Gregas Tragédias - 11 - OS PERSAS
Ésquilo
Cenário – ao fundo o Palácio Real, diante do qual se reúne o Coro, formado pelos anciãos chamados de “Fiéis”.
Época da ação – em 480 aC. logo após a Batalha de Salamina, na qual Ésquilo lutou e ajudou na vitória grega.
A 1ª apresentação em 472 aC. em Atenas.
Personagens:
1.Atossa, a rainha-mãe de Xerxes (ou Ataxerxes) e a viúva de Dario.
2.Coro – formado pelos anciãos e conselheiros de Xerxes.
3.Fantasma de Dario, filho e sucessor de Ciro, o Grande e pai e antecessor de Xerxes.
4.Xerxes – filho e sucessor de Dario e o Imperador Persa.
Sinônimo:
Iônios – gregos, ou helenos.
Talvez seja desnecessário dizer, por ser auto-evidente, que a maior singularidade dessa peça está no fato dela acontecer entre os persas, inimigos dos gregos. E quando se pergunta o porquê dessa preferência do dramaturgo, vê-se que ele agiu com maestria única, pois como poderia colocar na boca de personagens gregas os textos trágicos, que são a essência óbvia desse gênero, se naquele momento toda a Grécia vivia a euforia da vitória? Não haveria como; então e até para tornar maiores às glórias gregas, o bardo as colocou cantadas pelos inimigos recém vencidos. Nesse espírito, Ésquilo contrapõe a riqueza incalculável dos persas ante a simplicidade dos gregos, a soberba arrogância daqueles em contraponto com a humilde piedade dos helenos, a enorme diferença numérica e de apetrechos bélicos e mais algumas outras divergências que retratam o heroísmo de seus compatriotas.
Desse primeiro fato decorre outra particularidade: essa peça é a única que conta um fato histórico, as guerras médias, da qual Ésquilo participou como soldado. E esse condicionante, aliás, pode justificar certa simplicidade da mesma, pois atado a fatos reais e quase contemporâneos, o poeta viu-se impedido de dar asas à imaginação, como fez em suas outras obras, aqui presentes, desmembradas da trilogia chamada de “Oréstia”. Porém, se o aspecto poético sofreu pequenos prejuízos, houve a compensação em termos de História quando se vê que Ésquilo nomeou detidamente os chefes e povos aliados (ou subjugados e lutando contra sua vontade) aos persas, assim como relatou locais e fatos que serviram para melhor compreensão daquele evento que foi crucial para a manutenção da civilização Ocidental.
A peça ou o texto gira em torno dos fatos ocorridos na Batalha de Salamina, na qual os invasores Persas foram vencidos e escorraçados pelos gregos. As ações dramáticas acontecem em Susa, capital do Império de Xerxes, onde os anciãos se mostram preocupados com a demora e a falta de noticias das tropas; e depois com as conseqüências funestas da derrota.
A peça se inicia com os anciãos do Coro confabulando sobre as forças persas, a reunião dos contingentes de várias nações asiáticas, subjugadas e vassalas da Pérsia; sobre sua teórica invencibilidade e sobre os sentimentos humanos que envolvem os participantes e seus entes queridos, que sofrem por suas ausências. Como se disse no preâmbulo são citados nominalmente vários comandantes aliados, dentre os quais podem ser pinçados os nomes de AMISTRES, ARTAFENES, MEGABATES e ASTAPES, subordinados apenas ao Imperados; e alguns outros chefes, dentre os quais PEGÁSTENES, filho do rei EGITO (epônimo do país), ARTAMES da Tebas egípcia; MASISTES e IMEU os arqueiros por excelência; ARTREU e METROGARTES de SÁRDIS; TARIBIS e MÁRDON da MISIA etc.
Também falam de suas preocupações com um eventual motim, sobre a magnífica ponte1 de barcos que Xerxes construiu no Helesponto e, principalmente da angustiante premonição que sentem, a qual, certamente, é alimentada pela falta de noticias e pela demora da campanha. E suas divagações só cessam com a chegada em cena da rainha Atossa, que recebe suas reverências dentro do magnífico carro que a trouxe à frente de numeroso cortejo de servas.
1 – conforme Homero, em “História”, Xerxes mandou amarrar a lateral de um barco à lateral de outro e por cima estender um assoalho de tábuas, formando uma extensa ponte que permitiu às suas forças atravessar o Estreito marítimo de Helesponto, evitando que seus exércitos tivessem que contornar todo o litoral do mar Egeu. Com isso pôde avançar com mais rapidez e sem tanto desgaste, sobre a Europa e, principalmente, sobre a Grécia, seu alvo preferencial. Ésquilo faz aqui uma bela metáfora sobre esse feito, comparando-o à colocação de um pesado jugo (usado em bois de tração) sobre a cerviz do mar.
O Corifeu toma a palavra e a saúda dizendo: salve mulher! A mais venerada dentre as mulheres “de fina cintura” que ornamentam a Pérsia. Salve, ó rainha que partilhou do leito de um deus persa e trouxe ao Mundo outra deidade preciosa.
Velhos e Fiéis persas, responde a rainha, acabo de levantar-me do leito em que dormi por longo tempo ao lado de Dario e trago meu coração angustiado por temer dois grandes perigos: o primeiro é relativo à segurança de nossa riqueza, de nosso tesouro, sem os homens que podem defendê-lo da ganância da multidão, que livre dos soldados já começa a demonstrar assustadora falta de respeito e de temor. Um risco, amigos, que ameaça também aos ricos que já não podem ostentar sua fortuna ou poder, por não terem quem os proteja da avidez do populacho. Meu segundo temor é relativo à nossa segurança física, também pela falta de quem a defenda.
