Tempo para o prazer
Alguns dias atrás, eu ouvi uma entrevista com o escritor, teólogo e educador Rubem Alves. Adoro esses anciãos de cabelos brancos (ou sem) e faces denunciando os vincos do tempo, mas que também trazem consigo a vivacidade e a sagacidade de uma vida vivida na sua mais ampla acepção. São pessoas vibrantes e de mente inquieta, que fazem do seu Ser uma janela aberta para o transcendental, valorizando o aprendizado e o relacionamento interpessoal. Quando me deparo com uma dessas raras criaturas, fico embevecida e anseio beber da mesma fonte em que elas se saciam.
Rubem Alves brinda-nos com uma experiência rica e madura, que só quem está há muitos anos na estrada da vida é capaz de acumular. De uma simplicidade muitas vezes desconcertante, usa a linguagem popular e os fatos do cotidiano para se comunicar, de uma maneira muito peculiar. Decerto é por isso que o faz com tanta maestria. Suas metáforas são delicadas, lúdicas, singelas, engraçadas, ácidas e algumas têm até um que picante. Seu discurso torna a vida saborosa de ser vivida.
Instigado pelo entrevistador a manifestar as suas inquietações, o brasileiríssimo escritor fez uma afirmação que ficou ecoando na minha mente por vários dias: “o prazer demanda tempo”.
A sociedade vive sob a batuta do tempo. Não fazemos de tudo para ganhar tempo? Fast- food, caixas-eletrônicos, comida industrializada, controles remotos, redes sociais e internet ditam as regras da vida coletiva nos tempos atuais. É inconteste que tudo isso nos trouxe benefícios, mas não podemos olvidar que a alienação e o engessamento também nos espreitam.
E o que fazemos com o tempo adquirido? Será que o empregamos para olhar a vida ou para nós mesmos? Para fortalecer os nossos relacionamentos? Para nos centrar? Para construir a paz entre os homens e um mundo melhor para se viver? Ou será que não sabemos efetivamente o que fazer com esses interregnos e buscamos preencher o vazio existencial com as mesmas coisas que utilizamos para ganhar tempo? Indago se o homem, permanecendo indefinidamente no ritmo louco e frenético da materialidade, não acaba utilizando o sexo, o álcool, o lixo televisivo, a pornografia, o vício, a ilusão e as drogas (aqui se incluem os remédios) na busca insana por preencher os seus vácuos.
Entretanto, no lugar recôndito da morada do Ser, lá onde habita o homem na sua essência, não se ganha tempo, mas sim, gasta-se o tempo, em sentido diametralmente oposto à vida na superfície. E gastando o tempo com os prazeres mais tênues da vida, vamos preenchendo os nossos espaços desabitados, tornando-nos completos, intensos, seguros, fortalecidos, éticos, plenos e íntegros.
Para desfrutar o prazer de ver a vida em sua magnificência, é preciso desperdiçar tempo, deleitar-se, entregar-se ao ócio criativo, como apregoa Domenico de Masi. Como perceber o vermelho intenso da pétala da rosa ou a natureza pungente? Como sentir o cheiro da terra molhada pela chuva? Como perceber a intensa fragrância de uma goiaba madura ou o aroma de um campo de lavanda? Como desfrutar a luz dourada de uma outonal tarde de inverno? Como sentir um poema ou uma sinfonia? Como ouvir o silêncio? Esses são apenas alguns dos prazeres nos quais o homem deveria se perder...
É preciso aquietar a mente, serenar. Na medida do possível, despir-se do desejo de ter e controlar e se entregar aos ciclos naturais da vida, onde tudo nasce e morre para se renovar novamente. Assim, talvez encontremos uma vida plena e repleta de significado e criatividade.