Confrontando o lado obscuro

Assistir a Cisne Negro, com Natalie Portman como a protagonista Nina, faz-nos mergulhar em um mundo angustiante, de emoções conflituosas e desejos reprimidos.

Nina é uma jovem e dedicada bailarina que vive exclusivamente para a dança e vê surgir sua grande oportunidade quando a principal bailarina da companhia se aposenta e o coreográfo, Thomas Leroy, resolve procurar uma substituta. Decidida a conquistar a posição, Nina treina duramente. Enquanto vemos as cenas de treino, vamos nos defrontando com o lado feio do balé clássico: pés roxos, sapatilhas arrebentadas, torções e exaustão. Cisne Negro nos mostra o que o palco esconde do mundo das bailarinas, que geralmente só nos são apresentadas como seres etéreos e quase irreais: inveja, vaidade, competição e insegurança.

Lutando para ser escolhida como protagonista de O Lago dos Cisnes, Nina enfrenta o desprezo das colegas, a cobrança da mãe, uma ex-bailarina que abandonou a carreira e que a controla obssessivamente, o ressentimento da estrela principal que será substituída e, mais do que tudo, a confusão que lhe provoca a chegada de uma nova bailarina, Lily. Ao passo que Nina é tímida, contida e oprimida, Lily é livre e intensa, representando as emoções que Nina reprime.

Leroy exige que Nina pare de se concentrar apenas na técnica e deixe suas emoções fluírem e seu lado mais selvagem se libertar para poder representar o cisne branco e o negro. Segundo ele, Nina só poderá interpretar bem o papel se soltar a intensidade que tem dentro de si. Ele a acusa de ser fria e dançar sem sentimentos. Leroy e a mãe de Nina representam forças opostas. A mãe a disciplina o tempo todo, querendo que se proteja dos homens e Leroy a força a soltar sua sensualidade. Pressionada, Nina não sabe lidar com sua angústia e vai mergulhando no desequilíbrio emocional à medida que vai se confrontando com seu lado oculto, que se torna cada vez mais presente, embora ela tente negar sua existência. Apesar de ter 28 anos, Nina é virgem e a mãe a trata como criancinha, controlando sua vida, entrando em seu quarto e insistindo em mantê-la presa à infância. Nas conversas com Lily, Nina vai tomando consciência de sua sexualidade e fantasias mais loucas.

Com tantas emoções contraditórias, sua mente entra em um redemoinho. O filme nos brinda com belas cenas em que Nina se vê no espelho e se defronta com outra totalmente diferente dela, o que nos faz perguntar se ela está ou não alucinando e até quando ela poderá reprimir seu lado escuro.

Traz-nos o filme várias mensagens: Nina não é completa como pessoa por não conseguir assumir o que tem oculto dentro de si. Se permanecer assim, não poderá viver o papel principal. Leroy se queixa que vê nela apenas o cisne branco: pura e virginal. Como tenta agradar a todos, não consegue viver de forma plena. Tenta satisfazer a Leroy, a sua mãe e se vê possuída por uma inquietação que a consome com violência. Vê Lily como uma rival, mas também a admira por ser desinibida e despudorada.

A revolta que a vai consumindo se revela em cenas antológicas, como a parte em que ela joga fora os animais de pelúcia e a caixa de música, mostrando que está, na verdade, livrando-se da infância em que a mãe a mantém e que impede que ela viva como uma mulher livre.

A história do Lago dos Cisnes, em que uma princesa meiga e pura é transformada em um cisne e só pode ser libertada pelo amor de um príncipe e vê o seu sonho se esvair quando o príncipe é seduzido pelo cisne negro e encontra sua liberdade na morte acaba se confundindo com a trajetória de Nina, que tenta escapar do círculo asfixiante em que vive, mas não consegue por não ser capaz de encarar seus medos e anseios mais profundos. Ela só será mais verdadeira e autêntica se permitir que seus sentimentos aflorem e a possuam.

Natalie Portman, com seu físico delicado e interpretação visceral, transmite bem a essência da personalidade oprimida e atormentada de Nina. Somos presenteados com um ótimo elenco, cenas e figurino. Mas o mais importante é vermos que tudo e todos têm dois lados: o belo e o feio, o claro e o escuro, o virginal e o sensual. Nas cenas finais do filme, em que Nina declara que, finalmente foi perfeita, temos uma ideia de que a perfeição só se consegue com sacrifício e de que, muitas vezes, o mais sublime não está neste mundo.