Note-se que Ésquilo desenha a rainha Atossa com cores pejorativas. Mostra-a como uma matrona preocupada apenas com seu próprio bem-estar e extremamente arrogante. Seria, pois, uma mulher totalmente dissociada de seu povo, a quem julga como uma malta de ladrões perigosos. Aqui o bardo já retrata as elites persas como fúteis, arrogantes e distantes do próprio povo. É uma das criticas que faz aos inimigos recém vencidos, durante todo o texto.
Observe-se, também, que os temores da rainha são os mesmos que ainda afligem os ricos e poderosos atuais. O medo de que um levante, ou uma revolução popular termine com seus privilégios e até com sua vida.
Digam-me, pois, confiáveis aliados se concordam sobre a existência desses riscos e me digam palavras que possam tranqüilizar minhas inquietações.
O Corifeu responde-lhe dizendo que eles sempre estarão à disposição para lhe dar conselhos proveitosos.
Atossa retoma a palavra para dizer: “Fiéis Conselheiros”, desde que meu filho partiu para devastar a Grécia à frente de numeroso exército, eu passo as noites entre vários sonhos. Até a noite passada nenhum deles me foi muito claro, ou apavorante, mas o de ontem afigurou-se como uma certeza maligna e inabalável. Escutem-no: apareceram duas mulheres. Uma, com trajes persas e a outra com roupas gregas. Ambas eram mais altas e belas que as mulheres comuns. Soube, não sei como, que elas eram irmãs de sangue e que uma morava na Grécia que lhe coube por herança, enquanto a outra residia na terra dos “bárbaros”. Pareceu-me que brigavam e que meu filho Xerxes quis apartar-lhes, tentando colocar arreios nos pescoços de ambas. Uma se envaideceu, achando que era um ornamento, mas a outra se debateu e terminou por despedaçar o arreio com que Xerxes tentava atá-la ao carro. Em pouco tempo sua ferocidade a livrou do jugo, ficando a correia partida em duas partes. Nesse momento o pesadelo mostrou que meu filho caía e que Dario, seu pai, aparecia para consolá-lo, mas o filho vendo o pai enfureceu-se e rasgou seus trajes e se quedou nu e solitário. Terrível pesadelo, do qual, ao acordar ainda tinha o coração disparado. Logo depois deixei meu leito e fui me lavar no córrego impoluto, onde fiz oferendas e aproximei-me do sacro altar para consagrar o alimento ritual dos deuses. Na seqüência, leais anciãos, eu vi uma águia que fugia rumo ao altar de Febo (Apolo) tendo em seu encalço um feroz falcão que a destroçou com suas potentes garras. Essa visão causou-me profunda dor e creio que também em vós, tal narrativa cause desconforto, pois sabem que se meu nobre filho for bem sucedido na campanha contra a Grécia, virará um herói inigualável; mas se o contrário suceder, sua imagem será abalada, ainda que ele continue sendo o “rei do Mundo” se conseguir voltar.
Observe-se novamente o quão incrustado estava nos povos antigos a noção do “Direito Divino”. Mesmo que Xerxes não atingisse a meta proposta, ele “paira” tão acima do conjunto da sociedade que naturalmente continuará sendo o “Rei do Mundo” sem que ninguém lhe obrigue a prestar contas pelos custos em recursos e vidas despendidos na fracassada campanha. Esse “Absolutismo”, copiado da organização social de outros animais (as hienas, por exemplo), em que a posição social depende da boa ou má sorte no nascimento, e não na meritocracia, é uma herança que ainda hoje percorre as sociedades, não obstante os esforços que são feitos para exterminar essa praga milenar.
Responde o Corifeu que não deseja assustar ou criar falsas esperanças para a rainha e que, por isso, nada dirá sobre o sonho. Porém, ele a aconselha a dirigir-se, como simples devota suplicante, aos altares dos deuses e fazer as devidas libações e os devidos ritos; e que também peça ao finado Dario para que só as boas coisas aconteçam a si, à sua família, ao seu País e aos seus súditos. Que Dario retenha no subterrâneo em que está, todos os males. Isto, venerada rainha, é o que eu, Profeta obediente ao coração, recomendo-te.
Responde Atossa: não duvido de tua afeição a Xerxes e à Casa Real e é por isso que a ti eu revelei meu sonho. Sabia que tu me darias respostas favoráveis e sinceras. Que eu, ó deuses, tenha o poder de determinar que todos de minha Casa sejam abençoados. Agora, Fiéis, antes de voltar ao Palácio, digam-me para que lado fica Atenas? Em que parte do Mundo fica a Grécia?
Fica, responde o Corifeu, lá no poente, onde se oculta o Deus Sol no fim do dia. Muitas e muitas léguas nos separam, rainha.
E meu filho quer conquistá-la?
Sim, pois caindo Atenas, toda a Grécia cairá.
Mas Atenas tem um exército poderoso?
Sim, ó rainha. É o único capaz de vencer os inúmeros persas.
Por que, Corifeu? Eles têm arqueiros como os nossos?
Não. Eles lutam com lanças e espadas no corpo-a-corpo.
