:::: Os sentidos do amor - Audição ::::
E o relógio girava os seus ponteiros numa velocidade anormal. Um tanto ínfima. Talvez.
Sem parar.
A sala vazia e escura se enchia de lembranças, algumas boas, claro. Outras nem tanto, e por isso, eram levemente apagadas por um ou dois goles de Vermute. O rosto sério e enrijecido poucas vezes mostrara um sorriso. Os lábios duramente fechados eram, na maior parte do tempo, mudos. Davi era um cara de poucas palavras, de raras demonstrações de afeto, de mínimas expressões relevantes. Enfim, ele era uma voz de nenhum “Eu te amo!”. E isso era o que, de fato, mais incomodava Camila.
Apenas um banco de praça, algumas folhas de um outono fugaz caídas pelo chão e um olhar que mirava o horizonte eram suficientes para aquela alma sonhadora. Ela era uma garota de infinitos vocábulos, de imensos abraços e beijos, de radiantes expressões diversas. Enfim, ela era uma sonora voz de “Ei, beije-me amor!”.
Os ponteiros “tictaqueavam” em ruídos simultâneos que faziam a mente de Davi arder.
Mais um gole amargo e uma busca quase cega pelas chaves do carro que estavam encima da mesinha ao lado do sofá. Ele se assustou ao derrubar o copo raso de Vermute no chão, um estrondo e o coração pulou dentro do peito quase que denunciando sua breve desatenção.
Saiu em disparado com caminho certo. Tudo na mente, tudo no coração, esse mesmo coração que mente um tudo que não existia para ele. Tudo planejado, cada palavra, cada gesto, cada olhar tantas vezes desorientado.
Ele tinha tantas interrogações e não conseguia respostas objetivas. Quanto vale o amor? Quanto? É possível duas pessoas se amarem na mesma intensidade e com a mesma verdade? Quem inventou o amor sabia que iria doer tanto? Quem inventou o amor sabia que o coração não agüentaria? Sabia? Qual é o efeito que um “Eu te amo!” causa? É preciso dizer? Porque é tão difícil dizer isso?
Ele a viu de longe, com o mesmo vestido do primeiro encontro. E ela também tinha tantas perguntas sem respostas. Porque nada é como antigamente? O romantismo não sobrevive ao tempo? E o amor? Também não? Porque antes ele gostava desse vestido e agora não? Por quê? Já não sou a “garota mais bonita do mundo”? Em que parte do “Para sempre” tudo isso se perdeu?
Quando ele foi se aproximando, percebeu a expressão de incerteza em Camila.
- Oi...
Ela levantou os olhos sorrateiramente, meio cerrados, escondendo uma lágrima teimosa.
- O..Ooi... – foi o que ela conseguiu gaguejar.
Ele se sentou ao lado dela que se afastou discretamente. Ela olhou para os pés que balançavam inquietos.
-Por que Davi?
-As coisas não duram para sempre...
-As coisas?
-Você sabe...
-Talvez.
-É complicado dizer...
-Sempre foi...
-Não me culpe por minha timidez...
-Não é questão de timidez...
-Eu só não consigo falar o que você quer ouvir... É complicado...
-O que quero ouvir?
-Você sabe... “Eu te amo!”. Pensei que já soubesse disso...
Ela fixou seu olhar em Davi.
- Eu pensei que soubesse...
-Você só sabe me cobrar palavras bonitas e blá blá blá...
-Eu não estou cobrando nada, aliás, eu jamais te cobrei um “Eu te amo!”... Eu jamais te cobraria o que você não tem capacidade de dizer... De sentir...
-Você não me cobra? A todo instante você me diz: “Fala alguma coisa...” E nunca é bom o bastante para você... Nunca!
Ela começou a chorar e soluçar.
-Davi, eu só queria que você me falasse o que sente, eu não sei... Não sei! Eu só queria que você me beijasse quando eu choro... Eu queria que você falasse “Vai ficar tudo bem!” quando eu insisto em acreditar que “Não dá!” Que falasse “Você é linda!” quando o espelho me diz “Não é!”. Que você apenas falasse “Eu também” quando eu admito com todo meu coração que “Te amo!”...
Davi sorriu levemente.
-Estou falando sério Davi...
Ele se aproximou dela pegando-a pela cintura.
-O que foi? – ela perguntou.
Ele olhava fixamente para ela.
-Olhe nos meus olhos ...
-Estou olhando...
-Agora leia tudo isso que me pediu. Não há palavra suficiente que possa traduzir o que meus olhos falam... E eles sussurram: “Eu te amo Camila!
"Ouvir e ler o silêncio de um olhar é mais difícil que escutar um "Eu te amo!" solto ao vento, sem direção!"