NOVOS ATORES, REPRESENTANDO A MESMO ATO
Alguém está frente a um espelho enquanto ajeita a cartola, passa a mão sobre o preto paletó, lança um olhar de soslaio a fim de verificar se está elegante e depois de girar a bengala de madre-pérola, sorri. Deixa a sua casa onde dirigi-se até a praça do pequeno vilarejo onde dois homens discutem.
– Olhe bem o que eu tô lhe dizendo: o Dr. Felício é o homem certo para assumir a prefeitura. Ele tem boas intenções, é um homem inteligente, de cidade grande... E melhor dizendo - vai trazer o progresso para esta joça!
E novamente a outra voz estala aos seus ouvidos...
– De bem-intencionados o inferno está cheio. Ele teve o primeiro mandato e nada fez – continuou – se não fez na primeira vez, você acha que vai fazer agora?
– Bem... Da primeira vez ele ainda era um homem inexperiente, sem formação política nenhuma; um fracote, pra bem dizer.
– Fracote são todos que aproveitam da fé dos eleitores e lhes dá uma banana.
– Largue de ser besta, homem. Dr. Felício é a pessoa mais sensata que existe. É um homem bem casado, um excelente pai de família. E bem dizer, que...
Suas palavras foram entrecortadas por um visitante que a poucos metros ouvia o debate onde os astros principais não estavam presentes para tomar partido.
– Senhores, Senhores... por que esta discussão sem pé nem cabeça? Posso lhes dizer uma coisa: santo de casa não faz milagres, vejam vocês, eu, homem simples, de gestos discretos, humilde, como vocês sabem... Ouso até dizer-lhes, homem sem pretensão, de repente sinto-me comprometido com essa discussão... sinto-me responsável por esta comunidade sem perspectivas de progresso, sem perspectivas de vida... Repetindo, sinto-me responsável em tomar partido dessa prosa tão importante no que diz respeito a administração política deste município.
Os homens que antes falavam, ficaram a observar aquele que lhes falava e, boquiabertos, ficaram a ouvi-lo...
– Pois é, senhores. Quem mais teria condições a fim de concorrer a administração desta cidade? Deixe-me lembrar...
Colocou o indicador nos lábios e não demorou mais que alguns segundos para ele mesmo responder.
– Eu! Imaginem, vocês; a solução tão próxima, e ninguém nem ao menos teve a idéia, afinal, uma excelente idéia. Pois eu reconheço, com toda a minha modéstia, ser a pessoa apropriada para o que vocês necessitam.
Ao sentirem a rapidez na escolha da sua própria candidatura, os homens se entreolharam e um ainda resolveu opinar...
– Bem, mas foi o senhor mesmo que se escolheu e...
Antes de concluir a frase...
– Quem mais me conhece que eu mesmo? Me respondam, senhores! Quem mais me conhece que eu mesmo?
– Sim, mas o senhor não tem esse direito de...
– Como não, meu amigo?! Por acaso um dos senhores iriam me escolher?– falou, enquanto abraçava o séptico.
– Não, mas... o senhor não tem o direito de se auto escolher.
– Como não, meu querido compatriota? Estamos em uma democracia amigos, todos nós temos esse direito. Ou não estamos em uma democracia?
– Olha, nisso o senhor está certo, moço, mas eu estava falando há poucos instantes sobre o Dr. Felício e, na minha opinião, ele é a pessoa mais indicada. Não que eu tenha nada contra o senhor, mas, o senhor é novo nesta cidade, nós pouco o conhecemos... o senhor entende, não?
– Não. Eu não entendo. Como os senhores também sabem que santo de casa não faz milagres, o que esse tal de Dr. Felício fará por vocês? Como o nobre cavalheiro estava falando com você quando eu me intrometi na prosa... O que este cidadão fez pelo município? Pelo que eu entendi, nada! Estou certo ou não?
– Mas como eu também estava justificando ao meu amigo, ele era um homem sem nenhuma experiência e isso já o faz inocente por nada ter feito por nossa cidade.
– Meu caro jovem, esse negócio de dizer que não tem experiência, é tudo um meio de enganar; um meio de passar mel na boca de todos os seus eleitores – continuou - eu não. Eu tenho projetos audaciosos, fantásticos. Para que tenha uma idéia, vou irrigar todo esse povoado. Vou trazer água potável do Rio São Francisco e todos os terrenos áridos que estejam nessas redondezas serão irrigados e posso até mesmo jurar.
– Mas moço, como podemos saber se o que senhor está prometendo vai cumprir? Todos prometeram essa mesma irrigação. Aliás, todos os candidatos que aqui passaram. Se a irrigação fosse cumprida, há mais de um século que não teríamos problemas de seca.
– Bem... Primeiro vocês têm que confiar na minha palavra e...
– Mas na outra eleição o candidato, que estávamos falando, falou a mesma coisa.
– Todos falam. Todos prometem mas... eu... Eu posso vos garantir que sou o único que farei algo por essa comunidade carente! Eu, que vocês imaginam pouco conhecer, serei a melhor opção que todos vocês têm. Afinal, se não me derem seus votos de confiança, como poderei provar?
Depois de várias horas de incertezas, o outro, que não votava no Dr. Felício, já estava mais que contente com o novo candidato. O outro, o céptico, ficou em dúvida e tanto o candidato prometeu que ele votou na mais nova opção.
Mas, assim que as eleições chegaram ao final, o alguém, candidato já eleito, conseguiu, por fim, retirar a cartola, o preto paletó... e, principalmente, a máscara, a repetir o que todos os candidatos fazem, quer dizer... NADA!
Este trabalho está registrado na Biblioteca Nacional-RJ