E que rei esse exército obedece?
A nenhum, rainha Atossa. Os gregos não são escravos, nem súditos de ninguém.
Mas essa gente sem rei, sem ordem, nos venceria? Sim, é possível. Sua coragem vem do fato de lutarem por si próprios, por suas famílias, por suas terras. E não por um rei distante e inatingível.
Oh, deuses! Exclama Atossa. O que tu dizes conselheiro? Que angústia terrível é isso para as mães dos nossos expedicionários.
Aqui se nota os elogios ufanistas que Ésquilo faz aos gregos, à sua democracia, à sua coragem e ao seu valor guerreiro que ganham amplitude por estarem “sendo dito por um inimigo”. São elogios procedentes de fato, mas apenas os espectadores mais inteligentes percebiam tratar-se de um genial recurso teatral. A maioria acreditava em sua literalidade, o que, talvez, servisse para afagar-lhe o orgulho pátrio.
Nesse ponto do diálogo o Corifeu nota a aproximação de um mensageiro e diz à rainha que em breve eles terão noticias sobre a guerra.
Estafado, o mensageiro entra em cena e diz: cidades da Ásia, rico solo da Pérsia amada, são funestas as noticias que trago. Em uma só batalha a nossa elite guerreira tombou. E, pior, outras calamidades eu tenho o dever de contar-vos. Nossa desventura é enorme, o “exército dos bárbaros” já não existe.
Observe-se que Ésquilo sempre coloca na boca de suas personagens a autodenominação de “bárbaros”. É claro que se o texto fosse escrito por um persa, qualquer autodenominação não teria esse caráter pejorativo, que remete ao conceito de incivilizado, primal, bruto.
O Coro, em sua primeira participação, entoa uma sofrida ária de lamentação, na qual conclama os persas a chorarem pela ruína que os abate: oh, persas! Chorem pelos soldados caídos. Nossas tropas foram dizimadas. E geme a dor de ter vivido tantos anos para verem essa desgraça no fim da vida.
Eu mesmo, pobre mensageiro, nem sei como aqui cheguei, pois já não tinha esperança de voltar ao lar. E vejam ilustres senhores, eu não repito as palavras de outrem. O que digo é na condição de testemunha ocular dos fatos.
O Coro recomeça sua cantilena e lamenta a ineficácia de tantas armas e guerreiros que passaram pelo solo pátrio.
O mensageiro, mais calmo, inicia seu relato falando dos cadáveres persas que recobriam as praias de Salamina e as redondezas.
O Coro diz que aquelas palavras, fazem-no ver o mar cobrindo e descobrindo os corpos de tantos amigos ali tombados.
Novamente se pode ver aqui a dimensão humana da tragédia desfechada pela guerra. O sofrimento das mortes, da orfandade, da viuvez. Os fatos deixam de ser meras estatísticas para contarem da dor humana.
Sim, diz o mensageiro, de nada valeram os arcos e as flechas persas, pois nosso exército foi aniquilado no choque contra os gregos.
O Coro se propõe a entoar outro triste canto para externar a profunda dor que sentem e o mensageiro chora e diz o quanto lhe custa ouvir os nomes de Salamina e de Atenas. O Coro concorda e diz sentir o mesmo, pois a lembrança de ambos remete às milhares de viúvas que ficaram com suas dores. Oh, deuses! Por que tanta dor?
Nesse momento, Atossa que escutava em sofrido silêncio, toma a palavra e se diz aniquilada pela dor provocada por tamanho desastre, mas que aceita resignadamente os desígnios dos deuses, pois nada mais se pode fazer. Em seguida dirige-se ao mensageiro e lhe pede que descreva todo o infortúnio. Que diga os nomes dos chefes que sobreviveram e os daqueles por quem irão chorar, pois estes foram escolhidos diretamente pelo rei e ao morreram deixaram seus lugares vazios.
Digo-lhe majestade que teu filho ainda vive.
Oh! Como essa noticia ilumina a minha alma, diz Atossa ao mensageiro.
Sim ele vive, mas ARTEMBARES é um cadáver nas rochas do Silênio (promontório em Salamina). Outro que tombou foi DADAQUES. Também TENAGON, da Báctria. Idem com LILEU, ARQUESTES e ARSAMES. Mortos estão os guerreiros da margem do Nilo e ARTEU e ADEVES. NÁTALO foi outro que pereceu igual ao mago ÁRABO, ao bactriano ARTANES. Também tombaram após lutarem bravamente, AMISTRES e ANFISTEU, ARIOMARDO, SEISAMENES, TÁRIBIS. Também caiu o bravo SIÊNESIS e muitos outros que me fogem da memória, ó venerada rainha.
Aqui nesse trecho é possível observar o caráter de texto histórico e não dramaturgo da obra. A longa relação dos comandantes mortos registrou para a História seus nomes e serviu como base para se estimar a abrangência do Império Persa, haja vista que cada qual é citado com seu lugar de origem e/ou morada (não citados aqui, por colidir com o escopo do resumo). Além do mérito artístico essa é outra contribuição dada por Ésquilo ao Conhecimento universal.
Atossa retoma a palavra e lhe pede que conte dos outros males que envergonham a Pérsia e causam os sentidos soluços; e que também conte do poderio grego que foi capaz de derrotar a numerosa força persa.
