O 25 DE ABRIL E OS TRÊS "D"

PARA ALÉM DOS TRINTA ANOS

Artigo crítico de

Frassino Machado

Durante quase toda a segunda metade do Século XX – período fundamentalmente vocacionado para a ampla autonomização dos povos subjugados – nenhum país acorreu tão rapidamente para a concretização deste desiderato como Portugal. Não aquele Portugal colonialista e imperialista, historicamente caduco no sentido do desbravamento de novas vias de progresso, mas o Portugal renovado e restaurado, na noite de 24 para 25 de Abril, do ano da graça de 1974.

Este Portugal renascido das cinzas daquele que foi o Estado Novo o qual, contrariamente ao que ostenta o seu próprio conceito de Estado, nada de novo trouxe à sua História a não ser o progressivo afastamento do concerto das Nações mais civilizadas. Estava reservada, só agora, mas a tempo de entrar para o combóio da História, esta tarefa a que alguns cidadãos de coragem – conhecidos como militares de Abril – lançaram ombros decididamente.

Esta histórica façanha, de início aparentemente tímida, veio a revelar-se de seguida, para espanto de muito boa gente, como um movimento oportuno e imparável que fez, em menos de dois anos, desabar o velho edifício imperial , já em ruínas e condicionado por inibições históricas ancestrais. Dele nasceu um Novo Portugal, uma Nova Nação, um Novo País e um Novo Povo ! Novo Portugal, com uma nova e moderna História ; Nova Nação, nascida de uma pluralidade de Nações à deriva e sem futuro, mas capaz de lhes dar um sentido para a sua própria identidade; Novo País, com uma postura social e política mais consentânea com a actual linha histórica do Mundo moderno e, finalmente, Novo Povo, caracterizado por uma dinâmica mais equilibrada, mais justa e mais fraterna. Esta seria a Ideia, este seria o Projecto.

Todavia, se nas mentes dos revolucionários de Abril – englobo aqui todos aqueles que subscreveram algo de novo, durante a Revolução dos Cravos – esteve a força das suas convicções e a fé no sucesso das mudanças a realizar, talvez não morasse lá a prudência e a clarividência q.b. que fizesse clarear os condicionalismos, entretanto emergentes, para a tomada de decisões as mais sábias e oportunas para cada caso. Assim, muitas foram as contradições, muitos os dilemas que, naturalmente, fizeram com que se abrissem brechas no Projecto original ideal – quem não se lembra da célebre trilogia dos três «D» : descolonizar, democratizar e desenvolver ? – que deram lugar ao surgimento de interesses oportunistas de todos os quadrantes de minorias pseudo-iluminadas que, pouco a pouco, se foram infiltrando nas mais variadas estruturas do tecido social , provocando naturais choques decisórios, contribuindo para que o evoluir do « Projecto de Abril » se viesse a tornar por assim dizer amorfo e, em si, em muitos aspectos, pouco eficaz. Daí que o terceiro dos «D» tenha sido aquele que pela sua natureza esteja menos visível. Contraditoriamente à força com que o Projecto, na sua aplicação, se iniciou tem correspondido, ao longo dos anos, uma evolução de carácter circunstancial e, direi mesmo, formalmente instável.

Grandes foram as tarefas realizadas, significativas e profundas as mutações mas, em última instância, na alma da sociedade lusitana as energias volitivas mais eficazes não chegaram a ser despoletadas. Daí que, passadas que foram já três décadas, temos a sensação de que já nada acontece de novo na nossa sociedade e no nosso quotidiano.. Ao mesmo tempo as novas gerações, entretanto advindas, já demonstram desconhecer a verdadeira mensagem de Abril. Por outras palavras, «Abril» já nada diz às novas gerações e se a Revolução inicial ( a dos Cravos ) não teve na hora que lhe competia o eco profundo na mente dos cidadãos – criando nela uma fonte permanente de convicções e de crenças – também não é de admirar que não se tenha dado aquela imperativa mudança para a necessária Evolução que se impunha. Esta, sim, a acontecer, viria a constituir para todo e qualquer cidadão consciente, contrariamente à saga das frustrações em catadupa que por aí vegeta, um lenitivo e uma enorme motivação para encarar o espírito de Abril com todo o patriotismo e optimismo.

Depois de Abril muitas e divergentes foram as expectativas geradas.

A Descolonização aconteceu – bem ou mal ..., não queremos ter a presunção de elaborar demagogicamente juízos éticos – mas, uma coisa é certa, no espírito de muitos ficou a nostálgica decepção da ignóbil distribuição dos lucros a haver. Ou seja, a parte de leão esvaiu-se na confusão dos conflitos e polémicas pós-coloniais tendo apenas alguns, como é óbvio e a história ensina, beneficiado das circunstâncias entretanto ocorridas.

A Democratização é, ninguém o pode negar, um facto consumado. Todavia parece-nos, por vezes, que a força das leis não é suficientemente eficaz nem contundente para gerar no íntimo de todos a consciência de que a justiça social e as oportunidades são já igualitárias. E reconhecemos que muito há a fazer neste campo, para que toda a sociedade possa sentir-se portadora daqueles direitos e garantias de que muito se fala... mas pouco se confirma.

O Desenvolvimento do País e da sua população se, num dado momento, se chegou a criar uma expectativa de certeza e de confiança, na transição e mudança do nosso “estatuto atlântico” para o “rumo da Europa” – vulgo Comunidade Europeia – passado este trinténio tem-se vindo a cristalizar no espírito da Nação Portuguesa a nefasta ideia de que essa realidade não passou de pura ilusão e que agora, no confronto das realidades concretas do europeísmo estamos a assistir a uma constatação de descrença nesse projecto. Passou-se da ilusão para a desilusão , tal é o efeito da consciência cada vez mais sólida de que o fosso existente entre os países nucleares do “Projecto C.E.”, vulgarmente designados de GRANDES, e os Outros, é cada vez maior. Quanto mais os Portugueses conhecem a Europa mais convictos estão de que não passam de “enteados” da Comunidade.

Posto isto, sem nos arvorarmos em alarmistas e/ou eurocépticos, pois desde a primeira hora sempre fomos e continuaremos a ser seguidores convictos do destino histórico dos Povos – e a Destinação do Povo Português, ou seja o quarto «D», acreditamos ser mesmo este da Comunidade Europeia – compete-nos a todos assumirmos a nossa condição de cidadãos comunitários de pleno direito criando em nós um élan energético para fazermos do nosso quotidiano um laboratório pragmático de renovação permanente no sentido da construção de um futuro melhor para cada um de nós e, quanto possível, do nosso colectivo social. Desta forma, procuremos confrontar e ultrapassar este já quase crónico pessimismo nacional com atitudes de empenhamento, de criatividade e originalidade, apostando numa maior qualificação e determinação, tendo em conta, nesta dinâmica, uma selectividade de valores condizentes com a « maneira de ser portuguesa » afastando, a cada hora que passa, todo e qualquer complexo de sermos “povo menor” e destinatários das sobras alheias.

Nós acreditamos que fazemos parte daqueles cidadãos nacionais capazes de transformar as realidades mais abjectas e inóquas em iniciativas criadoras de entusiasmo, de esperança e de verdade, tendo como meta imediata a construção de um PORTUGAL MELHOR.

Artigo escrito por alturas das

«Comemorações do 30º Aniversário do 25 de Abril»

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 01/12/2006
Reeditado em 01/12/2006
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