerras preventivas" estão fora-de-lei. Portanto... - Sr. John Kerry - pergunta o Talavera - no que diz respeito ao Terrorismo e à Segurança, o que projecta como medidas imediatas ? K - Penso em nomear quadros altamente competentes e suficientes para cada um dos sectores mais sensíveis do nosso país. Além disso proporei a criação de uma força de intervenção especializada, de cerca de quarenta mil efectivos para combater com sucesso e para sempre a ameaça terrorista. B - A minha aposta vai na intenção da continuidade,sem subterfúgios, da chamada Guerra das Estrelas, um pouco posta de lado, para que o prestígio da nossa Nação seja reforçado e o respeito pelos americanos volte a ser uma realidade. - Sr. George Bush - pergunta o Mac – no que respeita à economia nacional, impostos e emprego, qual a sua melhor proposta ?

B - Começarei por exigir de imediato a redução do défice orçamental em cerca de 521 mil milhões de Dólares e incentivarei o outsourcing

( subcontratação de serviços ) para criar emprego e conquistar novos mercados externos... K - Tenho uma proposta de criação de 3 milhões de empregos, nos primeiros 500 dias de mandato. Sou contra o outsourcing, evidentemente. Revogarei as reduções de impostos para os que ganham mais de 200 mil dólares por ano, a fim de ajudar a pagar o sistema de saúde e mantê-las-ei para a classe média. Reforçarei os orçamentos da defesa, segurança e educação. E reduzirei metade do défice orçamental nos primeiros quatro anos de mandato, acabando com a redução de impostos para as empresas. - Sr John Kerry - pergunto eu - relativamente à saúde, para lá da redução de impostos aos que acedem facilmente a ela, o que propõe ? K - Reduzirei o número de pessoas sem seguro em 27 milhões, alargando a todos os americanos o plano de saúde dos funcionários federais e dando subsídios e incentivos fiscais às empresas seguradoras. Proporei a importação de medicamentos genéricos, por exemplo do Canadá, mais baratos. B - Sensivelmente concordo com estas medidas, às quais adjudicarei a promoção de contas-poupança-saúde, tornando-as livres de impostos. - Sr. George Bush - perguntou Talavera - pretende manter os Estados Unidos da América fora do Protocolo de Quioto ? B - Nessa matéria não haverá alterações substantivas. Futuramente

reveremos os Dossiers e as oportunidades que os E.U. estudarão como fiáveis à nossa economia e, além disso, continuaremos a construção de novas e mais modernas e seguras centrais nucleares.

K – Incentivarei sempre que possível a Indústria automóvel com reduções fiscais direccionando-a para a opção de carros mais económicos e menos poluentes. Comigo não haverá tão cedo mais centrais nucleares, a não ser a segurança das existentes, e promoverei a ratificação do Protocolo de Quioto. - Sr. John Kerry - perguntou o Mac - qual a sua posição no que respeita ao aborto e às investigações em células estaminais ?

K - Como sabe, eu sou contra o aborto, no entanto apoiarei sempre o direito constitucional da interrupção da gravidez, em casos especiais, e também acho que o planeamento familiar deve estar sempre na ordem do dia. Quanto à investigação com células estaminais, apoiá-la-ei, desde que «eticamente orientada» pelas Igrejas confessionais que temos. B - Sou contra o aborto e contra o uso de fundos federais que o facilitem. E penso duplicar para 273 milhões de dólares para programas que advoguem a abstinência. Comigo não haverá investigação com células estimarias, nem embriões, uma vez que acho existir aí a "destruição da vida". - Sr. George Bush - interpelei eu, com a nossa sétima pergunta - quanto a direitos cívicos, qual a sua principal bandeira ? B - Primeiro, proporei uma emenda constitucional, em que o casamento seja definido como a união entre um homem e uma mulher. Em segundo, defendo a pena de morte e, em terceiro lugar, continuaremos e reforçaremos, se necessário, o Patriot Act, contra o Terrorismo, nem que seja à custa de algumas das nossas mais sagradas e reconhecidas liberdades... K - Oponho-me ao casamento entre gays, sou contra a pena de morte, excepto em casos graves de terrorismo. Pretendo alterar, oportunamente, o Patriot Act, embora tenha votado a seu favor, no Senado. Agora, chegámos ao ponto crucial da nossa última pergunta cada um, pergunta essa genuína e que os candidatos não conhecem. - Sr. John Kerry - começou o Talavera - para além de vocês os dois, o que pensa dos outros candidatos à eleição ? K - Respeito-os, têm as mesmas competências que nós e desejo-lhes sorte para o seu desempenho.

B - Não me vou pronunciar, já que não os conheço, apenas direi que, se ganharem, faço votos que possam cumprir competentemente as suas funções. - Sr. George Bush - perguntou o Mac - assistimos hoje ao aparecimento, em televisão estrangeira, de uma gravação do Bin Laden a ameaçar a América. Que pensa disto ? B - Sempre o mesmo canalha! Julga, decerto que temos medo dele? Nem pensar. A nossa luta continuará contra esse « eixo do mal » ... K - O nosso dever, como patriotas é lutar contra esta situação. Seremos duros, mas justos. Comigo a América será respeitada! - Sr. John Kerry - ultimei eu - permita-me que lhe pergunte finalmente. Consta que o financiamento dos dois Candidatos, nesta Campanha, orçou os dois mil milhões de Dólares, cada. Não seria mais justo, menos Campanha e melhor aplicação de fundos para a Nação ? K - Concordo. Desde que os representantes da União assim o decidirem. Serei dessa opinião. Quanto às verbas referidas, é certo, foram elevadas. Mas também lhe digo : para grandes tarefas, grandes investimentos. Esperemos, positivamente pelos resultados. B - Sabe que, como diz o povo, "não se caçam moscas com vinagre". A causa é boa, além de que estamos na «onda da boa vontade». Quando todos ajudam nada custa. Quanto às verbas apontadas... nunca faço as contas quando as expectativas se elevam. Além disso todo o cidadão sabe que quanto mais valorizado estiver o seu Candidato, maior prestígio e perfomance ele alcançará e daí se esperarem os respectivos dividendos.

Chegámos ao fim da nossa "aventura" que reputámos, desde agora, de altamente elucidativa no contexto da realidade política americana e fundamental para a nossa missão de co-responsabilização na comunicação, na educação cívica e na cultura, as quais se impõem como dever colectivo. Nós, os três amigos, daremos por bem dada a nossa aposta se, a partir desta tarefa, o grau de cidadania de quem nos ler vier a alcançar um patamar cada vez mais alto no horizonte do senso comum.

Columbus, 31 de Outubro de 2004

Frassino Machado

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 01/12/2006
Código do texto: T306839
Classificação de conteúdo: seguro