Responde o mensageiro dizendo que se o fator decisivo fosse a quantidade de soldados e de armas, a vitória certamente seria persa, pois as naus de Xerxes chegava a mais de mil, enquanto a dos helenos não chegavam a trezentos. Mas não foram as armas gregas que nos derrotaram; foi sim a vontade dos deuses. Atenas, minha rainha, teve seguramente a proteção dos “Imortais”.
Aqui Ésquilo, com mal disfarçada ufania, menciona a diferença entre os recursos gregos e os persas. Com isso reforça o sentimento de grandeza da vitória helênica.
E a terra dos atenienses ficou intacta, pergunta a rainha?
Sim, responde o mensageiro, e assim ficará enquanto seus defensores forem tão firmes quanto os que nós enfrentamos.
O elogio, agora, refere-se à qualidade guerreira dos soldados da Grécia. O bardo também deixa implícito um apelo para as novas gerações: que elas sejam tão valentes, disciplinadas e efetivas quanto foram seus antepassados.
Diga-me agora, mensageiro, quem foi que iniciou a contenda? Foram os atenienses ou foi meu filho Xerxes?
Oh, majestade! Um espírito perverso iniciou nossa perdição. Um grego que se pensava ser um traidor disse ao nosso Rei que suas naus fugiriam sem ordem, tão logo a noite caísse. Xerxes não desconfiou de falsidade do pseudo-traidor e mandou que naus formassem três barreiras paralelas para impedir qualquer fuga. E avisou que se alguma evasão houvesse o Comandante persa responsável, seria decapitado como castigo. Assim, majestade, foi feito. Três linhas, de frente para as naus gregas, vedando-lhes o caminho para o mar aberto. Em boa ordem estratégica, os persas aguardaram e quando o dia findou cada remador deixou seu remo e foi cear. Mais à noite os Comandantes ordenaram que as naus mantivessem a formação, mas quando o novo dia chegou, ouviu-se um cadenciado alarido dos gregos e o terror nos confundiu e paralisou. Percebemos que não fugiam, mas sim que nos atacavam. Suas naus avançaram em boa ordem e logo se ouviram seus gritos de guerra. Do nosso lado só se ouvia um clamor confuso. As naus helênicas começaram as colisões e os navios persas se entrechocavam, pois eram numerosas e o espaço de manobra muito pequeno. Cada barcaça persa chocava-se com outra e a arruinava, enquanto os tripulantes viam seus remos serem destroçados, o que lhes impedia qualquer manobra, ou retirada estratégica. A partir daí, as naus gregas envolveram com muita habilidade as nossas naves e as destruíram completamente. O mar, em pouco tempo, ficou repleto de corpos e de destroços. O mesmo aconteceu nas praias adjacentes. O que restou de nossa frota fugiu como pôde, enquanto os gregos matavam os sobreviventes que boiavam nas águas, como se eles fosse atuns ou outros peixes a serem abatidos. E a carnificina, majestade, perdurou o dia todo, encerrando-se apenas com a chegada da outra noite. Nunca, venerada Senhora, morreram tantos homens num só dia, como naquele.
A “Batalha de Salamina” é um dos eventos bélicos mais estudados por militares e interessados em todo Mundo. Nesse trecho, no original, Ésquilo fornece um painel estupendo do que foi a vitória grega. Temístocles, Comandante Naval Grego, usou sua inteligência, seu conhecimento e sua visão estratégica superior para reduzir a quase nada a imensa vantagem numérica de soldados e aparelhos que os Persas tinham. Na realidade ele fez dessa vantagem uma desvantagem, pois como um gigante aprisionado em curto espaço, o máximo que os persas conseguiram foi destruir seus pares. Uma verdadeira auto-mutilação.
Estupefata a rainha Atossa lamenta dizendo que o “Mar dos Males” trasbordou sobre os persas e sobre os outros “bárbaros”.
Repare-se na genialidade de Ésquilo que com uma simples locução – O Mar dos Males – conseguiu sintetizar e ilustrar à perfeição o horror e a impotência que tomaram conta da rainha.
- Oh, venerada rainha, isso que relatei não é nem a metade do infortúnio que caiu sobre nós.
- Diga, ó mensageiro, quais são os outros males?
- Inúmeros persas, jovens ainda, leais e bem nascidos tombaram vitimados por morte humilhante.
- Oh, amigos, quanta desdita! Como foram suas mortes?
Relata o mensageiro que à frente de Salamina há uma ilha estreita, sem ancoradouro, onde não é raro que o deus Pã, mestre dos Coros, apareça. Para lá, Xerxes mandou inúmeros desses jovens com o objetivo de massacrarem os gregos que escapassem da batalha no mar; e, também, para não estafá-los na difícil luta contra as correntes oceânicas. Porem, os gregos, já vitoriosos no mar, ali desembarcaram e através das pedras que jogavam e das flechas que atiravam abateram sem número dos persas aturdidos com aquele ataque inesperado. Aos que sobreviviam, os gregos davam a morte através da lança curta e da espada. Teu filho, rainha, estava postado em alta colina assistia impotente à derrota e com gritos lamentosos tentava organizar suas forças, mas de nada adiantaram seus urros e suas preces. Após o massacre só lhe restou dar a ordem de retirada que aconteceu sem ordem e acabou se transformando em fuga desesperada. A derrota era incontestável. São essas, rainha, as desgraças que faltava contar.
