Considerações sobre a proximidade entre o homem barroco e o hodierno
O homem contemporâneo encontra-se em um epicentro de valores morais e éticos. Seja pelo número enorme e crescente de indivíduos da espécie humana, o que contribui decisivamente para a banalização e a massificação do homem, seja pela avalanche de conceitos que foram esmagados com veemência.
Insere-se, neste aspecto, o comentário de que o homem hodierno é um sujeito próximo ao homem barroco. E isto traduz-se, naturalmente, na produção artística. O homem barroco viu-se desesperadamente dividido entre toda a obtusa influência religiosa da Idade Média, e o rompimento causado pelo Renascimento, com o surgimento dos pensamentos humanistas, o antropocentrismo, o heliocentrismo, etc. A visão equilibrada da arte e dos valores renascentistas seduziram aqueles que viam na Igreja um enorme entrave para a liberdade criadora. Se, por um lado, o homem descobria-se e firmava-se enquanto centro, por outro via-se um tanto desamparado com a descoberta de elementos que violentavam seus princípios religiosos. Novos continentes - onde acreditava-se haver o "fim do mundo", a posição da Terra em relação ao Universo, e a dimensão deste; o método científico, a desmoralização dos valores medievais. O homem barroco é a encarnação de um homem dividido entre as mãos de Deus - punitivas, em caso de desobediência, mas sempre dispostas ao perdão e à reconciliação com a sua Igreja e com Ele - e o deslumbre do Universo a se desbravar. É um homem irregular, labiríntico.
Coube ao Classicismo reestabelecer a arte concêntrica, à medida em que os valores burgueses triunfaram na Europa. O homem pareceu convergir para sólidos e estáveis valores morais. O Romantismo trouxe conceitos morais e estéticos que elevaram o homem a um patamar de pureza: sempre retratável, ético, belo. Tais conceitos sobreviveram por muito tempo, e pouco a pouco foram desabando. Tudo o que aconteceu no mundo, desde as Grandes Guerras, os genocídios, a explosão da intolerância religiosa e étnica, a chegada do homem à Lua, a terceira revolução tecnológica, a reconhecida falência do liberalismo como forma de riqueza coletiva, o fim do bloco socialista e a hegemonia americana no mundo, entre outros fatos acrescentados dia a dia, hora a hora, minuto a minuto, vão afastando a aparente estabilidade mundial e devolvendo a humanidade à sua sorte.
Cabe à arte contemporânea, portanto, corresponder às expectativas do homem hodierno, fazendo-o reavaliar conceitos, recriar sua realidade segundo novas perspectivas. Claro que a reinvenção da própria arte - agora, mais que nunca, livre, sujeita apenas à vontade criativa do autor - foi um imenso passo dado nesta questão. Mas resta contribuir ainda mais para a compreensão do mundo ilógico e eticamente instável no qual vivemos.