Deusas, que sorte adversa a nossa! Geme Atossa. Meu filho bem poderia ter-se conformado com o desastre ocorrido em Maratona, quando tantos “bárbaros” pereceram. Mas sua obstinação por vingança cegou-lhe a razão e só aumentou as nossas dores. Mas diga mensageiro, onde estão as nossas naus que restaram?
Perceba-se que as criticas a Xerxes tem inicio dentro de sua própria casa. Novamente se vê um comportamento típico dos humanos: menosprezar o derrotado, dizendo que faria tal coisa deste ou daquele jeito, mas sem ter nunca a coragem de efetivar tal feitura. Porém, se o derrotado fosse vitorioso, não faltaria quem dissesse que sempre acreditou no sucesso. Idiossincrasias dos Homens.
Não sei responder, rainha. Os comandantes dessas naus fugiram espavoridos para várias direções. Em relação aos soldados, eu sei que muitos morreram de fome, de sede e de exaustão. Outros pereceram afogados no rio Estrimon, que fora congelado por uma nevasca inesperada e logo depois, descongelado por um calor extemporâneo. Outros mais faleceram em decorrência dos ferimentos não cuidados. Apenas uma pequena fração das tropas que partiram é que logrou retornar à casa. Trazem os corpos feridos e as almas dilaceradas e por eles só se pode pedir que a Pérsia chore pelo Inferno em que vivem. Após esse triste relato, o mensageiro deixa a cena.
O Corifeu lamenta o peso de tantas adversidades e é acompanhado no pranto pela rainha, que vê na derrota a materialização do pesadelo que teve. Em seguida, Atossa dirige-se ao Coro e diz aos anciãos que como sua premonição foi concretizada, só resta fazer as oferendas e os outros rituais à deusa Terra e consolar as famílias dos mortos. Para tanto voltará ao seu Palácio onde apanhará o que for necessário para os ritos; porém, diz, eu lhes peço, ó ilustres conselheiros, que não saiam de onde meu filho possa vê-los se ele chegar antes de meu retorno. E caso ele chegue, ó anciãos, consolem-no de todas as maneiras, pois eu temo que ele acrescente mais uma desgraça à nossa dor, suicidando-se (como era habitual, nessas situações). Isso dito, Atossa sai de cena.
O Coro retoma a palavra e lamenta que Zeus tenha desbaratado o exército persa e, com isso, mergulhado SUSA, a ECBÁTANA e o resto do Império na negra noite do sofrimento. Lamenta pelas jovens e inconsoláveis viúvas, pelos órfãos e pelos pais que perderam seus filhos. Tantos idosos que agora já não contam com nenhum arrimo. E prosseguindo, o Coro faz uma critica direta a Xerxes, a quem acusa de ter levado tantos homens a uma morte inútil, em sua insânia de vingar-se a qualquer preço. Clama por Dario e exalta as virtudes do falecido imperador, enquanto canta um vaticínio que prevê o colapso do Império, com as Províncias recusando-se a pagar tributos, acatar as ordens do Imperador e reverenciá-lo como um deus. Já não existe a “Aura de Divindade” sobre a cabeça de Xerxes. Por fim lamenta que a grandeza do Império de Dario tenha sido enterrada sob as praias de Salamina, transformada no “Mausoléu do extinto Império Persa”.
Nota-se aqui o peso da derrota e se percebe, de acordo com a ótica de Ésquilo, o quão frágil era o alicerce desse Império, (construído sobre o medo e não por adesão respeitosa, senão voluntaria), que findou na primeira brecha que se abriu. Vários povos, vários idiomas, várias culturas forçadas a uma convivência que terminou junto com o último golpe grego. Pode-se ver na ex-URSS um modelo semelhante, nos tempos atuais.
Nesse ponto o Cenário muda para frente do túmulo de Dario, onde Atossa – em trajes simples e sem o carro - encabeça um longo cortejo de servas que portam as oferendas rituais. Em seguida, o Coro entra em cena. Atossa diz que do Palácio foi para ali sem o luxo do carro e nas roupas, pois a situação não os enseja e nem seriam apropriados a momentos tão tristes quanto aquele. Angustiada, diz que aquele que é bafejado pela boa sorte, acostuma-se aos ventos favoráveis; mas quem é atingido pela má sorte, só espera os ventos desfavoráveis, malfazejos. E é por isso que ela, doravante só esperará ventos furiosos, pois só calamidade é o que prevê. Na seqüência fala das ofertas que trouxe: flores, mel, água pura, leite etc. e pede que os outros evoquem Dario, enquanto ela prestará reverências às Entidades Infernais.
Responde o Coro dizendo que fará de imediato as libações aos deuses do Tártaro (a parte mais tenebrosa do Inferno), ao deus Hermes e à deusa Terra, pedindo-lhes que deixem a alma de Dario voltar ao “mundo dos vivos”, pois só ele conhece a cura para os males que afligem todos os persas. Só por ele saberão quando terminará tantas desditas. Em seguida os anciãos iniciam a evocação da alma do Imperador e a intercalam com gritos estridentes e com as batidas no peito com as mãos que se entrechocam. Entre rezas e súplicas entoam um hino cheio melancolia: “...ó finado rei, igual aos deuses...escuta nosso brado na bárbara língua que te é tão familiar...gritaremos nossos infinitos sofrimentos...ouve-nos nas profundezas da Terra...deuses do Inferno deixem vir à luz o nosso amado Imperador...oh, Aidoneu (epíteto do deus Hades) deixe-nos ver o Imperador que nunca levou seus soldados para a morte certa por causas menores...venha rei Dario...escute nosso pranto pelo duplo erro que resultou na morte de nossa juventude e na perda de todas as nossas naus. Oh, sábio Imperador divino...”
Nesse ínterim o espectro do Dario surge acima de seu túmulo e de pronto começa a falar: fiéis amigos e companheiros de minha juventude, eu vejo minha amada mulher em frente a este túmulo e também vejo minha cidade amada. Oh, como sofrem! Vossas queixas são comoventes, mas é muito difícil voltar a esse Mundo e para vir eu tive que implorar aos Deuses Infernais e alegar que minha fama gloriosa se fazia necessária ante tanto sofrimento; por isso, amigos, eu lhes peço que sejam rápidos e breves, pois meu tempo é escasso. Que desgraças caem sobre vossos ombros?
O Coro responde que não consegue falar, tampouco olhar diretamente para o Imperador, em razão da antiga reverência que prestava. Dario lhe pede que abandone os circunlóquios, pois seu tempo é curto. Porém, o Coro responde que tal comportamento vai além de sua vontade. Que lhe é impossível deixar de se inibir perante a figura do Imperador.
Dario, então, dirige-se a Atossa e lhe pede que seque as lágrimas e lhe conte toda a verdade. Se os Conselheiros ainda se inibem com sua presença, que ela diga tudo que aflige ao Império.
Responde-lhe Atossa: amado esposo, tu tivestes vida longa e feliz e eu me sinto alegre por tu já não estar vivo para sofrer o que estamos sofrendo. Saiba marido, que muitos persas gostariam de estar mortos como tu, ante a humilhação que nos foi imposta e a penúria que se aproxima. Dario pergunta se a desgraça decorre da peste ou de uma guerra-civil? Diz-lhe Atossa que nem de uma, nem de outra. A causa de tanto sofrimento decorre da acachapante derrota ante os gregos, que além do orgulho, minou os recursos humanos e materiais do Império.
- Mas qual dos meus filhos fez tal guerra?
Responde Atossa que foi Xerxes, o impetuoso. Sim, foi ele quem deixou sem homens todas as partes de nosso continente.
- Ele cometeu essa loucura por terra, ou por mar?
- Por ambas as rotas. Xerxes abriu duas frentes de batalha, ó rei, diz Atossa.
Os estudiosos da “arte” da guerra, dizem que essa situação, duas frentes de batalhas, é o pior pesadelo dos Generais, pelas dificuldades que apresenta no tocante à logística, ao avanço e recuo estratégicos, moral das tropas etc. Se na guerra de Xerxes essas duas frentes combatiam um só inimigo – embora cada Cidade-Estado fosse independente – o mesmo não se pode dizer de Napoleão e de Hitler que também utilizaram dessa estratégia com o mesmo resultado dos persas.
- Mas como ele atravessou o mar?
- Xerxes foi engenhoso e construiu uma ponte sobre o Helesponto usando antigas embarcações como base de flutuação (veja notas anteriores), diz a rainha-mãe com certo orgulho.
- Mas Xerxes ousou ligar os dois Continentes, espanta-se Dario?
- Sim! Mas penso que algo turvou sua razão.
- Um deus muito poderoso, certamente.
- Sim, mas que triste desfecho teve sua genial ousadia.
- Fale-me, rainha, das agruras que os legionários passaram; e que nos causou essa derrota tão dolorosa.
- Nossas naus foram aniquiladas e as forças de terra tiveram destino igual.
- Então foi uma luta deveras furiosa, pois levou à semi-extinção um país como o nosso.
- Oh, Dario, as perdas foram tão numerosas que em Susa não existe mais qualquer varão.
- Ai de nós, geme Dario. Perdemos um exército inteiro. Exército que era nossa garantia de proteção.
- Ai de nós, geme Atossa. Toda Báctria ficou sem homens; jovens e velhos.
- Xerxes infeliz, de quantos jovens ele privou nossas províncias?
- Conforme o Mensageiro, ele está só, com raros acompanhantes.
- Onde se consumou sua desgraça? Ainda há esperança para ele?
- Sinta-se alegre, rei, por ele ter sobrevivido. Por estar de volta usando a mesma ponte que mandou construir. Mas, só por isso, Dario.
- Mas é certo que ele vive? Que está na Ásia?
- Sim, diz Atossa. Os relatos são fidedignos.
Os oráculos divinos se confirmaram depressa, diz Dario. Zeus lançou sobre meu pobre filho a realização das antigas profecias. Eu acreditei que nossos deuses nos protegeriam por longo tempo, mas vejo que se um mortal quer se perder é o que basta para que os deuses o ajudem a cair no abismo. Pobre filho que tentou domar as águas do Helesponto. Que, insano, tentou desafiar as águas de Poseidon. É certo que uma loucura severa dominou sua razão. Agora, nessas circunstâncias, o que mais posso esperar? Talvez só o roubo da nossa imensa riqueza que eu acumulei em vida e que, agora, está sem proteção contra qualquer aventureiro que dela queira se servir.
Observe-se que Dario não culpa seu filho pela derrota. Concede-lhe a dúvida sobre sua sanidade mental e ao invés de dizer que a derrota aconteceu por mérito dos gregos e por inabilidade e/ou covardia do filho, debita-a à fúria de algum deus, ultrajado pela ponte que Xerxes construiu. Esse comportamento não é raro. Ao invés de culpar quem de fato errou, tenta-se transferir o erro para terceiros, buscando preservar - com resultados pífios - o familiar, ou o ente querido.
Pobre filho, diz Atossa. Perdeu-se por ouvir os falsos e perversos amigos que lhe diziam constantemente que ele era um indolente que vivia à custa da fortuna que o pai amealhou. Pobre Xerxes, por ouvir os maus conselhos cismou que tinha que aumentar a nossa fortuna e deixar de viver à tua sombra, ó amado marido. E foi por isso que ele tentou empresa tão temerária.
Note-se aqui a repetição de uma desculpa que ainda hoje é comum para justificar os erros de algum ente querido. A culpa será sempre das “más companhias”.
Dario, com súbita volta à racionalidade, pergunta a Atossa se foram mesmos os maus conselheiros que causaram a ruína presente? E, após citar alguns antepassados, como MEDO (epônimo da Média), CIRO, o Grande, o usurpador MÁRDIS e ARTAFERNES que repôs a legalidade, matando o anterior; rememora as campanhas que ele próprio realizou e, também, o quanto seu filho era rebelde aos seus conselhos e advertências.
O Corifeu enfim toma coragem e fala com Dario perguntando-lhe como levantar-se após golpe tão duro? Dario responde que só haverá um caminho: abster-se totalmente de fazer nova guerra contra os helenos. Mesmo, diz, que nossos exércitos sejam superiores aos deles, pois a maior força dos mesmos está em sua geografia. Em seu solo.
- Mas como, Imperador, a terra pode lhes ajudar militarmente?
- Vejam o sucedido em Esparta, quando um desfiladeiro defendido com bravura por Leônidas e seus poucos guerreiros anulou a nossa vantagem numérica e de aparelhos.
- Mas e se mandarmos apenas forças especiais, táticas?
- Nem assim, pois ainda se pode ver que grupos reduzidos de nossos soldados perambulam pela região sem conseguirem ao menos voltar; o que se dirá se forem encarregados de alguma ação?
- Que dizes, ó rei? Ainda existem persas que não conseguiram voltar para casa?
- Da multidão de soldados que Xerxes levou, restaram alguns que dão ao meu filho a falsa esperança de que triunfarão sobre os gregos, como forças de elite. Mas em breve, na planície de “Platéia”, a lança grega fará o sangue persa jorrar novamente. Como se fosse uma rubra fonte a lavar os pecados que eu cometi. E os que foram cometidos por Xerxes e seus soldados que tão logo chegaram se puseram a insultar os deuses gregos e a incendiar seus Templos. Agora, Zeus exige vingança por essa impiedade e logo o monte de cadáveres contará aos homens do futuro a nossa derrota. Que a todos sirva de lição essa nossa insolente ganância; e que cada qual se contente com o que tem e não deseje a sorte alheia e nem queira fazer mais que a frágil condição humana permite. Anciãos do Coro, Xerxes, meu pobre filho, carece de vossos bons conselhos, não o abandonem. Eu rezo para que ele os escute e aprenda com essa amaríssima lição.
Em seguida Dario dirige-se a Atossa e a aconselha a colocar seus belos trajes para bem receber a Xerxes que não tarda. Arrasado, diz Dario, será de ti, mulher, a única voz que ele gostará de ouvir. Vá minha amada, pois findou o meu tempo e eu retornarei ao Hades.
Na seqüência, Dario dirige-se ao Coro para dizer que embora estejam todos imersos em cruel dor, que alegrem seus corações pelas benesses que virão num dia futuro, pois tudo se transforma conforme a vontade dos deuses.
Dario desaparece e um longo e perturbador silêncio se faz enquanto as cortinas são fechadas. Ao reabrirem, mostram o primeiro cenário: a frente do Palácio Real.
Diz o Corifeu o quanto sofreu ouvindo a narrativa das desgraças do Presente e a das que ainda virão.
Atossa, já com belos trajes, repete as queixas do Corifeu e acrescenta a dor que sente por prever que seu filho está coberto por andrajos, como se fosse um reles mendigo. Irei, diz, ao Palácio buscar as mais belas roupas para ele e depois volto para esperá-lo com vós, ó Fiéis Conselheiros. É nessa hora amarga que eu quero lhe mostrar como eu o amo e o orgulho que ainda sinto por tê-lo como filho.
O Coro retoma a palavra e canta as delicias e os encantos que a vida tinha quando Dario reinava. Mostrávamos ao Mundo, diz, nosso glorioso exército que, então, era invicto. Nossos guerreiros, quase sempre, voltavam todos para seus lares, sem grandes provações e com ricos despojos. Quantas cidades conquistaram aquém do rio HÁLIS, como as situadas às margens do rio ESTRIMON, nas proximidades dos trácios. E, também, aquelas outras, além do HÁLIS, e as dos dois lados do Helesponto. Mais a PROPONTIS e as “bocas do Ponto”. As ilhas batidas pelas ondas do carro marítimo também obedeciam aos nossos monarcas, assim como as ilhas vizinhas da Ásia e chamadas de LESBOS, SAMOS, QUIOS, PAROS, NAXOS E MICONOS. E, ainda, as chamadas de ANDROS e TEMNOS. Também se renderam as ilhas que ficam entre os dois continentes, LEMNOS (a terra natal de Ícaro) e RODES E CNIDOS. Além dessas, as cidades CIPRIOTAS (da ilha de Chipre), de PAFOS, SOLOS e SALAMINA (homônima à grega), também estiveram sob nosso jugo. O mesmo com as opulentas cidades da IÔNIA (habitadas pelos gregos), que a Dario prestavam obediência. Mas agora, uma reviravolta chega com a fúria de uma tempestade enviada pelos deuses e estamos naufragando sob o peso da derrota que o Destino nos impôs.
Nesse trecho Ésquilo enumera as regiões dominadas pelos persas com o claro propósito de exaltar a proeza grega de vencer inimigo tão poderoso. Mantivemos a relação, talvez entediante, com a finalidade de expor o tamanho do Império Persa e colocar a questão: não teria sido essa imensidão, a sua própria fraqueza?
Nesse ponto entra em cena um pequeno carro coberto. Xerxes desembarca lentamente e vacilante segue em direção ao grupo de Conselheiros. A eles diz: infeliz de mim! Eu fui ao encontro dessa terrível provação. Com que fúria, ó deuses, o Destino abateu-se sobre a raça dos persas. Quantas provações eu ainda terei que suportar? Sinto-me caído ante vós, cidadãos de Susa. Oh, Zeus, por que não morri como meus soldados?
Ante essa última pergunta um (a) leitor (a) mais atento (a) e critico (a) responderia que “não morreu como os soldados, porque não lutou como eles”; ou “porque se escondeu covardemente atrás dos mesmos”. Seriam respostas lógicas, mas não foram (e não são) formuladas por causa do antigo medo pelo superior que reina entre os subalternos, que, assim, não desmascaram a hipocrisia dos “poderosos”.
O Corifeu responde que também chora pelo fim do poderoso exército e do esplendor persa; e pela morte de tantos persas.
O Coro geme pela juventude morta nos campos gregos, a qual só morreu por ser obediente a ti, ó Xerxes. Tuas ordens encheram o Hades com nossos arqueiros, antes invictos; e com uma multidão de soldados, que antes nos enchia de orgulho. Ó Xerxes, hoje, toda Ásia está de joelhos. Nossos sustentáculos se foram, ó filho de Dario.
Xerxes responde que ele é o culpado pela ruína e que só merece comiseração.
Retoma a palavra o Coro e diz que ao saudar o retorno de Xerxes, só pode gemer para exprimir seu desencanto, acompanhado de abundantes lágrimas.
Sim, diz Xerxes, daí prosseguimento ao seu canto lúgubre, pois o Destino voltou-se contra mim.
Vamos todos, responde o Coro, soluçar, ó rei. Gemer e lamentar os golpes que tu sofreste no mar. Choremos unidos pela desgraça que a abate um País, uma raça inteira.
Xerxes volta a se lamentar, dizendo que o deus Ares, da IÔNIA, aniquilou sua pretensão. Ares dos navegadores, selou nosso destino e ceifou nossas tropas na praia e na planície repleta de aflições.
Sim, brada o Coro, gritemos! Desejamos saber tudo! Onde estará a multidão dos teus soldados, ó rei? Onde estarão aqueles que ficavam ao teu lado, os ilustres SUSAS, PSAMIS, PÉLAGON, FARANDAQUES, DOTAMES, AGDABATO, SUSICANES, o leal recém chegado da ECTÁTANA?
Mantivemos essa relação de assessores de Xerxes para ilustrar, novamente, o grande poderio persa em toda a Ásia.
Constrangido, Xerxes balbucia: perdidos, mortos. Todos devem estar longe, caídos nas águas de Salamina. Viram-nos flutuando sem vida no Oceano de minha vergonha.
E FARNUCO, pergunta o Coro? E ARIOMARDO, o príncipe SEUACES? E LILEU, de nobres antepassados? E ISTECMO, MASISTRO, ARTEMBARES?
Ai de mim, Xerxes geme. Eles viram a odiosa Atenas, mas pouco depois expiraram na praia.
Enquanto prossegue relatando os nomes de persas sacrificados, Ésquilo propagandeia com indisfarçável ufanismo, a importância da vitória grega. Tanto no geral, quanto nesses relatos pontuais, Ésquilo também cria uma nova espécie de literatura, que ainda hoje é incomum: a versão da história segundo a ótica dos derrotados.
Ante essa nova citação de vários comandantes e assessores, feita pelo Coro, Xerxes suspira sua imensa dor pela perda de tantos companheiros leais.
Aqui, novamente, é possível enxergar os sentimentos humanos que ficam atrás dos dados estatísticos.
O Coro volta a lamentar perdas tão importantes, mas as debita aos deuses. Xerxes corrobora, dizendo que foram esmagados por forças inelutáveis.
Cabem as dúvidas se o Coro desvia o ônus da derrota para os deuses, por ainda temer uma represália de Xerxes; e se Xerxes acreditava efetivamente na culpa divina, ou só aproveitava-se dessa versão para fugir de sua responsabilidade.
As lamentações repetem-se, intercalando-se entre as de Xerxes e as do Coro. E antes que as cortinas se fechem, encerrando a encenação, o rei e os Conselheiros unem-se na derrota.
Esse final abrupto, sem menção a qualquer futuro, revela outra genialidade de Ésquilo que, desse modo, sinaliza a ruína e a queda completa do Império Persa, que estima acontecer em breve.
São Paulo, 17/05/2011